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A mineira criada em São Paulo Daniela Barone Soares também sempre quis fazer trabalho social. Mas não gostava de política e achava que as visitas a crianças carentes que fazia na adolescência tinham um impacto muito limitado. Decidiu, então, que ganharia muito dinheiro para mais tarde dedicar-se à filantropia.

No início da década de 1990, começava a cumprir o plano: estava indo muito bem no programa de trainees do Citibank –  tão bem que já tinha recebido uma dupla promoção. Como parte do programa, fez um curso de três meses nos Estados Unidos, e passou a sonhar em ter uma experiência de trabalho fora do Brasil. Quando perguntou a seus superiores se podia ser transferida para Nova York, a resposta foi “Claro, você tem muito

potencial”. Bastaria trilhar o plano de carreira do banco e, dali a uns 10 anos, teria essa oportunidade. Foi aí que Daniela decidiu largar o banco e fazer um MBA.

“A Fundação Estudar foi um ponto de inflexão para mim, porque viabilizou uma total mudança de carreira”, diz. Daniela vendeu o que tinha e conseguiu a bolsa da Estudar, em 1995, para fazer seu MBA em Harvard. Foi também a primeira bolsista do Instituto Ling, uma entidade montada pelo Grupo Ling, dono da holding industrial Évora (no ano anterior, o empresário gaúcho William Ling tinha ido ao Rio de Janeiro para se inspirar na Fundação Estudar).

Daniela trabalhou em um fundo de investimentos em empresas (private equity) durante sete anos, fazendo uma ponte tripla entre Boston, Nova York e Londres. Mantinha sua rotina de voluntariado nas horas vagas, visitando uma escola perto de Harvard para ler para crianças carentes e ajudá-las nas lições de casa.

Até que lhe pediram ajuda para formatar um plano de negócios para uma ONG de Nova York. Nesse momento, percebeu que podia unir sua formação com a vontade de atuar no terceiro setor. “A parte financeira, de administração organizacional, de governança, isso sempre foi a minha forma de gerenciar qualquer coisa”, afirma. “Quando entendi que, no terceiro setor, isso era tão necessário quanto no setor privado, mas nem sempre estava presente, vi que fazia sentido migrar.”

O estalo ocorreu em 2000, segundo ela, mas a transição ainda demoraria três anos. Depois de atuar em dois projetos de seis meses, em 2004, ela começou a trabalhar com a organização filantrópica Save the Children, que visa proteger crianças em situações de risco. Dois anos depois, tornou-se executiva-chefe de uma startup do terceiro setor, a Impetus, “a primeira venture philanthropy do Reino Unido”. Trabalhar com isso era o sonho de Dani.

“Eu morri e fui para o céu, porque era a combinação de private equity com o setor social.” Tratava-se de avaliar as pessoas, a organização, a governança, montar um plano de negócios e dar apoio e assistência técnica às organizações sociais. Para realizar esse trabalho todo, a Impetus procurava profissionais do mercado para fazer trabalho gratuito.

Nos nove anos em que ficou lá, a Impetus saltou de três funcionários para 45. As doações a ONGs passaram de 1 milhão de libras para mais de

11 milhões (cerca de R$ 60 milhões). Daniela também coordenou duas parcerias com o governo britânico: um fundo de 135 milhões de libras para a educação e outro de 20 milhões de libras na área de saúde. “Tínhamos mais de 400 voluntários listados no nosso sistema.” A vantagem do voluntariado com a Impetus era que as pessoas eram escaladas para atuar em sua área de especialidade – com ganho de eficiência e prazos bem definidos de trabalho.

Em 2008, Daniela foi eleita para a lista das 100 pessoas que tornam o Reino Unido melhor, uma “Happy List” (lista feliz) criada pelo jornal The Independent.

A Impetus teve uma trajetória tão ascendente que inspirou a criação de organizações parecidas – e elas acabavam disputando as mesmas verbas. Em 2013, Daniela liderou a fusão da Impetus com a Private Equity Foundation. “Eu me tornei CEO da instituição combinada e liderei o processo, que é muito raro no terceiro setor e tão difícil quanto qualquer fusão.”

O processo de combinação das duas ONGs demorou dois anos. Depois disso, ela achou que não tinha muito mais a fazer. “Eu podia ficar lá mais uns cinco anos, mas as conquistas iam ser pequenas em relação ao que eu já tinha alcançado”, diz. Assim, em 2015 decidiu sair para um ano sabático – sem deixar as atividades de membro do conselho ou assessora de algumas organizações, inclusive o Insper, cujo conselho é presidido por Claudio Haddad, o mentor que lhe foi destinado pela Fundação Estudar.

As histórias de Daniela Barone e Pedro Henrique de Cristo mostram que não há diferença essencial entre a atuação em um negócio lucrativo e num negócio não lucrativo. Em ambos os casos valem as mesmas diretrizes: busca de eficiência operacional, propósito, cumprimento de metas, trabalho duro. E remuneração compatível para os profissionais. “A pessoa só trabalha bem quando recebe bem”, diz Pedro Henrique. “E aí pode ser cobrada.”

É comum as pessoas pensarem que o trabalho social é feito por idealismo e que, por isso, não precisa ser tão bem pago. O problema é que essa visão leva a encarar o trabalho como um favor, o que impede que ele seja inspecionado, avaliado e corrigido de forma profissional. O

contraponto dessa opinião é que os serviços profissionais bem remunerados não carregam o componente do idealismo. Na visão da Estudar, não há essa distinção. O negócio com fins lucrativos deve ter, em sua base, o idealismo. Deve nascer de um sonho (de preferência grande). E o negócio sem fins lucrativos deve carregar todos os elementos de um trabalho profissional. Idealismo e profissionalismo têm de andar juntos.

CAPÍTULO 23