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2. A GEOGRAFIA E SUA REDE CONCEITUAL

2.2 AS INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS NO

2.2.2 A Geografia crítica: uma visão renovadora

No mundo todo, geógrafos exprimiram suas posturas em relação à Geografia Crítica: “a questão do espaço não pode ser uma resposta filosófica para problemas filosóficos, mas uma resposta calcada na prática social”; “a Geografia é uma prática social em relação à superfície terrestre”; “o espaço é a morada do homem, mas pode ser também a sua prisão”. Eis acima, manifestações de Moraes (1999, p. 116-117) citando frases de David Harvey, Yves Lacoste e Milton Santos.

As mobilizações relacionadas à renovação da Geografia expressavam que ela não se preocupava somente pela influência do meio natural no domínio do social, mas sendo uma ciência que busca refletir sobre as ações estabelecidas pelos homens, compreendendo as interações estabelecidas em sociedade em diferentes contextos espaciais. As análises da sociedade, a partir das relações sociais e de trabalho, e da apropriação humana da natureza para produzir os bens materiais necessários à sua sobrevivência e suas consequências, resultaram de análises que os geógrafos começaram a considerar a partir desse período.

Para o ensino, essa renovação acarretou no desenvolvimento de debates e propostas centradas dentro de uma postura crítica. Vesentini explica:

Essa geografia radical ou crítica coloca-se como ciência social, mas estuda também a natureza como recurso apropriado pelos homens e como uma dimensão da história, da política. No ensino ela se preocupa com a criticidade do educando e não com ‘arrolar fatos’ para que ele memorize. (2008, p. 14).

Nesse sentido, a Geografia escolar necessita refletir as transformações da sociedade para garantir sua importância no currículo. Não pode continuar sendo apenas uma tradição escolar, mas precisa garantir acima de tudo a sua relevância no currículo a fim de manifestar as preocupações que fazem parte de sua estrutura teórica e das inquietações da sociedade. Vesentini (2001, p.15) considera que tanto a educação quanto o ensino possuem duas dimensões que se referem a instrumentos de dominação e de libertação. Segundo ele, o sistema escolar “é funcional e até estratégico para a reprodução da sociedade capitalista ou moderna” (p. 16) e mantém a ideologia do sistema vigente. Como sistema de libertação, ainda conforme o autor, a instituição escola contribui para a constituição da cidadania, “(...) para desenvolver o raciocínio, a criatividade e o pensamento crítico das pessoas, sem os quais não se constrói qualquer projeto de libertação, individual ou coletivo” (VESENTINI, 2001, p. 16). Para Mauri e Valls (2004, p. 343):

[...] na seleção dos conteúdos escolares de ciências sociais intervêm, muito mais que em outras áreas do currículo, os objetivos do projeto cultural, ideológico e político que presidem a educação escolar. A esse respeito, e devido aos desafios postos hoje pela sociedade à educação escolar, é imprescindível proceder a uma reconsideração desses objetivos e do papel que podem desempenhar em sua consecução o ensino e a aprendizagem de determinados conteúdos de ciências sociais.

No mundo atual, algumas questões tornaram-se mundiais, como as questões voltadas à natureza. Os problemas ecológicos e sociais, como a violência, adquiriram um novo significado e despertam os interesses da sociedade como um todo. Dessa forma, a escola deve promover, além do desenvolvimento psíquico dos educandos, a criatividade, a iniciativa individual e o senso crítico em relação às grandes enfermidades do mundo (VESENTINI, 2001, p. 22). Portanto, está evidente que

[...] hoje seja muito mais necessário aprender geografia, compreender o mundo em que vivemos. A globalização afeta a todos atualmente, com maior ou menor intensidade, e não existe mais nenhum lugar ou região que não dependa do mundial, sendo este último mais do que a mera soma dos inúmeros lugares. Mais do que nunca, há hoje uma necessidade imperiosa de conhecer de forma inteligente (não decorando informações e sim compreendendo os processos, as dinâmicas, os potenciais de mudanças, as possibilidades de intervenção) o mundo em que vivemos, desde a escala local até a nacional e a mundial. E isso, afinal de contas, é ensino de geografia (VESENTINI, 92/93, p. 219).

Contudo, as realidades encontradas no cotidiano em sala de aula podem se distinguir pelo desenvolvimento de práticas que, segundo Cavalcanti (2002, p. 66), dividem-se em dois tipos: a tradicional, já instituída, e outra, que se caracteriza por práticas alternativas, reflexo de experiências ancoradas por teorias críticas e por visões construtivistas de ensino.

Em diversos âmbitos educacionais, a denominada Geografia Crítica não está presente ou se aproximou muito pouco de algumas realidades. Como adverte Kaercher (2006, p. 222-223):

Muitas vezes só trocando rótulos e slogans. Mas continuando a produzir verdades cristalizadas e, o que é pior, mantendo a Geografia como algo chato e distante do cotidiano dos alunos. [...] Devemos ensinar mais nossos alunos (e a nós mesmos) a duvidarem do que se ouve e lê, inclusive nos livros e na televisão, para que o aluno perceba que não estamos, quando damos aula, ensinando doutrinas, verdades, mas sim que estamos construindo um conhecimento novo a partir do que já temos (a fala do professor, do aluno, o livro texto, os meios de comunicação, etc). Para tal, a dúvida deve ser um princípio metodológico constante. Nós, professores, precisamos aprender a conviver com a insegurança da dúvida. É preciso também uma outra conduta epistemológica, que renove a base na qual se assenta o conhecimento geográfico. Uma postura mais investigativa. Que reproduza menos generalidades que tanto povoam a Geografia (Geografia como síntese, Geografia como cultura geral etc.).

Diante destes pressupostos, as práticas de muitos professores e o referencial teórico-metodológico de muitos livros didáticos conservam o ensino baseado na descrição e na memorização. Afinal, para alguns professores, torna-se mais cômodo orientar seus alunos apenas a seguir os conteúdos programados pelos livros, ou apresentados nos livros didáticos memorizando as informações e os dados e realizando os exercícios de fixação ao invés de orientá-los a refletir, exprimir suas concepções, comparar, e incentivar a serem autores também de conhecimento. Este modelo de ensino-aprendizagem afasta do aluno inúmeras possibilidades de ele ser

participante ativo da construção do conhecimento, pois o reduz a mero receptor de informações.

Para Oliva (p. 44), a introdução da Geografia renovada não deve desprezar o universo linguístico e familiar da Geografia Tradicional – já que é tão presente no cotidiano escolar, mas, partindo dele, pode produzir uma crítica sobre este discurso e introduzir/criar nele novas possibilidades para que os alunos compreendam e participem do mundo no qual estão inseridos. Castrogiovanni (2007, p. 40) diz que:

Não há dúvidas que a geografia crítica colabora para uma leitura mais complexa do espaço geográfico e, porque não dizer, da escola como parte da vida. Ela prioriza paradigmas atuais, como o respeito às diferenças, a valorização das especificidades dos lugares e dos povos, e ressalta a dinâmica preservacionista na relação entre sujeito e natureza.

Desde a constituição da Geografia até a atualidade, muitos discursos e mudanças perpassaram esta ciência. Muitos teóricos defenderam o seu ponto de vista em relação ao uso do conhecimento geográfico. Tais divergências de compreensão refletem-se no ensino. Isso implica dizer que cada vertente apresenta uma determinada concepção acerca de cada um dos muitos temas de interesse da Ciência Geográfica. Tal arcabouço pode ser conhecido em cursos específicos desta área científica ou pela forma pela qual são apresentados e concebidos por profissionais de outras áreas, bem como por meio dos conteúdos a serem ensinados nas escolas. E, além disso, de importância fundamental, pode-se percebê-lo na forma como esses conteúdos são ensinados. Para Oliveira (1998, p. 143-144):

Nos dias de hoje só tem havido lugar para duas grandes vertentes ideológicas no ensino de geografia. Ensinar uma geografia neutra, sem cor e sem odor. Uma geografia que cria desde o início trabalhadores ainda que crianças, ordeiros para o capital, ou ensinar uma geografia crítica, que forme criticamente a criança. Voltada, portanto, para seu desenvolvimento de sua formação como cidadão. Uma geografia preocupada desde cedo com o papel que estas crianças/trabalhadoras terão no futuro deste país. Uma geografia que possibilite às crianças, no processo de amadurecimento físico e intelectual, irem formando/criando um universo crítico que lhes permita se posicionar em relação ao futuro, que lhes permita finalmente construir o futuro.

Diante disso, torna-se oportuno que a disciplina de Geografia se faça presente no currículo escolar e possa contribuir com o desenvolvimento dos educandos em relação às interpretações do espaço geográfico próximo e distante. Além de auxiliá-los a refletir sobre esses mesmos espaços de forma diferenciada, afastando-se da mera descrição, leva-os a pensar e agir em seus contextos

socioespaciais. Sendo assim, as práticas pedagógicas e metodológicas, ao adotarem uma ou outra concepção de ensino de Geografia, direcionarão as reflexões a serem postas no contexto escolar bem como o perfil de estudante e ser humano que os professores e instituições desejam ter em suas aulas e, consequentemente, formar.