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“Na primeira reunião que tive com os fundadores da Estudar, fui toda formal: cabelo arrumado para trás preso com lacinho, terno azul-marinho. Cheguei lá e os três estavam com os pés na mesa, comendo bananas desidratadas de um tupperware. Fiquei com a impressão de que queriam mesmo me chocar.”

A

informalidade pode ter sido um choque para Ilona Becskeházy, mas ela era a pessoa certa para estar à frente da segunda fase da Fundação Estudar. Depois de trabalhar por quatro anos em um banco de investimentos americano, estava à procura de uma ocupação que lhe permitisse voltar a exercer as atividades voluntárias que sempre fizeram parte de sua vida. Nesse momento, foi abordada por Guilherme Dale, um headhunter encarregado de encontrar alguém para substituir Aik Brandão no comando da Estudar. Ao checar as credenciais de Ilona, ouviu que se tratava de uma profissional dedicada e trabalhadora.

O Banco Garantia estava se mudando para São Paulo, a Brahma mudava sua sede para São Paulo… e a Fundação Estudar teria de ir também. Naquela primeira reunião na sede do Garantia, ainda no Rio, Ilona foi sabatinada por Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira, Marcel Telles e Claudio Haddad (um dos sócios do trio no banco, hoje presidente do conselho do Insper). Ela se lembra da definição que Marcel deu à Fundação Estudar: “Isto aqui é um clube!”

Quando conheceu o perfil dos bolsistas, Ilona entendeu o que ele queria dizer. Naquela época, a maioria dos candidatos era carioca, de classe média alta, estudara em escolas de prestígio e em boas faculdades – o tipo de gente que tinha formação e informação suficientes

para pleitear vagas em universidades do exterior. Sua missão era mudar isso. Por três motivos: o trio queria que a Fundação Estudar fosse mais independente e não estivesse atrelada à sua imagem; a mudança para São Paulo permitiria pôr fim ao bairrismo e ampliaria o alcance geográfico; e eles desejavam expandir sua atuação.

Não era pouco trabalho. Por vários anos, Ilona foi sozinha a “equipe” da Estudar, porque “não contratar ninguém era quase uma religião”. A estrutura enxuta combinava com o seu perfil workaholic, “maluca mesmo”. E tinha muita afinidade com a forma de pensar de Lemann: “Custo é que nem unha – tem de cortar toda semana.”

Para divulgar o programa de bolsas, Ilona telefonou para o jornal Folha de S.Paulo. “A

Folha deu uma notinha e colocou o telefone, com o meu ramal. Eu me lembro de pegar o

telefone e ouvir a secretária eletrônica: ‘You have 120 messages’.” As novas ambições da Fundação Estudar exigiam uma nova forma de organização. O processo de entrevistas, por exemplo, não poderia continuar sendo tão subjetivo e realizado por tão pouca gente.

Ilona começou a organizar um grupo de ex-bolsistas que ajudaria nas entrevistas dos candidatos. Também deu os primeiros passos na formalização do programa. “Era preciso institucionalizar. Não podíamos ficar naquela conversa mole de ‘Gostei do fulano porque ele tem brilho nos olhos’, isso é muito subjetivo”, conta. “Tive que estudar bastante para compreender processos de seleção.” Ela também contribuiu para “civilizar” as perguntas, que costumavam ser diretas e às vezes até um pouco agressivas. “Aquilo podia ser engraçado na hora, mas era deletério para a imagem de uma instituição séria.” O processo precisava ficar mais impessoal, mais robusto, mais burocrático.

Também foi por essa época que os candidatos começaram a participar de dinâmicas de grupo. “Quando o número de bolsas para graduação aumentou, passou a vir muito mais gente, e os candidatos eram mais imaturos, com muito menos história para contar”, diz Ilona. “Era preciso fazer dinâmicas de grupo para julgar.”

Com o tempo, Ilona até conseguiu um assistente… mas recebeu mais trabalho. Em 1999, Marcel criou o Ismart, que funcionava na mesma sala da Estudar, junto do Garantia – e que também era dirigido por ela.

Em 2001, Jorge Paulo a chamou em sua sala. “Ilona, você já anda tomando dinheiro do Marcel… Você não quer trabalhar para mim também, na minha fundação?” E assim Ilona passou a acumular a direção da Fundação Lemann, criada para apoiar projetos inovadores em educação.

Mesmo com todas as mudanças, a Fundação Estudar manteve seu espírito de clube. Só que um clube maior. Nas primeiras reuniões de bolsistas, ainda na sede do banco, a turma sentava em cima das mesas. Conforme o número de “associados” foi aumentando, eles passaram a sentar no chão. “Como o mobiliário do escritório era todo modulado, a gente tinha de desmontar umas divisórias para caber todo mundo”, diz Ilona. Quando nem isso mais era suficiente, passaram a alugar salas de conferência em hotéis.

Uma das grandes forças da Estudar é esse espírito. Sob vários aspectos, a Fundação Estudar é uma espécie de fraternidade, nos moldes das organizações estudantis das universidades americanas: seus membros se identificam com ela para a vida inteira e formam laços centrados no estudo e na convivência.

Em geral, essas fraternidades são conhecidas por um conjunto de letras gregas, iniciais do lema que codifica seus valores – uma tradição iniciada em 1776, no College of William and Mary, uma universidade no estado da Virgínia. A Fundação Estudar não tem um lema. Mas alguns de seus princípios fundamentais têm a ver com o simbolismo de cinco letras gregas: • Alfa, a primeira letra do alfabeto grego, é o símbolo de liderança e excelência. Se fosse necessário definir a cultura da Estudar com apenas uma característica, seria a busca da

excelência. Tem muito a ver com um conceito do guru de gestão Peter Drucker, adotado com extremo sucesso na GE pelo executivo Jack Welch. O preceito de Drucker era: seja o primeiro ou o segundo melhor naquilo que faz. Se não conseguir, mude de mercado. É claro que você não deve se importar com a competitividade em todas as áreas da vida. Mas, naquelas poucas que escolher, tem que se destacar. Tem que elevar a barra.Tem que liderar. Tem que ter um nicho no qual sua atividade faça diferença.

• Delta é a inicial da palavra diaphorá, que significa diferença. Tornou-se por isso o símbolo matemático que expressa a mudança (quanto se caminhou do estado inicial até chegar ao estado final). Na Fundação Estudar, esse conceito é traduzido para o campo das conquistas pessoais: ter um delta alto indica que a pessoa caminhou muito mais do que se esperava, dadas as suas condições iniciais. O objetivo é cumprir a trajetória mais longa possível – que se concretiza através de valores como obstinação, estudo, disposição de pedir e aceitar ajuda. • Tau significa trabalho e sigma é o símbolo da somatória, outras duas diretrizes da cultura Estudar. Toda conquista vem pelo trabalho: o preparo individual e sua aplicação num esforço em equipe.

• Ômega, a última letra do alfabeto, representa fim, finalidade. (Na Idade Média, Deus era representado pelas letras alfa e ômega, o princípio e o fim. Ainda se veem pinturas fazendo referência a isso em igrejas modernas.) No caso da Estudar, o fim é o começo de tudo. Toda ação deve ter uma meta, um objetivo, e esse objetivo deve ser ambicioso e provocar impacto: deve ser um sonho grande.

PARTE III