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“Fui para o palco chorando, apareci em todas as fotos chorando.”

A

gaúcha Kawoana Vianna acabara de tirar quarto lugar em uma feira de ciências nos Estados Unidos, na área de medicina. Seu projeto, de prevenção de amputações em diabéticos, concorria com dezenas de pesquisas mais “nobres”, do campo de tratamento do câncer. Ganhar um prêmio desse porte já justificaria as lágrimas, mas a trajetória de Kawoana tornou aquela vitória ainda mais especial – e mostrava que um pequeno projeto inicial pode ir se transformando até desembocar em uma avenida de possibilidades.

Filha de um casal muito jovem de classe média, Kawoana estudou em colégio particular até o nono ano, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. No ensino médio, suas escolhas começaram a empurrá-la para um caminho diferente. Em vez de se preparar para o vestibular, ela quis fazer um curso técnico de química na Fundação Liberato.

Ali, os alunos são obrigados a desenvolver um projeto de pesquisa científica. Kawoana e duas amigas, todas de 15 anos, optaram por algo bem simples: calcular a pegada de carbono do colégio. Com esse projeto, elas se inscreveram em uma feira da USP, em São Paulo – e lá descobriram uma realidade nova, com pessoas competindo por uma vaga numa feira de jovens cientistas nos Estados Unidos. “A gente começou a colocar isso como meta”, diz.

No ano seguinte, o projeto das três já era mais elaborado. O eucalipto, aprenderam, é uma planta em torno da qual quase nada cresce, porque ele libera substâncias que modificam o ambiente e dificultam o desenvolvimento de plantas nativas. Por que não usar essas substâncias como herbicida? “Passamos um ano inteiro testando extratos e chegamos a um que continha as ervas daninhas, sem prejudicar a plantação da soja.” As jovens apresentaram o projeto numa feira internacional que o colégio delas organizava, mas não ganharam nenhum prêmio.

“Ficamos um pouco frustradas, mas queríamos continuar pesquisando, porque nos apaixonamos pelo estudo.” No terceiro ano, quando já não era obrigatório fazer um projeto, as três decidiram entrar na área da nanotecnologia. “Começamos a pesquisar diversas partículas e achamos uma que tinha a propriedade de ser isolante térmica”, conta Kawoana. Ela então lembrou que, cinco anos antes, sua avó tinha sofrido um acidente de trabalho e teve o dedo decepado.

“Os médicos conseguiram fazer o reimplante, mas no pós-operatório ela precisava passar diversas pomadas e tinha que ficar com a mão perto de uma lâmpada, para aquecer o local e aumentar o fluxo sanguíneo. Só que a lâmpada acabava queimando o dedo.” Esse episódio inspirou o novo projeto: e se elas conseguissem criar, com aquela partícula, um curativo que exercesse o papel da lâmpada?

A ideia era tão boa que ultrapassava os limites do laboratório da escola – e os conhecimentos dos professores. “Eles achavam que a gente queria dar um passo maior que a perna”, conta. As três não se desencorajaram. Descobriram uma professora da UFRGS em Porto Alegre, a 40 quilômetros de distância, e foram bater à porta dela.

Silvia Stanisçuaski Guterres era professora de farmácia e estava acostumada a orientar alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. E lá estavam três garotas que sequer haviam entrado na faculdade. “Ela nos testou bastante, questionando tudo o que a gente tinha lido sobre o assunto.” Embora o conhecimento delas não fosse muito profundo, a empolgação era grande o suficiente e a convenceu. As três passaram a usar o laboratório da universidade.

Após uma batalha para conseguir a nanopartícula, uma das colegas deixou o grupo. Os pais não viam com bons olhos tanto tempo gasto naquelas atividades extracurriculares. Virando noites para concluir a

pesquisa e o protótipo do tecido do curativo, Kawoana e sua colega, Gabriela, participaram mais uma vez da Mostratec, a feira patrocinada por seu colégio. E novamente não ganharam nenhum prêmio.

A história foi diferente na feira da USP, a Febrace. “A feira normalmente manda três avaliadores para examinar cada projeto”, diz Kawoana. “Nós fomos avaliadas 14 vezes.” No final da maratona, ganharam cinco prêmios, incluindo o primeiro lugar na área de saúde. E foram credenciadas para a feira de San Jose, na Califórnia, patrocinada pela Intel, em 2010.

A viagem em si foi uma ótima experiência – uma feira com 1.700 jovens de vários países – mas as duas amigas não ganharam nada. “Aquilo ficou engasgado.” Gabriela, a essa altura, já tinha passado no vestibular de farmácia. Kawoana queria fazer medicina, e para isso achava necessário fazer cursinho. Decidiu, porém, dedicar-se a aprofundar sua pesquisa e concorrer mais uma vez. Agora sozinha.

“Meu plano era conseguir ter um projeto tão bom a ponto de ser selecionada para ir de novo para os Estados Unidos e ganhar um prêmio na área de medicina, que é uma das mais concorridas.” O problema era que, em qualquer feira, se você aparece com o mesmo projeto, tem de mostrar que houve uma evolução extraordinária.

A evolução que Kawoana vislumbrou foi, em vez de tratar o pós- operatório, evitar que a amputação acontecesse. “Existem 300 milhões de diabéticos no mundo, eles sofrem 80% das amputações não traumáticas. Aí eu pensei: ‘Vou deixar o curativo de lado e produzir uma meia para tratar preventivamente o pé do paciente.’”

A nova etapa foi uma odisseia. Kawoana conseguiu ajuda do pai de um ex-colega, que tinha uma fábrica de meias (Pé Brasil, já fechada). Fez várias amostras até conseguir uma nanopartícula que impedia a proliferação de bactérias e fungos. Conseguiu permissão para usar o único manequim térmico do país, da USP, para testar o efeito isolante da meia. Ao final de tanto trabalho, inscreveu-se novamente na Mostratec… e dessa vez ganhou o primeiro lugar da área de medicina. Ganhou também o prêmio Jovem Cientista, patrocinado pelo governo do Rio Grande do Sul, e o direito de voltar à feira dos Estados Unidos.

Entre dezembro de 2010, quando terminou o curso técnico, e maio de 2011, data da viagem, Kawoana não fez praticamente nada além de se

preparar no laboratório da UFRGS. Ao chegar à Califórnia, passou um dia inteiro sendo entrevistada pelos organizadores, que não viam diferenças entre aquele projeto e o que ela tinha apresentado um ano antes. “Refiz quatro vezes o meu resumo de projeto naquele dia”, lembra Kawoana. Tudo para poder concorrer com as pesquisas sobre o câncer, consideradas as mais nobres da área. O esforço valeu a pena: ficou em quarto lugar na categoria Medicina e Ciências da Saúde.

Pouco antes dessa premiação, Kawoana tinha inscrito o trabalho que fez com Gabriela no Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia, cujo tema em 2010 era nanotecnologia. As duas tiraram o primeiro lugar.

Mesmo sem ter feito cursinho, Kawoana passou no vestibular de medicina para a UFF, em Niterói, mas preferiu estudar mais um ano e tentar a faculdade que queria, em Porto Alegre. Em 2013, passou para a UFRGS, no segundo semestre. Antes de começar as aulas, fez um intercâmbio de pesquisa em Israel, a convite da associação Amigos do Weizmann.

Kawoana conhecia a Fundação Estudar das feiras de ciências, mas nunca pôde se candidatar, porque medicina não era uma das áreas para as quais a fundação dava bolsas. Em 2014, no entanto, essa restrição caiu. Enquanto se preparava para a seleção de bolsistas, ela esbarrou num relatório dos 20 anos de atividades da Estudar. E lá viu a seguinte frase: “A Fundação Estudar precisa de mais jovens como Kawoana Vianna.”

Até ali, ela havia seguido uma trilha em que cada experiência proporcionou condições para o próximo passo. Entrar para a rede da Estudar ajudou-a a manter seu ímpeto. “O maior efeito que a Fundação Estudar teve sobre mim foi mostrar que eu estava ficando acomodada na faculdade”, conta. “Comecei a entrar no fluxo da boiada, sabe? Você nem percebe, mas acaba deixando de sonhar grande. Na Estudar, conheci outros jovens que estavam fazendo coisas incríveis. E me convenci de que não posso parar de fazer essas coisas também.” Uma das suas ações desde então foi criar o projeto Cientista Beta, para incentivar outros jovens a ter uma relação mais próxima com a ciência.

A História da

Fundação Estudar – 4

A hora de elaborar o processo