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1. O “ESPAÇO MUNDO” NA EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA

1.2 A TEORIA SOCIOCULTURAL E SUA CONTRIBUIÇÃO NO

1.2.2 A Mediação Social e Escolar e as Possibilidades de

O desenvolvimento entre as relações sociais e o pensamento dos indivíduos depende de instrumentos mediadores. A linguagem desempenha um papel importante nesse processo, pois, através de sua apropriação, é possível articular, no ato comunicativo, os signos à dinâmica cultural, permitindo uma expansão conceitual e de constituição do sujeito, já que, ao estabelecer relação com o “outro” ele se constitui como ser social. Essa interação ocorre por meio de relações interpessoais dentro da sociedade e de seus contextos culturais e sua apropriação se dá através da educação e do ensino, por meio de situações mediadas que desencadeiam os processos intrapessoais.

Para Vygotsky, a qualidade das atividades externas, efetivadas por meio da mediação é que permite o encontro para a formação de conceitos científicos, sendo aqueles sistematizados e conduzidos intencionalmente e, em geral, em situações de aprendizagem escolar. “Em suma, as atividades educacionais escolares se diferenciam nitidamente de outros tipos de atividades educacionais pelo fato de se tratarem de atividades especialmente pensadas, planejadas, e executadas com uma intencionalidade educacional” (COLL, 2004, p. 121).

A mediação resulta na aprendizagem, que, para a teoria sociocultural é entendida “[...] como um processo distribuído, interativo, contextual e que é resultado da participação dos alunos em uma comunidade de prática” (CUBERO; LUQUE, 2004, p. 105). Oliveira (1992, p. 26) complementa afirmando que “enquanto sujeito de conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, mas um acesso

mediado, isto é, feito através dos recortes do real operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe”.

Os processos superiores de pensamento são precedidos, desta forma, de um processo de mediação intencional, favorecendo a construção de estruturas cognitivas no indivíduo. Leontiev (2001, p. 73) assegura que:

O conhecimento da criança, isto é, sua interpretação dos fenômenos da realidade, ocorre em conexão com sua atividade. Em cada estágio de seu desenvolvimento, a criança é limitada pelo círculo de suas atividades, o qual, por sua vez, depende da relação principal e da atividade principal, que é precisamente porque esta atividade também caracteriza esse estágio como um todo.

O desenvolvimento de capacidades individuais, relacionadas às práticas escolares, aumenta à medida que aumentam as possibilidades geradoras de sentidos e significados (COLL, 2004). Nesse contexto, aplicada ao ensino, a mediação do professor desempenha um papel de equilíbrio na interação entre os sujeitos e os mecanismos facilitadores da aprendizagem. O processo de ensino- aprendizagem, vital à realidade escolar, tem como ator principal o professor que dá vida ao movimento e permite o desenvolvimento dos educandos, por garantir a relação entre a atividade mental dos mesmos e os conteúdos escolares presentes na constituição social e cultural de que fazem parte. O que distingue a prática mediadora do professor de outras, segundo Coll (2004, p. 121), é a de que por meio de sua função ele pode gerar no educando saberes que são constituídos a partir de atividades e procedimentos voltados a promover o desenvolvimento dos alunos.

Desse modo, as atividades escolares relacionadas ao processo de mediação docente necessitam ser permeadas pelo diálogo, situações variadas de trabalho, pelo confronto de ideias, trocas de informações, estabelecimento de relações, ambientes de descobertas onde estejam presentes aspectos que levem em conta, ainda, questionamentos e resolução de problemas e o envolvimento do professor com sua prática. Nessa perspectiva, quando o professor desenvolve um trabalho pautado em grande parte nessas premissas, ele busca criar relações nas quais ele e seus educandos sejam sujeitos em interação e estabeleçam um diálogo coletivo em um processo dialógico. Luria (2001, p. 101) atenta para que:

Quando uma criança entra na escola, ela não é uma tábula rasa que possa ser moldada pelo professor segundo a forma que ele preferir. Essa placa já contém as marcas daquelas técnicas que a criança usou ao aprender a lidar com os complexos problemas de seu ambiente. Quando uma criança entra

na escola, já está equipada, já possui suas próprias habilidades culturais. Mas este equipamento é primitivo e arcaico; ele não foi forjado pela influência sistemática do ambiente pedagógico, mas pelas próprias tentativas primitivas feitas pela criança para lidar, por si mesma, com tarefas culturais.

Essa afirmação remete à reflexão de que cabe ao professor (mediador) estimular a originalidade intelectual de seu educando (mediado). Também cabe a ele promover a sua autopercepção como sujeito social ativo do processo de construir conhecimento e pensar as possibilidades de intervenção e recriação que favoreçam o desenvolvimento de descoberta de uma autonomia cognitiva e crítica dos alunos.

Vygotsky (1998) chama atenção para o fato de que, para compreender o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem de um aluno, é preciso considerar dois níveis de desenvolvimento: “O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados” (p. 111). Esse nível é marcado pelas estruturas psíquicas do indivíduo e sua capacidade de realizar tarefas de forma independente.

Já o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) relaciona-se aos processos mentais que ainda estão em formação no desenvolvimento da criança. De acordo com Vygotsky (1998, p. 113):

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento, ao invés de ‘frutos’ do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.

Para o mesmo autor, esse nível de desenvolvimento potencial, caracteriza- se pelas capacidades que um sujeito pode desenvolver com o auxílio de pares mais capazes. Nessa fase de desenvolvimento, a mediação da escola, em especial do professor, torna-se imprescindível por promover o despertar de capacidades internas e servir de base para a construção de novas aprendizagens. Nesse mesmo sentido, Hedegaard (1996, p. 359-360) afirma:

Trabalhar em sala de aula com a zona de desenvolvimento proximal implica que a professora esteja consciente dos estágios evolutivos das crianças e que seja capaz de planejar mudanças qualitativas no ensino, direcionando-o

para uma certa meta. Embora cada criança seja única, as crianças obviamente compartilham características comuns. Se fazem parte da mesma tradição, as crianças de uma mesma sala de aula compartilham habilidades e uma parcela de conhecimentos. A instrução pode ser construída sobre essas características comuns, levando em conta que elas apresentam diferentes velocidades e maneiras de aprender. Assim, trabalhamos com zona de desenvolvimento proximal como uma relação entre os passos instrucionais planejados e os passos do processo de aquisição de conhecimentos e aprendizagem das crianças.

A relação entre os educandos, seus colegas e professores por meio da mediação social e de instrumentos semióticos, lúdicos, gráficos, entre outros, permite que cada indivíduo desenvolva sua aprendizagem para níveis cada vez mais potenciais, e, a cada nova apropriação, avance para novas descobertas, interiorizando conhecimentos e ferramentas culturais. Onrubia (2001 p. 125) considera que,

[...] o ensino deve apontar, fundamentalmente, não para aquilo que o aluno já conhece ou faz nem para os componentes que já domina, mas para o que não conhece, não realiza ou não domina suficientemente; ou seja, deve ser constantemente exigente com os alunos e colocá-los diante de situações que os obriguem a envolver-se em um esforço de compreensão e de atuação. Ao mesmo tempo, essa exigência deve ser acompanhada dos apoios e suportes de todo tipo, dos instrumentos tanto intelectuais como emocionais que possibilitem que os alunos superem essas exigências e desafios.

Por intermédio da mediação do outro é possível o educando desenvolver sua aprendizagem. Inicialmente este processo é efetivado, segundo Vygotsky (2000), por meio da imitação, que se constitui em uma das principais formas de aprendizagem no ambiente escolar, pois a criança aprende o que ainda não consegue ou não sabe desempenhar sozinha. Para ele:

A imitação, se concebida em sentido amplo, é a forma principal em que se realiza a influência da aprendizagem para o desenvolvimento. A aprendizagem da fala, a aprendizagem na escola se organiza amplamente com base na imitação. Porque na escola a criança não aprende o que sabe fazer sozinha, mas o que ainda não sabe e lhe vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação. O fundamental na aprendizagem é justamente o fato de que a criança aprende o novo (VYGOTSKY, 2000 p. 331).

Este processo não se constitui uma mera reprodução, mas sim, a reconstrução das capacidades individuais por meio de modelos sociais e escolares. Ao imitar o outro, a criança desencadeia ações que possibilitam novas conquistas

psicológicas internas que estão dentro de sua zona de desenvolvimento proximal. Apesar dos processos de ensino, na maioria dos casos, serem coletivos, os avanços e a tomada de consciência se tornam individuais, de forma progressiva, quando são adquiridas capacidades de resolução, de maneira que os indivíduos possam enfrentar os problemas do seu meio social.

De acordo com Onrubia (2001), é necessária uma flexibilidade por parte do professor, pois o espaço de planejamento não deve ser considerado como algo fixo e estático, mas sim dinâmico. É essencial que a educação escolar possa orientar e influenciar as atividades cognitivas dos indivíduos por meio de ações estruturadas de forma diversificada, para que atendam às características peculiares dos grupos envolvidos e possibilitem o desenvolvimento e a ampliação na zona de desenvolvimento potencial.

Sendo assim, o ato educativo deve sempre orientar-se para os estágios de desenvolvimento ainda não atingidos pelos indivíduos, e, por isso, se faz necessário criar possibilidades futuras de crescimento e de aprendizagens, que ocorrem ao longo do processo de educação e ensino. As situações de ensino devem promover processos constitutivos que possibilitem perceber o novo ao mesmo tempo em que estão inseridos em um contexto social e nele, igualmente, possam atuar.