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“Se fosse este ano, eu não passava.”

A

frase é dita, em algum momento da entrevista, por quase todos os bolsistas da Fundação Estudar. Desde o primeiro deles, João Castro Neves, da turma de 1991, até quem foi aprovado há bem pouco tempo, como Wildiner Batista, de 2012. “No meu ano foram 6 mil candidatos, agora são 60 mil”, diz ele.

Não é só a quantidade de candidatos que torna o funil mais apertado. As qualidades que eles devem demonstrar mudaram. Isso tem a ver com a evolução da própria Fundação Estudar – e do país. “A barra está subindo”, diz Claudio Andrade, bolsista de 1993. “Mas eu acho que o mundo também está mudando, e o que era um candidato diferenciado há 20 anos significa outra coisa hoje.”

É um mérito da Fundação Estudar ter conseguido acompanhar a mudança dos tempos. No início da década de 1990, quando foi criada, o ambiente de negócios no Brasil era bem menos sofisticado. O país havia saído da ditadura militar poucos anos antes e seu mercado era fechado e protegido, de pouca inovação. Quase nenhum brasileiro fazia especialização em negócios. Por isso, a formação obtida em um MBA no exterior tinha um potencial de impacto enorme no mercado brasileiro.

Com o tempo, porém, nossa cultura empresarial evoluiu – tanto pelo sucesso de empresas com perfil mais profissional, que se tornaram modelos a ser repetidos, quanto pela abertura do mercado ao mundo, que expôs os empresários às práticas mais modernas de gestão. O aumento do número de executivos que tiveram experiência no exterior – uma tendência para a qual a Fundação Estudar contribuiu – também ajudou a elevar o patamar de competência dos brasileiros.

Não é que o Brasil de hoje seja um modelo de dinamismo e competitividade. Mas temos vários exemplos de companhias de nível internacional. E, dentre elas, muitas adotam valores

similares àqueles que foram implementados na Fundação Estudar.

Por isso, na virada do milênio o comando da Estudar chegou à conclusão de que o ambiente de negócios estava razoavelmente bem estabelecido. Valia a pena, a partir daquele momento, estimular a excelência também em outros campos. Foi um processo gradual – somente em 2014 passaram a ser aceitos candidatos de qualquer área. “Os primeiros cursos fora da área de negócios a serem apoiados pela Estudar foram políticas públicas e relações internacionais”, conta a americana Elatia Abate, a terceira supervisora da Fundação Estudar.

Formada em ciências políticas pela Universidade de Chicago, Elatia assumiu a diretoria da Estudar em 2003. Ela havia se mudado para o Brasil no ano anterior por causa da situação do mercado americano depois do estouro da bolha das pontocom e dos ataques terroristas de 11 de setembro. Elatia falava espanhol, e em dois meses e meio aprendeu português bem o suficiente para ingressar como voluntária no programa de bolsas da Estudar.

Se desde o início a Fundação Estudar tinha a preocupação de apoiar gente talentosa a cursar universidades de prestígio, coube a Elatia também incorporar iniciativas paralelas de desenvolvimento profissional e networking para alavancar suas carreiras.

Nessa fase, a rede da Estudar se tornou mais densa. “O objetivo final das bolsas é que os estudantes voltem para o Brasil para aplicar o conhecimento adquirido”, afirma Elatia. “Era preciso mostrar a eles que o mercado brasileiro era atrativo o bastante.” Assim, foram criados eventos para aproximar os bolsistas uns dos outros e também de grandes empresas que pudessem absorvê-los. O número de parceiros estratégicos também aumentou, e foi criada uma diretoria formada por ex-bolsistas com o intuito de aumentar sua proximidade com a Estudar.

A guerra dos clones

Quatro anos depois, em 2006, a sucessora de Elatia, Thais Junqueira, teria o desafio de tornar o programa mais conhecido. Naquela altura, a média de inscritos por ano era de 400 pessoas. Era um vestibular difícil, uma média de 10 candidatos por vaga. Mas a Fundação Estudar queria “subir a régua” – expressão até hoje usada nos encontros de bolsistas.

Formada em administração pública na FGV, Thais vinha da Brava, a fundação criada por Beto Sicupira para apoiar projetos de melhoria da gestão pública brasileira. Sua peregrinação por colégios e universidades nas cinco regiões do país durante alguns anos, realizando muitas reuniões com estudantes, pais, professores, diretores e reitores, surtiu efeito. O número de inscritos subiu para 3.500, daí para o dobro e assim por diante. O programa de bolsas passou a contar com etapas locais em dez estados. “Como mais gente começou a participar, o processo seletivo teve de ficar mais refinado”, conta.

A essa altura, outra expressão se tornou comum na Fundação Estudar: “Não queremos clones.” Traduzindo: a Estudar não queria mais jovens com perfil muito certinho, que prometiam repetir a trajetória dos que vieram antes. Causar impacto, hoje, é uma ideia muito ligada à inovação. Busca-se quem queira produzir histórias novas.

A própria visão de mundo dos jovens do novo milênio é outra. “Ninguém mais quer ser o Jack Welch”, diz Ricardo Garcias, um dos ex-bolsistas selecionadores de candidatos. “Hoje eles querem trabalhar numa ONG ou abrir um negócio. Aquela história de entrar numa empresa e fazer carreira já não é mais o sonho de todo mundo.”

Os perfis dos candidatos podem ter se modificado, mas a Fundação Estudar manteve seus requisitos primordiais: notas muito boas, demonstração de compromisso com a excelência e ambição de ir longe, de provocar impacto no país. As histórias que os candidatos são capazes

de contar sobre si mesmos e o delta que apresentam também continuam sendo cruciais – eles mostram o que foi realizado, e a disposição de realizar mais.

A grande mudança aconteceu no processo de seleção. No início, sobressaía o estilo, digamos, não muito politicamente correto das entrevistas. “Você vai gastar meu dinheiro com namoradas?”, perguntou Beto Sicupira a Bernardo Hees, hoje executivo-chefe da Kraft Heinz nos Estados Unidos. “Beto, se sobrar algum, eu acho que vou, sim”, respondeu ele.

Daniela Barone, outra bolsista dos primeiros anos, tem uma lembrança viva desse estilo: “Eu estava sentada bem perto do Beto. Então ele inclinou a cadeira para trás e colocou aquele pezão em cima da mesa, praticamente na minha cara. Era um estilo mais agressivo, mas eu até gostei”, diz ela. “Você sabe onde está pisando. Dava para perceber sinceridade, não existia nenhuma intenção oculta.”

Com o tempo, certos exageros foram “disciplinados” – como o do dia em que Marcel Telles desafiou os candidatos a comprar um Viagra sem receita (eles foram parados antes de chegar ao elevador). Assim como fazem as grandes universidades estrangeiras, a seleção passou a contar com a ajuda de ex-bolsistas para a triagem dos candidatos. A participação de mais gente e a necessidade de comparar avaliações tornou imprescindível explicitar métodos, organizar as perguntas e refletir sobre o que se queria.

Mas as perguntas duras e diretas permanecem. Em muitos momentos, os selecionadores tiram os candidatos da sua zona de conforto, tentando extrair respostas instintivas, diferentes daquelas ensaiadas. “A gente tenta enxergar as reações do candidato em situações de pressão”, diz Beto Sicupira. “Porque na vida vai ser assim.” Especialmente na entrevista final, os candidatos são provocados, às vezes jogados uns contra os outros, para testar também sua competitividade. Um desafio clássico é perguntar para o grupo: “Vocês são quatro, mas nós só podemos dar três bolsas; quem você eliminaria e por quê?” Essa é uma das poucas perguntas que têm resistido ao tempo – porque para ela não adianta estudar, ensaiar, decorar. Não existe resposta certa.

PARTE IV

INVESTIR EM