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1.2 O Poder Naval na atualidade

1.2.1 A Guerra de Litoral

A atualmente chamada “Guerra de Litoral” engloba as estratégias navais aplicáveis à situação atual, em que um Poder Naval dominante – o dos EUA – não tem oposição naval à altura, seja em termos de disputa do controle das áreas marítimas, como na guerra do Pacífico, seja em termos de negação do uso do mar, como na Batalha do Atlântico, ambas na 2ª GM, seja nas duas formas, como durante a Guerra fria, após os anos 1970, quando a marinha sovié- tica passou a desenvolver e desdobrar pelos oceanos poderosas forças de superfície, além da sua também poderosa força de submarinos.

Quando existe oposição à altura, a guerra tende a se tornar oceânica, com a busca do controle das águas azuis para permitir seu uso – tradicionalmente o transporte marítimo, para fins civis e militares, e a projeção de poder, para fins militares.

No Pós-Guerra Fria, a oposição naval soviética desapareceu, os conflitos oceânicos fo- ram esquecidos e vieram as intervenções dos EUA e seus aliados com a atuação de seus pode- res navais sobre litorais alheios.

O conceito foi inicialmente estabelecido pelo documento “...From the Sea: Preparing

the naval service for the 21st century” de setembro de 1992, que constituía o primeiro passo

para a implementação da nova Estratégia de Segurança Nacional emitida pelo Presidente: (UNITED STATES OF AMERICA, 1992, “INTRODUCTION”§2 e 3)

Esta Estratégia de Segurança Nacional tem profundas implicações para a Marinha e o Corpo de Fuzileiros Navais. Nossa estratégia mudou de um foco em uma ameaça global para um foco em desafios e oportunidades regionais. Enquanto a perspectiva de uma guerra global desapareceu, estamos entrando num período de enormes incer- tezas em regiões críticas para nossos interesses nacionais. Nossas forças podem aju- dar a conformar (“shape”) o futuro de formas favoráveis aos nossos interesses sus- tentando (“underpinning”) nossas alianças, evitando a formação (“precluding”) de ameaças e ajudando a preservar a posição estratégica que ganhamos com o fim da Guerra Fria.

E assim foram mudados o foco e, consequentemente, as prioridades de aplicação de recursos, das operações no mar (“on the Sea”), para o emprego das forças a partir do mar (“from the Sea”) – ações de projeção de poder para influenciar eventos nas regiões litorâneas do mundo (UNITED STATES OF AMERICA, 1994a, p. “Forward...From the Sea”§1).

A consideração básica afirmava que, como uma nação marítima, a Estratégia de Segu- rança dos EUA era necessariamente transoceânica, e seus interesses vitais estavam na extre- midade final das “estradas do mar” (“highways of the seas”), as linhas de aproximação estra- tégica que se estendem dos EUA aos pontos mais distantes do planeta.

48 A nova concepção mantinha a “Diplomacia Preventiva” como apoio à Política Exter- na, e era implementada por meio de forças navais avançadas em todas as regiões de maior im- portância estratégica do Globo (o Atlântico, o Mediterrâneo, o Pacífico, o Índico, o Mar Ver- melho, o Golfo Pérsico e o Caribe) que demonstrariam a intenção e a capacidade de juntar os aliados da OTAN e outros, mas também potências amigas, na defesa dos interesses comparti- lhados, bem como provendo os meios para a reação a crises, se tal dissuasão falhasse (UNITED STATES OF AMERICA, 1994a, “The Strategic Impreative”§2 e 3).

Havia uma ideia antiga de que o conflito em regiões litorâneas seria algo muito fácil para uma marinha oceânica, porque consistiria no enfrentamento de marinhas costeiras, em geral pequenas e fracas, mas a tecnologia mudou esse quadro, aumentando o poder dos meios costeiros (JOERGENSEN, 1998, p. 20§3); além disso, existem hipóteses de confronto dos EUA que correspondem à Guerra de Litoral, como aqui conceituada, em que seu oponente é a China, cujas forças armadas estão longe de serem pequenas e fracas (MURDOCK, 2002, p.474§5).

O armamento naval empregável nas ações de projeção inclui mísseis de cruzeiro para ataque a alvos terrestres como o míssil de cruzeiro Tomahawk, de muito longo alcance – 1400 milhas (2600 km) (SAUNDERS, 2007, p.881§3), alta precisão e cabeça convencional, mas de alto poder, que, após o lançamento, voa em baixa altitude até o alvo, orientado por sistemas de navegação por satélite (GPS); ou seja, ao contrário dos engajamentos táticos, as platafor- mas são dispensadas de coletar os dados do alvo, apenas recebendo a ordem de seu comando, introduzindo as coordenadas nos mísseis e lançando-os.

Dessa forma, as plataformas não precisam se arriscar, aproximando-se dos objetivos. Basta se postarem na área que lhes for mais conveniente, fora do alcance do inimigo, mas mantendo os alvos dentro do alcance dessas armas, que é bem longo, fazendo com que a guer- ra, mesmo sendo “de litoral” se estenda por centenas de milhas mar afora.

As forças atacantes podem sofrer oposição conjunta de forças navais, aeronavais, submarinas, de minas, de mísseis lançados de terra e de aviação baseada em terra – ou seja, a velha negação do uso do mar nas áreas de aproximação ao território, por meios não mais ape- nas navais, mas também, aéreos e terrestres, tudo com armamento atual e por vezes sofistica- do, o que recebeu o nome de medidas “antiacesso” ou “de negação de área” (MURDOCK, 2002, p. 473§1 a 3).

Tais medidas visam a dificultar ao inimigo, não necessariamente o controle da área marítima intermediária, ou nas proximidades do objetivo, mas simplesmente o acesso a elas, como necessário à projeção.

Em consequência, não deixa de ser curioso que a resposta da marinha norte-americana para manter a capacidade de projeção, também não consiste exatamente em melhorar as con- dições de obter o controle do mar, requisito praticamente indispensável no passado, mas a de possibilitar a projeção dispensando o controle, sendo que uma das formas é atacar de fora do alcance do inimigo (MURDOCK, 2002, p.483§1).

É bem verdade que tal situação é transitória e normalmente resumida à abertura das ações; pois exceto em raros casos, a operação consiste numa intervenção, e haverá necessida- de do controle da área marítima adjacente, para a projeção de poder em maior escala. A proje- ção inicial apenas precede o controle, o que também não deixa de constituir novidade.

As medidas antiacesso, supostamente simples e de baixo custo – daí a atração pelos países de orçamentos limitados – foram objeto, nos últimos anos, de considerável atualização tecnológica. Já não são tão simples e de tão baixo custo, e vão muito além dos tradicionais campos minados e zonas de patrulha de dois ou três submarinos convencionais nos acessos ao porto principal do país, ou a algum outro objetivo importante.

A China, p. ex, dispõe de material capaz de tornar ineficaz boa parte da capacidade norte-americana de projetar poder, inclusive com projetos únicos, como o míssil balístico an- tinavio, arma de longo alcance (cerca de 900 milhas – 1.700 km) e de muito difícil oposição, mesmo pela marinha dos EUA (MURDOCK, 2002, p.479; BONAFEDE, 2008, “The Threat”; PHILLIPS, 2010); e os sistemas antissatélite, que atacam a espinha dorsal da superioridade norte-americana. Além desses sistemas, contudo, vários outros, “simples e de baixo custo”, mas atuais, como submarinos convencionais modernos e minas avançadas, são acessíveis mesmo a Estados mais limitados e podem ameaçar a capacidade de forças navais e anfíbias de países mais poderosos operarem em suas águas litorâneas.