• Nenhum resultado encontrado

“Olha, eu sou uma pessoa que tem foco, o senhor não precisa se preocupar. Eu só mudo muito de foco.”

A

resposta de Júlia Borges Evangelista ao comentário sobre a falta de foco dos jovens, na última etapa da seleção de bolsistas de 2012, provocou risadas na sala. E sua defesa ante as risadas provocou gargalhadas: “Mas cada vez que mudo de foco eu vou com tudo para o meu novo foco.”

Sua trajetória confirma as palavras. Júlia nasceu em Teresina, no Piauí, e teve uma experiência no exterior bem cedo. Quando tinha 9 anos, o pai pediu demissão do emprego e levou a família para passar um ano na Nova Zelândia. Desde então, a mãe volta e meia dizia que gostaria de morar lá. Quando Júlia começou o nono ano, seu pai comprou uma fazenda no sul do Piauí, batizou-a de Nova Zelândia e disse à mulher: “Lilinha, seu sonho vai ser realizado!”

Júlia mudou-se para Uruçuí, uma cidade de 10 mil habitantes a seis horas de viagem de Teresina. Mas ficou angustiada com suas perspectivas para o vestibular. “Tinha nove alunos na sala e eu não precisava nem estudar, passava com 10 em tudo. Então fiquei meio desesperada, achava que se continuasse lá não ia conseguir ir muito longe.” Seis meses depois, estava de volta à capital, com a mãe e as duas irmãs. Mas não ficou muito tempo. Quando fez 15 anos, disse aos pais que, em vez de festa, gostaria de fazer um intercâmbio na Nova Zelândia.

No ensino médio, Júlia teve seu primeiro grande foco: cursar administração em Minas Gerais. Passou em 10o lugar no vestibular da UFMG, mas as aulas só começavam em agosto – então ela resolveu prestar vestibular para direito na PUC. E veio a primeira mudança de foco. “Fiquei um mês e meio na UFMG e não me identifiquei. Eles não tinham o espírito empreendedor que eu buscava.” Passou a sonhar em ser juíza.

A segunda mudança aconteceu quando fazia estágio na Defensoria Pública. “Percebi que eu gostava de estudar direito, mas não queria trabalhar com aquilo”, diz. “Via as pessoas enrolando no trabalho e não conseguia conviver com isso.” Decidiu então voltar à administração, em outra faculdade. Foi para o Ibmec, onde sua irmã estudava.

Ali testou o caminho do empreendedorismo. Sua mãe tinha uma loja de roupas e Júlia criou uma marca própria, para vender na faculdade. Foi nessa época que conheceu a Fundação Estudar. “Eu me inscrevia em tudo, qualquer palestra que aparecia, workshop que alguém indicava, de qualquer assunto”, diz. Uma das palestras foi da Estudar. Inscreveu-se no processo seletivo em 2011 – e foi reprovada.

Ela se sentiu provocada. Começou a pesquisar o nome de todos os bolsistas para entender o que era preciso para ser selecionada. “Percebi que eram pessoas que faziam coisas excepcionais”, diz. Seu namorado falava: “Júlia, isso aí é gente de outro nível, muito mais nerd que você.” Quando soube do caso de Gabriel Benarrós, um garoto de Manaus que estava em Stanford, pensou: “Se alguém de Manaus pode, do Piauí também pode.”

Inscreveu-se de novo em 2012. A cada fase, ficava mais impressionada com o processo: “Eles perguntam muito mais do que eu imaginava”, conta. A cada etapa, diz, aprendia mais, inclusive sobre si mesma. “Fui me apaixonando pela Estudar durante as entrevistas.”

Júlia beneficiou-se do fato de não estar preparada – as respostas espontâneas têm mais peso no processo – e, obviamente, de ser alguém que busca a excelência. Nem as gafes da entrevista final a atrapalharam. “Eu chamei o Lemann de velho. Na hora que me perguntaram quem eu admirava, disse que era ele, porque apesar da idade bem mais avançada… E aí, pronto, todo mundo começou a rir.” Mais uma vez, o conserto foi pior que o escorregão original: “Não, eu não disse que o senhor é velho, o senhor só não é jovem.”

Júlia pleiteou uma ajuda de zero real para pagar a faculdade. “Eu quero estar aqui por dois motivos”, disse ela numa das entrevistas. “Um, porque vocês oferecem mentoria e meu sonho é fazer MBA. Quero alguém que me mostre como é estudar fora. Dois, porque vocês têm essa rede em que os bolsistas se relacionam, e eu sinto falta de encontrar gente que também queira fazer alguma coisa grande. Na minha sala, por mais que o Ibmec seja uma faculdade excelente, poucos querem fazer alguma coisa fora da caixa.”

A mentoria se revelou essencial para mais uma mudança de foco na vida de Júlia. No final da faculdade, em 2013, ela fez um intercâmbio na Universidade do Arkansas. Já pensava em abrir uma empresa de moda, mas teve a ideia de tornar-se trainee de uma grande companhia antes. Conseguiu o contato de Bernardo Hees, que a encaminhou para os testes no Burger King. Foi contratada como estagiária. Como na experiência da faculdade de direito, aquilo lhe bastou: “Amei o estágio. Serviu para ver o que eu não queria.”

Nessa hora, Marcelo Bellini, seu mentor na Estudar, veio em seu socorro. “Só me fazendo perguntas, ele conseguiu me fazer enxergar coisas que não enxergava”, diz. Desde os 14 anos, Júlia guardava dinheiro para ter um negócio próprio. Pegou esse dinheiro e chamou a irmã para montar a Oficina de Inverno, uma empresa voltada para venda de roupas de frio. E qual o melhor lugar para abrir uma loja de roupas de frio? O Piauí, é claro – onde as temperaturas variam entre 20oC e 45oC.

“Sem a orientação do Marcelo, teria dado muito medo mergulhar nesse projeto, porque todo mundo me falava que era loucura, todos os meus professores, meus diretores”, diz. Sua ideia, porém, era que, justamente porque o clima é muito quente, as lojas não fazem estoque de roupas de frio e, quando as pessoas vão viajar, não têm onde comprar. Júlia também participou, em 2013, do programa de liderança da Estudar, que lhe infundiu mais coragem para dar o salto. “Até a minha mãe ficou surpresa. Disse que tinha criado uma filha para o mundo e ela ia voltar para o Piauí…”

No primeiro mês de funcionamento, agosto de 2014, o site que as duas irmãs criaram faturou apenas R$ 500. Antes de completar um ano, as vendas mensais haviam saltado para R$ 20 mil. As mudanças de foco continuam – só que agora são viradas dentro do próprio negócio. “Quando colocamos o site no ar, o objetivo era vender no Nordeste. Mas, depois de

um tempo, percebemos que quase 70% das vendas eram para o Sudeste, então já estamos reorganizando a empresa, porque as nossas premissas básicas não estavam muito corretas.” As promoções de entrega gratuita na região, por exemplo, não surtiam efeito. O layout era muito jovem, mas a maioria dos clientes estava na faixa dos 45 anos para cima. Saber mudar é parte do segredo de um bom negócio.

“A gente começou vendendo na loja da minha mãe, e hoje as roupas de frio já representam 50% do faturamento dela”, afirma. A sede da empresa fica no quarto da outra irmã, que mora em Belo Horizonte. Elas desenham as peças e contratam terceirizados para a produção. No site, agora elas dão dicas de viagem, com ajuda de seis “correspondentes”, amigas que moram fora. “Quero que a Oficina de Inverno seja uma marca de viagem”, diz. “No futuro a gente quer abrir uma linha de verão, vender acessórios. Muita gente disse que o meu sonho era pequeno, mas eu não estou sendo pequena porque quero ser pequena; estou sendo pequena porque é o primeiro passo nas minhas atuais condições para ser grande no futuro.”