• Nenhum resultado encontrado

A Geografia em Sala de Aula sob a Percepção das Professoras

3 TRILHAS METODOLÓGICAS

3.2 EM BUSCA DOS DADOS: O CONTATO COM O AMBIENTE ESCOLAR

3.2.5 A Geografia em Sala de Aula sob a Percepção das Professoras

Para compreender a relação estabelecida entre a Geografia e o universo das práticas dos educadores-educandos, buscamos refletir junto às professoras de nossa pesquisa como eram os contextos de ensino-aprendizagem referentes à abordagem dessa disciplina, utilizando os relatos das mesmas.

Levamos em conta que essas educadoras possuíam uma visão de ciência e, por conseguinte, uma visão de mundo e de uma(s) Geografia(s). Essas são decorrentes de diferentes contextos nos quais os conhecimentos e as percepções foram construídas no decorrer das vivências de cada uma. As concepções exteriorizadas pelas educadoras fazem parte do que Tardif (2002) chama de saberes docentes. Segundo o autor, o exercício da docência é mobilizado por diversos tipos de saberes, tais como: saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais.

Esse conjunto de saberes é incorporado à prática docente de forma progressiva. De acordo com Tardif, os saberes da formação profissional são oriundos da transmissão dos conhecimentos definidos e selecionados por instituições universitárias, faculdades e cursos específicos. Já os saberes disciplinares e curriculares se relacionam ao modo nos quais a instituição escolar organiza os saberes sociais e apresenta seus discursos, define objetivos, conteúdos e métodos. Esses saberes, por serem definidos e determinados por grupos produtores de saberes sociais e culturais, são incorporados à prática do professor “[...] através das disciplinas, programas escolares, matérias e conteúdos a serem transmitidos” (TARDIF, 2002, p. 40-41). Dessa forma, os saberes da experiência são construídos à medida que os educadores desenvolvem um habitus, que se traduz “[...] num estilo de ensino, em ‘macetes’ da profissão e até mesmo em frações da ‘personalidade profissional’: eles se manifestam, então, através de um saber-ser e de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano” (TARDIF, 2002, p. 49). O envolvimento de tais saberes constitui o contexto de práticas pedagógicas formados na prática escolar e resultam das práticas provenientes das oportunidades e realidades vivenciadas.

A relação de saberes entre as educadoras e a Geografia pode ser compreendida por meio dos recortes das entrevistas:

[...] Era uma apostila, [...] então, era Ciências, Geografia e História tudo junto. Geografia tinha lá alguns textinhos, uns mapas, tinha uma de orientação, alguns joguinhos, mas era assim, era direto na apostila, direto no caderno. Os conceitos eu tentava fazer como eu entrei. Pra mim, eu estava toda perdida, eu tentava fazer assim alguma coisa com maquete ou, por exemplo, assim, quando eu trabalhava com mapas, eles tinham uma dificuldade. Então eu pegava a fita colorida, mostrava a eles. Não entendiam a distância. Eu meu senti perdida pra trabalhar com eles por isso que eu fiquei bem feliz esse ano aqui que tu vai ajudar porque eu não tinha quem me ajudasse eu não sei se eu estou te respondendo mas assim era

mais assim o tradicional chegava lá dava o conceito, o conteúdo, fazia as perguntinhas [...] (P1).

A professora relata a forma tradicional na qual desenvolvia suas aulas quando abordava a disciplina de Geografia. Entretanto, esse modo como atua é resquício da forma como essa disciplina ainda é tratada nos cursos de formação e por muitos manuais pedagógicos que ainda circulam pelos contextos educacionais. Porém, essa forma de conceber e ensinar Geografia opera-se de maneira desconexa e isolada do mundo da vida.

Então, assim, a gente faz registros, mas coisas assim simples, coisas pequenas que eles vão falando e a gente vai colocando no quadro depois registra no caderno, mas assim nada muito extenso porque quando são coisas assim muito extensas tanto pra escrever quanto pra ler eles se cansam, daí já dispersa. Se é uma coisa muito extensa pra eles lerem um texto que eles mesmos escrevam quando eles vão ler eles se perdem, chega na metade eles já não lembram mais muito do início. Então tem que ter muito cuidado ainda nesse ano [...]: registros pequenos, mas bem significativos, textos e histórias pequenas bem significativas, bastante coisa assim visual, porque o que eles veem eles lembram muito. Então, por exemplo, o que acontece, geralmente, a gente trabalha assim todo o conteúdo lá vamos supor da História e da Geografia tudo o que a gente mostra pra eles com gravuras, com videozinhos, quando a gente faz o passeio, a maior parte das coisas que eles lembram é o que eles viram [...] sabe, mas as coisas assim que exigem ler e gravar dados é assim mais difícil. Não que eles não consigam, eles conseguem, mas com pouco mais de dificuldade. Então, assim, a gente procura fazer assim ou uma história quando a gente trabalhou o bairro os tipos de bairro e tal. A gente passeou aqui pelo bairro da escola foi até um pouquinho do início do outro bairro e foi vendo assim as diferenças. A gente voltou pra sala e viu que, às vezes, eles levam o caderninho, vão anotando aquilo que eles veem, aí voltam pra escola, falam aquilo que observou como que observou porque chamou mais atenção uma coisa e não outra, aí faz um registro coletivo, deixa registrado no caderno, mas, se tu for ver, são coisas bem curtas (P2).

Diante do que foi exposto até aqui, fica sinalizado que a Geografia planejada na escola perpassa uma organização cristalizada em modelos passados que não conseguiram alcançar as mudanças decorrentes das necessidades impostas pelos contextos atuais. Da mesma forma, o planejamento e as formas de abordar essa disciplina refletem a posição secundária em que a Geografia ainda hoje vem sendo ensinada nas escolas. Percebe-se, muitas vezes, que trabalhos planejados com o intuito de serem de cunho geográfico acabam sendo desenvolvidos com pouca profundidade com a demonstração de alguns mapas, memorização de dados, alguns nomes referentes aos espaços a serem identificados. De qualquer maneira, a relação entre o que se busca ensinar distancia-se dos conhecimentos trazidos pelos

educandos e os contextos presentes no mundo que nos cerca. Isso em grande parte é resultado ainda da insuficiência na formação inicial e continuada que os educadores obtêm das instituições formadoras. O predomínio desse modelo faz com que as educadoras revelam um desejo de romper com essa nítida estrutura que permanece na prática, uma vez que a teoria ainda encontra-se distante de suas salas de aula.

[...] está complicado, assim, bem sinceramente, bem confuso na nossa cabeça como trabalhar Geografia esse ano mesmo sabendo agora, porque até então Geografia pra nós era só esses conteúdos assim e não é tudo o que está ao nosso redor, mesmo sabendo assim que Geografia é basicamente tudo o que está ao nosso redor está complicado a gente está bem perdida, essa é a nossa realidade (P2).

Nesse sentido, a gestão da escola e da sala de aula em relação ao ensinar e ao aprender necessita de novos saberes a serem construídos a partir de processos investigativos que levem em conta diversos saberes que visem a objetivar práticas e aprendizagens significativas, definindo, assim, objetivos e adequações curriculares para a prática docente. Ao mesmo tempo, acaba respondendo demandas culturais em relação aos sujeitos que se almeja e necessita para estarem atuando na sociedade atual.

Hoje se exige um ensino voltado para a compreensão da dinamicidade dos territórios globais que se entrecruzam com os espaços locais, o que, necessariamente, supõe a abordagem de diversos conhecimentos entre eles os geográficos. A tomada de novos conhecimentos pelos educadores faz com que os educandos se defrontem com um novo corpo de dados e informações que poderão servir para as conexões que eles irão estabelecer nas percepções que possuem do mundo, e, ao mesmo tempo, irão lhes possibilitar constituir novos significados e avançar em seus processos cognitivos de compreensão e estabelecimento de relações com o seu mundo, bem como com todas as outras informações equivalentes. Nesse sentido, “se aceitarmos que tudo aquilo que é suscetível de ser aprendido pode ser considerado conteúdo de aprendizagem, podemos concluir que as intenções ou propósitos educativos manifestam-se na importância atribuída a cada um dos possíveis conteúdos educativos” (Zabala, 2001, p. 161).

O ensino de Geografia ainda hoje tem a predominância de um padrão informativo somente com dados quantitativos, distanciado do estabelecimento com diferentes saberes, mas como parte integrante do processo educacional.