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da tecnologia

“Como assim, você vai se mudar para a China!?”

E

ssa foi a reação mais ouvida pelo mineiro Hugo Barra em setembro

de 2013, quando anunciou que estava indo trabalhar na startup chinesa Xiaomi, uma fabricante de celulares e outros produtos de consumo eletrônicos então com apenas três anos de vida. Era uma reação até natural. Barra, possivelmente o brasileiro mais bem-sucedido do mundo no setor de tecnologia, morava em São Francisco, na Califórnia, e era um alto executivo do Google, uma das empresas mais valiosas do planeta. Como vice-presidente e porta-voz da divisão de Android, sua imagem ficou atrelada à expansão do sistema operacional mais disseminado em smartphones e tablets mundo afora. Foi incluído em listas de grandes líderes de negócios em publicações como a revista Wired e o site Business Insider, apontado como um dos “40 abaixo dos 40” anos pela revista Fortune e festejado como um dos brasileiros mais influentes pela revista Época.

De repente, estava trocando todo esse status e conforto por um cargo em uma empresa que, fora da China, era virtualmente desconhecida. Entre os poucos que a acompanhavam, a maioria ridicularizava sua ânsia de copiar a Apple, inclusive com seu fundador e CEO, Lei Jun, fazendo apresentações de produtos imitando Steve Jobs.

“Era uma mudança radical, as pessoas se assustaram”, lembra. “Mas, engraçado, todo mundo com quem eu falei da Fundação Estudar naquela época teve uma reação oposta.” Nessas conversas, a resposta era alguma variação de: “Uau! Puxa, Hugo, eu queria estar no seu lugar.”

Essa reação diz muito sobre a Fundação Estudar. Formada por gente com propensão a assumir riscos e ousadia para buscar coisas novas, a fundação seleciona jovens também com essas características. Não se trata de aceitar qualquer risco nem de correr atrás de qualquer novidade, é claro. Mas o fato de buscar o movimento é valorizado. Por dois motivos. Primeiro, porque o risco é inerente à vida. Todo investimento, por definição, implica a possibilidade de erro e perda – e nós investimos o tempo todo, seja na carreira à qual dedicaremos esforços, no parceiro romântico com quem nos envolvemos, nas experiências em que decidimos mergulhar… Ficar parado não é fugir do risco, é transferir a responsabilidade da escolha e da ação para os outros, o que pode se tornar um risco ainda maior. (Como escreveu Platão, há quase dois milênios e meio: “O preço que os homens de bem pagam pela indiferença aos assuntos políticos é ser governados pelos maus.”)

O segundo motivo é que, como disse Peter Thiel, cofundador do PayPal e da Palantir e um dos primeiros investidores do Facebook e do LinkedIn: “O pensamento brilhante é raro, mas a coragem é ainda mais rara do que a genialidade.” E a coragem é uma característica que prevê com maior índice de acertos quem vai realizar algo extraordinário.

Pessoas que têm a ambição de causar impacto ou, nas já abusadas palavras de Steve Jobs, deixar uma marca no universo, sofrem de uma inquietude permanente. Essa comichão de buscar o novo, de pensar sempre no próximo passo, é um impulso não apenas para realizar algo, mas para realizar o máximo que o seu potencial permitir.

“Quando eu falava com alguém da Fundação Estudar, a pessoa entendia na hora por que eu fiz a troca”, diz Barra. “A ideia é buscar o maior desafio que você pode assumir. Se você é apaixonado por desafios, se gosta de enfrentar situações cabeludas, é exatamente isso que você faz: se muda para a China, para uma empresa em que você é o único estrangeiro, mas uma empresa que tem um potencial fantástico, uma ambição global e uma probabilidade de sucesso impressionante.”

A história pregressa de Barra já demonstrava essa inquietude. Mineiro de Belo Horizonte, ele foi estudar ciência da computação no Massachusetts Institute of Technology (MIT). No primeiro ano de faculdade, conheceu a Fundação Estudar e pediu uma bolsa, que ganhou para o ano seguinte, 1997. (“Foi um alívio”, conta. “Não estava fácil arcar com os custos da universidade.”)

Quando se formou, em 2000, Barra e alguns colegas abriram a LOBBY7, empresa de tecnologia especializada em software de reconhecimento de voz para smartphones. A startup foi comprada pela ScanSoft (que depois virou Nuance), onde ele continuou atuando como executivo durante cinco anos, até ser transferido para o Google. Passou três anos em Londres e outros três na Califórnia, em cargos cada vez mais altos. Foi um dos executivos com trajetória de promoção mais rápida da história do Google, indo de gerente de produtos a vice-presidente em pouco mais de quatro anos. Quando parecia estabelecido – talvez por isso mesmo –, aceitou a proposta da Xiaomi.

A aposta de se mudar para a China se pagou em pouco tempo. Em 2014, a Xiaomi se tornou a terceira maior produtora de celulares, atrás apenas da Samsung e da Apple. Naquele ano, após uma rodada de financiamentos que atraiu investidores como o barão da tecnologia russa Yuri Milner, a empresa passou a ser avaliada em US$ 46 bilhões, tornando- se a segunda startup mais valiosa do planeta (atrás apenas do Uber). Sob o comando de Barra, vice-presidente responsável pelos negócios globais da empresa, a Xiaomi expandiu suas operações para Índia, Indonésia e Brasil, e no início de 2016 revelou planos de conquistar mercados na África e entrar na briga nos Estados Unidos e na Europa.

A estratégia da Xiaomi incluía lançar toda semana uma versão aprimorada de seu sistema operacional (baseado no Android), muitas vezes incorporando sugestões dos consumidores. Todo esse dinamismo tinha seu custo: Barra cumpria jornadas de até 15 horas para dar conta de gerir equipes em praticamente todos os fusos horários. Até sair da Xiaomi, no início de 2017, acreditava que a expansão do Android, que “permitiu a popularização da internet e dos smartphones”, era algo difícil de ser superado, mas que os planos da empresa incluíam “mudar a cara do mercado de telefonia celular, especialmente em países como o Brasil”.