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3 TRILHAS METODOLÓGICAS

4.2 A RELAÇÃO ENTRE O MEIO E OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS

4.2.5 As Paisagens Transformadas pelas Mãos Humanas

O espaço urbano de uma cidade revela a relação existente entre o homem e a natureza. Sendo mais que uma relação, o urbano passa a ser produzido pela ação humana sobre o meio natural, o qual resulta na sua transformação, pois as relações culturais, econômicas e políticas são provocadas por processos e mudanças contínuas. Santos (2004, p. 214) afirma que:

Nos dias de hoje raramente se encontram sobre a face da terra áreas que ainda possam ser consideradas como remanescentes da natureza bruta, natural. O que aparece aos nossos olhos como natureza não é mais a natureza primeira, já é uma natureza segunda, isto é, a natureza selvagem

modificada pelo trabalho do homem. Isto é fácil de constatar numa cidade ou numa zona agrícola e é menos perceptível em certas áreas onde as modificações impostas pelo homem são menos visíveis.

O homem imprime ao meio natural sua marca e a de seus projetos e avanços. A interação estabelecida do homem com o meio natural incorpora os processos de trabalho estabelecidos ao longo da história. Segundo Callai (2003b, p. 96), o homem tem subordinado cada vez mais a natureza devido às crescentes inovações tecnológicas que possibilitam em pouco tempo ligar espaços por meio de rodovias, introduzir edificações, alterar o curso de recursos hídricos, entre outros.

Nesse sentido, foi possível levar os educandos a refletirem sobre a produção do espaço e da paisagem. Inicialmente, as crianças foram levadas a estabelecer essa compreensão partindo de reflexões e utilizando de novo o mapa de Caxias do Sul e as representações de suas casas dispostas sobre o mapa:

a) A casa de vocês está sobre um terreno reto como aqui no mapa? b) E como será que é o terreno da escola? Vamos lá fora para ver? c) E então, o que vocês perceberam?

d) O terreno é todo igual?

e) Qual é a diferença entre o terreno onde está o prédio novo e o antigo da escola?

f) Quem modificou aquele terreno para que a escola fosse construída?

g) O que o homem faz com a superfície dos terrenos para construir casas, lojas, estradas, plantações...?

Ao mesmo tempo em que a atividade levou-os a perceber as modificações que o homem exerce sobre o espaço natural para estabelecerem sua ocupação, possibilitou às educadoras a abordagem de questões referentes ao relevo da cidade. Partiram da percepção dos alunos sobre a superfície que comporta a casa onde moram e a escola que frequentam. A partir das observações sobre o terreno onde estava situada a escola, os alunos deveriam observar a forma do terreno onde estava situada a casa de cada um e buscar representá-lo com massinha de modelar. A representação das casas de cada um foi fixada para que todos pudessem observar e perceber a forma que o espaço toma partindo, principalmente, da interferência humana sobre ele, para estabelecer a sua ocupação.

As atividades e as reflexões buscaram situar o homem nesse processo, sem se ater à memorização de nomes e formas do relevo. Não apresentaram esses aspectos físicos desvinculados das transformações sociais, como sendo algo estático, mas sim dinâmico, dos quais fazem parte homem e natureza, em uma relação de uso, existência e apropriação, que é, ao mesmo tempo, contraditória e dialética, e que configura, por sua vez, o tecido urbano e a sua organização. A relação entre a ocupação das suas casas e da escola sobre um espaço que possui variadas formas de constituição do relevo os leva, por meio da mediação das educadoras, ao reconhecimento de tais aspectos. Vygotsky (2000, p. 157) afirma que somente a “[...] memorização de palavras e a sua associação com os objetos não leva, por si só, à formação de conceitos; para que o processo se inicie, deve surgir um problema que só possa ser resolvido pela formação de novos conceitos”.

a) O homem modifica as paisagens, mas será que ele se preocupa com o meio ambiente?

b) O que está acontecendo com a natureza nos últimos anos? c) Que importância tem a natureza para nós?

d) Que consequências essa interferência do homem pode trazer para nós? E para os animais?

e) De que forma podemos perceber a natureza em nossa cidade? Onde ela está presente?

Inserida no currículo escolar, a problemática ambiental tem se tornado um tema importante, pois revela as formas como o homem tem estabelecido a sua sobrevivência. Os temas ambientais passam a ser temas além do local, uma vez que iniciam em um determinado lugar e se tornam globais. Cada lugar participa dessa problemática, que se relaciona com outros lugares. O espaço contém inúmeros problemas que são encontrados nas nossas casas, nos parques, nas ruas, nas escolas e em todos os lugares que frequentamos, pois o homem imprime no espaço mudanças por meio de seu trabalho e de seus projetos.

Os educandos, enquanto cidadãos, deveriam estar envolvidos nos acontecimentos e preocupar-se com esta temática22, que deve ser discutida na

escola e em sociedade.

Levar continuamente o aluno a interpretar o espaço onde vive, identificando suas características, peculiaridades e os problemas decorrentes da ação humana é preparar o aluno para o que Callai denomina de “olhar espacial”. Para ela,

O olhar espacial supõe desencadear o estudo de determinada realidade social verificando as marcas inscritas nesse espaço. O modo como se distribuem os fenômenos e a disposição espacial que assumem representam muitas questões, que por não serem visíveis tem que ser descortinadas, analisadas através daquilo que a organização espacial está mostrando (2003a, p. 94).

As reflexões estabelecidas pelas educadoras a partir das representações feitas pelos educandos sobre diversos aspectos de Caxias do Sul, como a casa, o bairro, as paisagens identificadas no trajeto percorrido pelo passeio, as fábricas, etc; a pesquisa-ação estabeleceu a compreensão sobre a organização e produção do espaço de Caxias do Sul e suas transformações.

As professoras procuraram unir as atividades desenvolvidas no projeto à disciplina de História, a fim de desencadearem atividades voltadas à imigração italiana em Caxias do Sul e às transformações provocadas na atual constituição do município.

a) A representação da nossa cidade no mapa está pronta, mas será que ela sempre foi assim?

b) Será que um dia ela foi diferente? c) Que tipo de mudanças aconteceram? d) Quem provocou essas mudanças? e) Por que aconteceram essas mudanças?

Inicialmente foram apresentadas aos alunos imagens da Praça Dante Alighieri e da Catedral em diferentes épocas, a fim de identificar as modificações que sofreram ao longo do tempo.

      

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As atividades referentes à problemática ambiental e inseridas no projeto das educadoras não foram totalmente contempladas devido à falta de tempo. Isso foi justificado pelas educadoras, que também mencionaram que esse tipo de trabalho já vinha sendo amplamente feito na instituição.

Ilustração 29 – Imagem da Catedral Diocesana de Caxias do Sul, 1912. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Fotógrafo não identificado.

Ilustração 30 – Imagem da Catedral Diocesana de Caxias do Sul e Praça Dante Alighieri, 1929. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Fotógrafo não identificado.

Ilustração 31 – Imagem da Catedral Diocesana de Caxias do Sul e Praça Dante Alighieri, por volta de 1960.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Fotógrafo não identificado

Ilustração 32 – Imagem da Catedral Diocesana de Caxias do Sul e Praça Dante Alighieri, década de 2000. Foto: Porthus Junior.

As imagens representam as mudanças provocadas pelo homem e sua ação social no processo de construção desse espaço. Reconhecer a evolução e a transformação de uma paisagem é reconhecer a dinâmica com a qual o homem modifica o espaço. Para Callai (2003a, p. 99), “a dimensão histórica na análise geográfica favorece a percepção dos significados de cada lugar para além das aparências e encaminha à compreensão da realidade espacial como resultado de processos sociais da humanidade”.

Na mesma proposta de atividades, foram apresentadas aos alunos duas imagens da principal rua da cidade, a Avenida Júlio de Castilhos, em épocas distintas. A intenção desse ato foi fazer com que os alunos percebessem as modificações do lugar e efetuassem seus questionamentos e possíveis respostas:

Ilustração 33 – Imagem da Avenida Júlio de Castilhos entre 1875-1900. Fonte: Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Fotógrafo não identificado

Ilustração 34 – Imagem da Avenida Júlio de Castilhos nos dias atuais. Foto: Disponível em:

http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,2683152,1223,13308,impressa.html

a) Você percebeu alguma diferença nessas fotos? Qual (is)? b) Por que essas paisagens foram transformadas?

c) Quem transformou?

d) Quem eram essas pessoas?

e) Será que todas as pessoas que moram em Caxias, nos nossos bairros nasceram aqui?

f) De onde elas vieram?

As indagações levaram os estudantes a reconhecer que, além daqueles que construíram a cidade, eles também são sujeitos sócio-históricos da cidade e possíveis produtores do lugar em que vivem.

As pessoas que compreendem noções que permitem construir e reconstruir o conhecimento sobre o espaço onde vivem podem adquirir noções que permitam atuar na sociedade. Segundo Callai (2003a, p. 99), esse entendimento efetiva-se quando as atividades direcionadas para tais explicações são encaminhadas em constantes movimentos de descrição e de relações que justifiquem os fenômenos de determinada organização.

Voltar a atenção dos alunos para a modificação da paisagem da Avenida Júlio de Castilhos é motivá-los ao reconhecimento das pessoas que atuaram e atuam por meio do trabalho na constituição da cidade. Através um trabalho de entrevista com pessoas de mais idade, os alunos reconheceram a percepção de outros habitantes sobre a cidade e migrantes existentes em Caxias do Sul, os quais participam de sua (trans)formação.

Ilustração 35: Entrevista realizada com uma migrante.

Por meio da entrevista, os alunos puderam confrontar os relatos com os conceitos científicos abordados pelas educadoras. Puderam reconstruir os próprios conceitos confrontando com o vivido e com tudo o que estudaram e tiveram a chance de conhecer, ler, decodificar, interpretar no que se refere à cidade. Ao

estimular os alunos a buscar informações fora do espaço da sala de aula, as educadoras apontaram possíveis caminhos que poderão auxiliar as crianças a buscar outros saberes de pessoas mais experientes e a avançarem em sua compreensão sobre o meio sócio-histórico.

As atividades de Geografia que envolveram uma dimensão histórica de relação entre o passado e o presente da cidade por meio da observação de paisagens e a entrevista com moradores mais antigos possibilitaram o desencadeamento de ações. O tema Imigração Italiana envolveu conteúdos e atividades referentes à chegada dos imigrantes: a cultura trazida por eles, seu modo de vida, o trabalho, as festas, a religiosidade, a culinária, através do passeio de Maria Fumaça, os Caminhos de Pedra e a visita à Epopéia Italiana em municípios vizinhos. Os aspectos evidenciados estão presentes na cidade e na vida de seus habitantes, numa cidade marcada pela chegada desses imigrantes.

A partir de situações concretas de oferecer ao aluno vivências fora do espaço escolar com o que ele estuda em sala de aula, permite que compreenda e entenda o seu espaço de vivência e possa, ao mesmo tempo, reconhecer outros lugares e outras experiências. De acordo com Gebran (1996, p. 183),

Esse processo de fazer o percurso que permite a aquisição do conceito é uma etapa fundamental do processo de aprendizagem. O aluno, ao se envolver num processo de construção e reflexão, através de inúmeras atividades das quais ele participou ativamente, poderá chegar à construção de um conhecimento concreto, a partir da leitura e compreensão de sua própria realidade.

Assim sendo, o processo de ensino-aprendizagem e as atividades voltadas à identificação do município de Caxias do Sul facilitaram a utilização de conceitos geográficos no desenvolvimento de atividades que envolveram o conhecido e o vivenciado pelos alunos, ultrapassando limites fazendo com que houvesse possibilidades de construção de conhecimento e de atribuição de novos significados.