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4.6 Análise diacrônica do Brasil (entre a PDN-1996 e a PDN-2005)

4.6.1 Situação Inicial

Os interesses políticos (BRASIL, 1996, itens 1.3, 2.8, 2.10, 1.6, 4.4, 4.2, 5b, 5a, 5g) consistiam em manter a Defesa voltada exclusivamente contra ameaças externas; na integra- ção do entorno estratégico regional (continental e atlântico); em considerar a segurança na- cional subordinada à integração regional; em dar grande prioridade ao desenvolvimento sobre a Defesa; na intenção de empregar as Forças Armadas estritamente em reações de autodefesa “a fim de repelir uma agressão armada”; em buscar a participação do País nos processos in- ternacionais de tomada de decisão; na ordem internacional baseada no estado de direito; e na manutenção de um clima de paz na região sulamericano-atlântica.

Os problemas estratégicos (BRASIL, 1996, Itens 2.5, 2.12) consistiam em incertezas no cenário mundial; em zonas de instabilidade que podiam contrariar interesses brasileiros e nas preocupações causadas por bandos armados no interior da Amazônia e pelo crime organi- zado. Além disso, o País ainda era muito dependente do petróleo importado, apesar de a pro- dução doméstica estar crescendo de ano para ano, tendo, em 1998, consumido 1,722 milhões de boe/d e produzido 1,004 milhões de boe/d (58,30%). (DIAS, 2008, slide 9).

As políticas de Defesa (BRASIL, 1996, Itens 2.8, 2.10, 5o) visavam à inserção regio- nal por meio da harmonização dos interesses de Estados e sub-regiões da América do Sul; ao fortalecimento dos mecanismos políticos de integração regional, como o Mercosul, o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS); e à busca do aprimoramento dos sistemas de controle das fronteiras, espaço aéreo, águas juris- dicionais e dos tráfegos marítimo e aéreo. O Brasil não era potência nuclear por impedimento constitucional (A=0), não praticava políticas intervencionistas (B=0) nem participava de ali- ança com os EUA que os envolvessem em sua defesa nacional (C=0).

O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), do qual o Brasil e prati- camente todos os países das Américas são signatários, prevê o auxílio dos outros Estados a um deles apenas em caso de agressão, no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva, previsto no art. 51 da Carta da ONU, sendo as medidas de auxílio adotadas segundo as circunstâncias a critério de cada Estado (TRATADO, 1947, art.3º itens 1 a 3), não acarre- tando, portanto, qualquer disponibilidade permanente de meios específica para seu atendimen- to, como acontece com os membros da OTAN, por exemplo.

O Brasil não possuía inimigos potenciais muito poderosos (D=0) e sua área de atuação naval era a América do Sul e o Atlântico Sul, em particular o Ocidental (BRASIL, 1996, itens 2.9, 5g; FLORES, 2002, p.82§1), o que constitui um teatro totalmente amplo ((H=0) e (I=1)). Sua fronteira marítima era grande (G=1) e suas águas jurisdicionais guardavam reservas de óleo e gás, na época estimadas em 8 bilhões de óleo equivalente (boe), o que, para um consu-

180 mo diário de 1,722 milhões de boe, em 1998 (DIAS, 2008, slides 8 e 9), equivalia a 8000/1,722/365,25= 12,72 anos, o que já acarretava sua classificação como de grande impor- tância (F=1).

Sobre essas reservas cabe observar que elas já se situavam entre as maiores do mundo, mas não produziram maior motivação para investimentos em defesa, o que só veio a acontecer com a descoberta do Pré-Sal, alguns anos depois.

Enquanto isso, em analogia a 1970, quando o Brasil aumentou o mar territorial para 200 milhas para assegurar riquezas a descobrir, alguns setores do Estado (no caso, a Marinha e a Petrobrás) trabalhavam aceleradamente, com o mesmo motivo, no levantamento da plata- forma continental, a fim pleitear junto à ONU a extensão da ZEE, o que foi realizado em 2004. (PLANO, 2011)

As estratégias de Defesa (BRASIL, 1996, itens 4.2, 5e, 5i; FLORES, 2002, p.80§5, p.82§1,2 e p.83§1) consistiam em manter uma ativa diplomacia e postura estratégica dissuasó- ria defensiva; em participar de operações de paz; em manter as Forças Armadas em ações subsidiárias que visassem à integração nacional, à defesa civil e ao desenvolvimento socioe- conômico do país; em ter capacidade de esclarecimento e ataque aéreos a partir de terra, para a defesa da “fronteira marítima”; em ter capacidade de contrapor-se a ameaças navais em a- penas parte dessa “fronteira marítima”, atuando em apenas um dos objetivos de defesa; e em integrar forças de intervenção além-mar, caso necessário, mas apenas como coadjuvante se- cundário. (FLORES, 2002, p.82§2)

As estratégias navais contemplavam a guerra naval tradicional. O Almirante Flores preconizava a postura do atacado, a que ele se referia como “Jeune École ou Antiaccess Stra-

tegy”, e declarava que tal força já estava em implementação pela Marinha, ainda que lenta-

mente devido a restrições orçamentárias (FLORES, 2002, p. 81§3; p.84§5); mas em que pese a pretensão limitada de sua concepção – ser capaz de atuar em apenas um objetivo de defesa, na fração afetada da fronteira marítima – este autor é levado a considerar que, além de lenta, a implementação era tão inicial que os meios então disponíveis não a caracterizavam.

Na época em que o almirante estava preparando seu livro (ele foi publicado em 2002), a Marinha possuía dezoito escoltas, três navios anfíbios médios e um NAe, todos operando apenas helicópteros, (SHARPE, 1999, p.55 a 65) pois a FAB havia desativado a aviação em- barcada em 1996. Esse material era condizente com ações limitadas (por não dispor de avia- ção embarcada de asa fixa) de controle de áreas marítimas, para a proteção de linhas de co- municações marítimas, e de projeção de poder. Além disso havia quatro submarinos novos e um antigo, significando muito pequena capacidade de negação do uso do mar, não denotando

a prioridade a esta última tarefa, que caracterizaria a postura do atacado, mas sim, uma prepa- ração genérica da Força onde se notava alguma prevalência do Controle de Áreas Marítimas por inércia da Guerra Fria, caracterizando uma indefinição estratégica. Assim, a melhor clas- sificação de tal postura é TRAD.

Os submarinos disponíveis, quatro da classe Tupi (de pequeno porte) e um remanes- cente da classe Oberon (o S Ticuna, da classe Tupi modificada, só seria lançado em 2004), lançavam apenas torpedos ou minas e eram empregáveis na defesa da fronteira marítima, principalmente próximos à costa ou dos objetivos de defesa (a “defesa próxima” de Vidigal), mas em contextos de pequena extensão geográfica, em face do pequeno número de unidades que, cabe sempre lembrar, dificilmente estaria disponível em sua totalidade, em virtude dos períodos de manutenção de longa duração a que os meios são submetidos em rodízio.

O Almirante também preconizava a disponibilidade de SNA para a “defesa distante”, o que marca o traço comum com a maioria das concepções de emprego defensivo dos dois ti- pos de submarino, em que aquele meio daria condições de ameaçar gravemente, desde gran- des distâncias, forças inimigas que se aproximassem, aspecto que estava na origem da busca brasileira por submarinos de propulsão nuclear desde antes da Guerra das Malvinas, e que corresponde à “Interdição Avançada” de Vidigal (2002, p.84§6).

A propósito, esse episódio realçou o valor dos SNA que, operados pelos britânicos, fo- ram os responsáveis pela inação da força de superfície argentina, o que permitiu o alto grau de controle da área marítima necessário à operação anfíbia com que cumpriram sua missão.