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3 TRILHAS METODOLÓGICAS

4.2 A RELAÇÃO ENTRE O MEIO E OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS

4.2.1 O Encontro dos Educandos com Caxias do Sul

A opção por iniciar a proposta partindo da identificação de Caxias do Sul buscou construir com os educandos a identificação do local, ou seja, do espaço no qual se estava iniciando o delineamento do estudo. A fim de que os estudantes percebessem o município de Caxias do Sul no contexto das escalas espaciais, identificando os limites físicos do mesmo em relação ao mundo, utilizou-se como mobilização inicial o livro infantil “O grupo dos quatro: as crianças do mundo”.

lustração 4 – Capa da obra O grupo dos quatro: as crianças do mundo. Trad. Ivonete Leal Dias. Coleção Radar 32. São Paulo: Scipione, 2004.

O livro narra a história de quatro crianças da mesma faixa etária que vivem em diferentes locais do mundo. É um texto que traz os modos e hábitos com os quais cada uma dessas crianças convive nesses lugares. A escolha de uma narrativa para essa abordagem inicial se deve ao fato de as histórias terem a capacidade lúdica de envolver os leitores e, dependendo da temática, acabam contribuindo para instigar os leitores a perguntas e a problematizações.

Posteriormente, foram estruturados alguns questionamentos a fim de desencadear a discussão e a reflexão:

a) O que mais chamou a sua atenção nessa história?

b) Observando o modo de vida dessas crianças, qual é o mais parecido com o nosso?

c) Você já tinha ouvido o nome de algum desses lugares? d) Você imagina onde ficam esses lugares?

e) Vamos localizar no globo?

f) Esses lugares são distantes de onde moramos?

Ao utilizar como ponto de partida uma história – material apreciado pelas educadoras da pesquisa – para mobilizar os alunos à reflexão de um novo tema de estudo, as educadoras puderam aproximar deles o modo como diferentes crianças convivem em distintas partes do mundo. O olhar para o outro busca desvelar o que ele revela da sua cultura.

A escola faz parte da cultura de um tempo e lugar. Por ela ser um espaço de cultura, congrega hábitos e costumes dos alunos que, por sua vez, revelam a tradição do meio e da sociedade da qual fazem parte (CAVALCANTI, 2002, p. 72). Além disso, a escola leva em conta o repertório cultural da sociedade, possibilitando a aproximação com as diferenças culturais presentes na sociedade. Leva o aluno à identificação do que é diferente do estranho que pode e deve ser aceito fazendo-o reconhecer que existem diferentes formas de viver, falar, habitar, enfim, “estar” no mundo. Ao mesmo tempo em que a história se passa em lugares distantes de Caxias do Sul, o questionamento leva os alunos a identificaram aquilo que no seu local se aproxima daqueles locais mais longínquos.

Iniciar o trabalho com a Geografia, nesse sentido, busca primeiramente,

[...] ajudar alunos a desenvolver modos de pensar geográfico: internalizar métodos e procedimentos de captar a realidade, ter consciência da espacialidade das coisas. Esse modo de pensar geográfico é importante para a realização de práticas sociais variadas, já que elas são sempre práticas socioespaciais (CAVALCANTI, 2002, p. 73).

A faixa etária dos alunos dos anos iniciais, nesse caso, o universo da pesquisa, o 3º ano, teve poucas possibilidades de relações ou experiências com lugares. De qualquer maneira, os meios de comunicação apresentam informações de diversos pontos do mundo. Desse modo, os locais onde se passa a história dos personagens podem ser de conhecimento dos alunos. Entretanto, os estudantes têm dificuldade em entender esses lugares devido ao estágio de seu desenvolvimento e sua falta de contato com esse tipo de reflexão. Aproveitando as atividades, a educadora P1 propôs aos seus alunos a elaboração de uma narrativa, na qual eles conheceriam uma pessoa por meio da internet. Cada aluno apresentaria à pessoa que passaram a conhecer o seu país e, depois, indicaria seu próprio endereço para os amigos virtuais conhecerem o Brasil.

Ilustração 5 – Texto da aluna Natália narrando a história de uma pessoa que conheceu de outro país e apresentando o Brasil a ela.

Ilustração 6 – Texto da aluna Kassiany narrando a história de uma pessoa que conheceu de outro país e apresentando o Brasil a ela.

Essa etapa do trabalho envolvia também a utilização de ferramentas geográficas não empregadas pelas educadoras durante as aulas. Como os questionamentos provocavam a curiosidade para os alunos conhecerem onde ficavam os lugares relatados na história, motivamos as educadoras a utilizarem e explorarem o globo terrestre. Como já destacado por Kaercher (2004), o uso desse recurso praticamente é ausente nas aulas de Geografia. Nos anos iniciais, a sua

presença é insuficiente devido aos problemas referentes à abordagem dessa disciplina. Porém, ele é um recurso pedagógico valioso, ainda pouco explorado. De qualquer maneira,

O globo é recurso apropriado para mostrar fluxos espaciais a grande distância. Sem um globo terrestre teremos dificuldades para trabalhar temas que necessitam de uma exposição clara de distâncias e posições no planeta [...]. Com um globo terrestre fica fácil ampliar a atenção dos alunos e familiarizá-los com os diferentes espaços geográficos. Exercícios com um globo podem representar momentos de aprendizagem de valores, como a cooperação e a solidariedade, quando um auxilia o outro no processo de aprender (SCHÄFFER, et.al, 2005, p. 17-18).

Paralelamente, foram introduzidas atividades referentes à escala cartográfica. As educadoras relataram em um dos encontros presenciais a dificuldade de os alunos representarem objetos reduzindo-os e compreenderem representações que empregavam reduções. Para tanto, propomos uma atividade sobre escala cartográfica. Para a sua compreensão, foram utilizadas fotografias onde os alunos aparecessem de corpo inteiro e foram medidos com o auxílio de um barbante colorido. Após, foi medida com o auxílio de outro barbante a altura na fotografia. Por fim, deveriam comparar os barbantes e os tamanhos e estabelecer a relação de redução colocada entre o real e a figura. A professora P1 relatou que seus alunos estabeleceram ainda a relação entre o tamanho real de um elefante e o desenho desse animal. Também mencionaram quanto seria necessário de papel se tivessem que desenhar um prédio em seu tamanho real.

A mesma analogia foi estabelecida entre o espaço geográfico e sua representação no globo terrestre para instigar os alunos a observarem no globo a distância dos lugares da história e relacioná-los com a localização de Caxias do Sul.

a) E se fôssemos escrever a nossa história, onde nós moramos? b) Onde fica Caxias do Sul?

c) Vamos procurar Caxias no globo?

d) Por que será que não encontramos Caxias no globo? e) Então, onde é que poderíamos encontrar Caxias?

Pegar o mapa do Brasil e questionar:

b) O que aparece nele?

c) Por que será que foram feitas tantas divisões no mapa? d) Em qual estado vamos encontrar Caxias do Sul?

e) Por que no Rio Grande do Sul?

f) Então vamos procurar no mapa se Caxias do Sul realmente aparece? g) Mas onde nós moramos em Caxias do Sul?

h) E a nossa escola, onde fica?

A tarefa de localizar Caxias do Sul no globo terrestre permitiu identificar o espaço local e vivido dos alunos e obter uma dimensão espacial mais ampla. Esse movimento não se dá puramente para o aluno constatar que todo o território físico possui limites e, no caso, o estado e o município pertencem a uma organização administrativa e territorial do país. Pelo contrário, a identificação do município, nesse caso identificado por ser o local de vivência dos educandos, permite a aproximação com os diversos significados que esse espaço possui para a criança e a importância de identificar que ele faz parte do global. Como coloca Callai (1998), essas relações entre os espaços não se pautam simplesmente pela proximidade. Segundo a autora,

O lugar tem que ser entendido em suas relações sociais e estas são extremamente complexas. Portanto ligadas a situações e espaços que estão além da escala de análise considerada. Um lugar reproduz em si, com suas especificidades, o global. Um lugar é a reprodução, num determinado tempo e espaço, do global, do mundo. [...] Nada mais desatualizado do que pensar que encontraremos neste caminho a explicação para alguma coisa. O mundo não é tão simples assim. As relações sociais são complexas e vão muito além de uma simples seqüência de escalas e de uma explicação encadeada do menor, mais próximo, para o maior e mais adiante. Não é o espaço absoluto em sua dimensão e continuidade que determina ou define por si o que quer que seja (CALLAI, 1998, p. 68).

As práticas descritas buscaram inicialmente o reconhecimento do espaço onde são sustentadas as práticas sócio-espaciais dos educandos e da sociedade em que ele vive. Além disso, possibilitaram o conhecimento desse espaço ampliado por meio de seu significado perante outras realidades globais (CAVALCANTI, 2002).

Ilustração 7 – Mapas do mundo, Brasil, Rio Grande do Sul e Caxias do Sul relacionando com os países das crianças da história e dos alunos. Aluno Eduardo Kreutz.

Ilustração 8 – Descrição da atividade feita pelas educadoras com os educandos a respeito do lugar que ocupam no mundo.

A abordagem e as experiências esboçadas se traduzem em atividades mediadas, pois houve a intencionalidade das educadoras em desencadear o tema a ser desenvolvido bem como as relações a serem manifestadas pelos educandos com a apresentação de materiais, como a história, o globo terrestre e os mapas. Esse movimento é exitoso no processo de ensino-aprendizagem quando o professor manifesta motivação em sua intenção e o aluno responde de forma recíproca aos incentivos do professor. O entusiasmo é despertado no aluno quando ele encontra nas atividades significação. As ações nas quais em grande parte percebe-se este envolvimento decorrem daquelas relacionadas ao cotidiano dos alunos, que despertam a sua curiosidade para tudo que revela significado por estar atrelado à sua vida.