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Quanto às alianças com os EUA, cabe inicialmente assinalar que acordos como os que ligam a Superpotência ao Japão e à Coréia do Sul envolvem forte comprometimento da sobe- rania e só existem devido a circunstâncias muito particulares originadas nos grandes conflitos de que esses países foram palco – a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Coreia.

O vínculo com a Austrália consiste num antigo compromisso, estabelecido sob a at- mosfera da Guerra Fria, o pacto Austrália – Nova Zelândia – EUA (ANZUS) de 1951, que envolve dissuasão nuclear estendida ao país, sem perda de soberania e, pelo menos segundo os documentos oficiais, com autonomia política para entrar em coalizões com os EUA apenas quando julgadas do interesse do Estado, ainda que cumprindo algumas obrigações da aliança, como manter a interoperabilidade de suas forças com as forças norte-americanas. (AUSTRALIAN, 2009, p.50 item 6.36)

Deduz-se, porém, dessa informação e dos fatos da História que os interesses do Estado australiano são tais que tornam conveniente sua participação em todos os envolvimentos mili- tares norte-americanos na Ásia, o que inclui as guerras da Coreia, do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão, sem falar das duas guerras mundiais do século XX. Os vínculos EUA-Austrália estão se estreitando ainda mais com as negociações para que consideráveis forças norte- americanas sejam estacionadas permanentemente no país e utilizem instalações em solo aus- traliano para oposição conjunta à China. Nesse processo, a aliança com a Austrália já se equi- parou politicamente à que os EUA têm com o Reino Unido. (FIFIELD et al, 2011)

Cabe destacar que seus termos já proviam à Austrália apoios tecnológico, logístico e, principalmente, de Inteligência – extremamente importantes para o acompanhamento da evo- lução das ameaças – mas não a eximem da “autodefesa”, o que atende a sua vontade política de ter capacidade de se defender isoladamente, mesmo contra adversários muito poderosos, como a China, implicando a manutenção de considerável poder militar convencional.

A Rússia, a China e a Índia não possuem tais vínculos com os EUA, mas os dois pri- meiros têm a Superpotência como poderoso inimigo potencial. Já a Índia possui outros acor- dos, firmados a partir de 2005, pelos quais não é protegida por dissuasão nuclear estendida, pois ela própria é potência nuclear, nem tem qualquer perda de soberania nem afastamento dos interesses nacionais para seu cumprimento.

Com esses acordos, a Índia obtém várias vantagens estratégicas, como o acesso a tec- nologias sensíveis, o status comparável a membro nuclear do TNP (apesar de não tê-lo assi- nado) e o direito de adquirir sistemas militares controlados dos EUA. Em contrapartida, entra com sua natural e antiga oposição à China e ao terrorismo radical muçulmano numa região de alta importância estratégica, e com sua efetiva capacidade de implementá-la, pois é potência militar e nuclear.

Este último aspecto representa especial vantagem estratégica para os EUA, numa épo- ca de redução dos meios militares e, por conseguinte, de sua capacidade de desdobramento de forças pelo mundo. Cabe notar ainda que, no final, o fato de a Índia ter-se tornado potência nuclear contribuiu para o estabelecimento dos acordos.

Além dos aspectos acima, o principal ganho estratégico obtido pelos indianos consistiu na libertação da ameaça representada pelas marinhas ocidentais na parte Oeste do Índico – um secular temor pela segurança do país, como declarado por Nehru (BERLIN, 2006, p.62§6). Essa libertação consistiu na satisfação de um anseio presente desde o fim da Guerra Fria, quando a Índia perdeu o benefício do equilíbrio entre forças soviéticas e ocidentais que vigia na região. Esse anseio foi motivo de manobras de aproximação aos EUA realizadas desde o Governo Clinton; e sua satisfação implicou uma garantia do vital abastecimento de petróleo em casos de crise de maior gravidade, pois as marinhas ocidentais dominam o Golfo Pérsico, principal fonte do produto.

Vê-se, assim, que todos os países possuem aliança defensiva ou acordo de parceria com os EUA, exceto a China e a Rússia, pelos motivos já expostos, e que nos países em que tal vínculo é mais independente – a Austrália e a Índia – o fortalecimento militar foi um fator que o propiciou e que o sustenta.

196 Nota-se também que o Brasil está novamente numa posição única, e de equilíbrio ins- tável – não tem a Superpotência como inimiga potencial, nem tem com ela tais vínculos, tam- pouco tem poder militar para ser autossuficiente no nível político-estratégico recém-alcançado na comunidade internacional.

Constata-se também que é possível firmar acordos de aliança ou de parceria com os EUA sem violação da soberania ou afastamento dos interesses nacionais, mas eles exigem dos Estados considerável fortalecimento militar.

O acordo de Defesa que o Brasil possui com os EUA é o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que prevê o auxílio de um membro do sistema interamericano a outro que esteja sob agressão, mas o auxiliador determina a ajuda a seu próprio critério, de acordo com as circunstâncias da ocasião (TRATADO, 1947, art.3º, itens 1 a 3), o que é bem diferente dos acordos firmados pelo Japão, Coreia, Austrália e Índia com a Superpotência. A- lém disso, sua utilidade para países que não os EUA tem sido criticada por estudiosos como Gerson Moura, para quem “A defesa nacional de cada país sulamericano ocupava lugar se- cundário na lista de seus objetivos”. (MOURA, 1991, p.75§5, p. 76§8.)

Um acordo como os firmados pelo Japão e pela Coréia do Sul seria impensável para o Brasil, em face do forte comprometimento da soberania. Já um vínculo como o da Austrália poderia ser palatável; mas da forma como vigia antes do acordo divulgado em setembro de 2011, que prevê o estacionamento permanente de poderosas forças norte-americanas no terri- tório (FIFIELD et al, 2011.), aspecto que fere a Constituição brasileira, pela qual apenas a permanência temporária de forças estrangeiras é admitida, se aprovada pelo Congresso Na- cional (BRASIL, 2011, art. 49º, item II. ). Tal vínculo dependeria também da exequibilidade ou aceitabilidade das obrigações militares acarretadas (como a interoperabilidade de forças nacionais com as norte-americanas, por exemplo).

Além disso, este autor julga difícil obter condições semelhantes, pois o peso do Brasil como aliado militar para os EUA – apenas na Segunda Guerra Mundial e na intervenção na República Dominicana em 1965 – é menor que o da Austrália, velha companheira de muitas campanhas73.

Pela PDN 2005, um acordo bilateral de aliança defensiva com uma potência não se encaixaria bem à tônica multilateralista repisada no item 4.7, mas acordos como os celebrados

73 Some-se a isso, o fato de a FEB não ter sido criada para atender uma necessidade dos aliados e, sim, a conve-

niências brasileiras: reaparelhar e modernizar o Exército com organização e material norte-americanos; fortale- cer a “aliança especial” com os EUA e, assim, ter maior peso nas decisões internacionais no pós-guerra; e, inter- namente, aumentar a popularidade do Presidente, buscando sua sobrevivência política com o fim da ditadura do Estado Novo. (Ver ALVES, 2007, p.104§3; p. 105§2 e p.107§2 a p.110§2.)

entre a Índia e os EUA, poderiam ser enquadrados como intercâmbios ou “parcerias estratégi- cas com nações desenvolvidas ou emergentes”, preconizados no item 4.11. Assim, um acordo como os que a Índia firmou não acarretaria, em princípio, restrições pelo Brasil e poderia ser até muito vantajoso.

É duvidoso, porém, que os EUA tenham interesse em firmá-lo, pelo fato de o cenário estratégico brasileiro – Atlântico ser bem menos importante para seus interesses que o indiano – Índico, em que ressaltam aspectos de alta relevância, como o acesso às maiores fontes de petróleo do planeta, os principais conflitos da atualidade e a oposição indiana ao maior adver- sário dos EUA, a China.

Não se pode esperar também que tal acordo proporcionasse dissuasão nuclear estendi- da nem dispensasse o Brasil de perseguir considerável fortalecimento militar, o que até con- tribuiria para torná-lo um parceiro ou aliado (em um eventual conflito futuro) útil – haja vista a própria Índia que, criticada até os anos 1990 por não aderir ao TNP, detonou artefatos e se declarou potência nuclear, o que terminou fazendo-a ser considerada parceira útil, também por não ter qualquer necessidade de os EUA prover-lhe dissuasão adicional.

Desta forma, dos Estados da tabela 4.5, a Índia é o que, no que toca a possibilidades de acordos com os EUA, mais se aproxima do Brasil, mesmo assim, a grande distância, pois es- tamos muito longe do que esse país tem a oferecer como aliado, e possivelmente muito aquém do que ele pode pleitear dentro de tais acordos – mais pelas próprias limitações brasileiras em escala, doutrina militar e capacidade de absorção da tecnologia, que por cerceamento da outra parte.

Conclui-se do presente quesito, que a assinatura de acordos de aliança não constitui al- ternativa que substitua o adequado fortalecimento militar como necessidade para a defesa na- cional, e que, mesmo que o Brasil empreenda tal fortalecimento e firme acordo como o firma- do pela Índia com os EUA ou outra potência, continuará sem proteção dissuasória nuclear.