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Na Fundação Estudar, Henrique e Pedro são conhecidos como “os gêmeos”. Não pela semelhança física: Pedro é moreno, alto, tem 1,81 metro, jeito de garoto de praia, com a fala mansa de alguém que disfarça a inquietude sob uma capa de tranquilidade. Henrique é ainda mais alto, com 1,94 metro, estatura e estrutura de atleta com uma cara infantil, em que os olhos pequeninos chamam a atenção por trás dos óculos. Fala tão rápido que atropela algumas palavras. E a cada duas ou três frases utiliza a expressão “bizarro” – que pode significar algo muito bom, algo muito ruim ou algo muito médio.

São conhecidos como gêmeos porque suas histórias, pelo menos sob a ótica da Fundação Estudar, são bastante similares: ambos começaram a programar ainda crianças, eram ótimos alunos, demonstravam garra para realizar projetos, planejavam estudar fora, receberam intimação judicial por causa de suas atividades… Era natural que, com tantas coincidências, se tornassem grandes amigos ou grandes inimigos. Pedro e Henrique foram as duas coisas.

Eles se conheceram no Twitter, discutindo qual o melhor editor de texto para programar. Pedro dizia que era o Emacs, Henrique defendia o Vim. Para quem não pertence ao mundo da computação, basta saber que os ânimos podem ficar tão exaltados como numa discussão entre corintianos e palmeirenses, flamenguistas e vascaínos ou entre tucanos e petistas. A discussão entre os dois no fórum ficou tão acirrada que eles resolveram tirar as diferenças a viva voz, pelo Skype… e acabaram ficando amigos.

A essa altura, os dois já tinham bastante experiência com programação. Depois do episódio com o game virtual, Henrique mergulhara ainda mais fundo nesse universo. Seu herói era Chuck, o mago da computação de uma série de TV de mesmo nome. Para se tornar um hacker

tão bom quanto o personagem, decidiu que estudaria em Stanford, no Vale do Silício. E começou a pesquisar brasileiros que tinham sido aprovados na universidade americana. “O primeiro garoto que eu achei me incluiu num grupo do Facebook chamado BSCUE, que ajuda brasileiros a estudar fora”, diz. “Até ali, eu me achava assim o gênio da lâmpada, né? Tinha 15 anos, sabia programar, era o melhor aluno da escola… Quando entrei nesse grupo, conheci gente que já tinha feito coisas muito mais legais do que eu.”

Ali Henrique conheceu pessoas mais experientes, inclusive um bolsista da Fundação Estudar, Gabriel Benarrós, de Manaus, que havia se formado em Stanford e estava montando a empresa Ingresse, uma plataforma para ajudar as pessoas a encontrar shows e peças teatrais em sua cidade. Depois parou os estudos para fazer um curso de alemão em Berlim (“Era bizarramente mais barato ir para lá do que pagar meu colégio em São José dos Campos”) – que largou para trabalhar como programador na Alemanha.

Quando voltou, criou com dois amigos um site de apoio a quem quisesse estudar fora; tentou montar um fundo para dar bolsas de estudos para universidades americanas; e participou de uma maratona de programação em Miami, na America’s Venture Capital Conference (AVCC, um seminário de inovação e tecnologia promovido pela Universidade Internacional da Flórida).

Nessa maratona, Henrique e dois amigos – Gustavo Haddad e Anderson Ferminiano – ganharam os primeiros lugares na etapa de programação. Na segunda etapa, uma semana depois, os três apresentaram o projeto de um site de encontros, Ask Me Out, em que as pessoas indicavam em sua rede social os amigos com quem gostariam de sair e, se houvesse coincidência, o programa juntava o casal. Concorrendo com gente formada, de 30 anos em média, os garotos faturaram o primeiro lugar, com um prêmio de US$ 50 mil. Henrique tinha então 16 anos. Tentaram levar o negócio adiante, mas um rival com nome mais chamativo, Bang with Friends (Transa com amigos), ganhou o mercado. E o trio se desfez.

Pedro, por sua vez, havia pulado de estágio em estágio, aprimorando suas habilidades. Antes dos 15 anos, criou um projeto chamado Quasar, que permitia trabalhar com janelas no iPad (para usar mais de um aplicativo ao mesmo tempo). Planejava estudar no MIT. Quando conheceu Henrique, estagiava havia dois anos na M4U, uma empresa que prestava serviços para

a empresa de telecomunicações Cielo. No início de 2013 largou o serviço para fundar com ele a Pagar.me, uma empresa de pagamento eletrônico.

Foi um período muito tumultuado. Pedro cursava o terceiro ano do ensino médio, participava dos processos de seleção para estudar nos Estados Unidos e trilhava a íngreme curva de aprendizado para montar uma empresa – não só a burocracia, mas a busca por investimento, a procura de contatos no mundo financeiro e, é lógico, a criação de um software que lhes permitisse competir no mercado. E mais um detalhe: ele morava no Rio, a empresa era em São Paulo.

Henrique tinha uma rotina tão corrida quanto a de Pedro. No último ano do ensino médio, conheceu a educadora Nuricel Aguilera, que mantinha a ONG Alpha Lumen, para impulsionar alunos talentosos; então matriculou-se na escola pública onde ela lecionava, em São José dos Campos, e passou a dar aulas extras de computação, matemática e outras matérias; também entrou nos processos de seleção para universidades estrangeiras; ajudava a desenvolver o software da Pagar.me; e tinha uma namorada, dos tempos do antigo colégio. “Ela foi meu ponto de realidade”, conta. “Eu só convivia com gente muito inteligente, comecei a ficar mega- arrogante, sabe? Ela me dizia: ‘Calma, pé no chão, você ainda não é o Mark Zuckerberg.’”)

Em 2014, a empresa dos “gêmeos” estava em plena atividade. Os garotos haviam participado de uma competição em Harvard, em um evento para o setor de pagamentos, e ganharam o prêmio de empresa mais inovadora do mundo. “Ganhamos US$ 25 mil”, conta Henrique. “Mas o mais legal foi que o PayPal ficou em segundo lugar, atrás da gente.” Para iniciar as operações, contaram com um aporte de R$ 1 milhão – de André Street, sócio fundador da Arpex Capital, e outros investidores. Tinham uma dúzia de empregados. No ano seguinte, 2015, previam que seus cerca de 400 clientes iriam movimentar algo em torno de R$ 500 milhões em transações eletrônicas.

O sucesso, porém, se tornou um obstáculo aos planos de estudar nos Estados Unidos. Os dois se tornaram bolsistas da Fundação Estudar em 2014 e ambos passaram para Stanford (Henrique convenceu Pedro de que a universidade era mais apropriada para eles do que o MIT, assim como também o convenceu de que o editor Vim era melhor que o Emacs). “Lembro muito bem”, diz Pedro, “na hora que saiu o resultado de que eu

tinha passado para Stanford a gente estava em Palo Alto, pertinho do campus, conversando com o David Marcus, então executivo-chefe do PayPal.” Eram duas possibilidades em conflito: estudar fora e se aprimorar ou desenvolver o negócio.

Pedro e Henrique decidiram adiar por um ano o embarque para Stanford. Tinham nas mãos uma empresa promissora, já lucrativa, com 50 funcionários, crescendo a uma média de dois dígitos por mês. Com 18 e 19 anos, encararam o desafio de montar um plano de sucessão e fazer a empresa funcionar sem eles, para, enfim, estudar em uma das melhores universidades do mundo e beber da mesma fonte que os maiores empreendedores da atualidade.

A PRESSA É INIMIGA… DO QUÊ, MESMO?

“Para realizar algo grande, são necessárias duas coisas: um plano e não ter tempo suficiente.”

Essa frase, normalmente atribuída ao maestro e compositor americano Leonard Bernstein, consta também de uma coleção de “pílulas de sabedoria” da década de 1940. O que ela frisa é a importância de ter senso de urgência. Quem tem tempo demais acaba procrastinando, se perdendo entre várias tarefas que não são prioridade. Outra dessas “pílulas de sabedoria”, que consta de um dicionário de citações de 1899, é: “Se você quer que um trabalho seja feito, peça a alguém que já está totalmente ocupado.” Nesse sentido, a pressa não é inimiga da perfeição. A perfeição é que é apenas uma desculpa usada por quem não tem pressa de nada.

A pressa, em si, não é especialmente importante para a cultura da Fundação Estudar. Mas ela é, muitas vezes, sintoma da vontade de realização – e essa, sim, é extremamente valorizada.

Já virou lugar-comum dizer que os jovens da Geração Y são impacientes, acham que têm direito a uma ascensão meteórica, muitas vezes pulando etapas. O estereótipo não surgiu à toa. Mas há uma grande diferença entre os que querem uma recompensa maior porque acham que o mundo lhes deve algo e os que querem mais responsabilidade porque acreditam que podem fazer mais do que o que lhes está sendo pedido. É esse segundo tipo de disposição que a Fundação Estudar tem interesse em fomentar.

CAPÍTULO 14