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4.6 Análise diacrônica do Brasil (entre a PDN-1996 e a PDN-2005)

4.6.3 Apreciações sobre a Análise Diacrônica

A única mudança objetiva entre as situações inicial e final – e importante – consistiu no fim da dependência do petróleo importado (E=0), resultante do aumento da produção na- cional, porque quanto às reservas marítimas, elas já eram suficientes para classificar as águas jurisdicionais como de grande importância na situação inicial, mesmo antes da descoberta das jazidas do Pré-Sal (F=1).

Apesar disso, cabe ressaltar que um dos principais motivos das alterações de estraté- gia, que identificam a mudança em relação à situação inicial de TRAD para AOTR, decorreu de um aspecto subjetivo associado à variável F. Em ambas as situações a variável se manteve F=1, mas as reservas duplicaram a partir de 1998, constituindo o principal fator para o surgi- mento da vontade política que resultou na nova opção estratégica.

No tocante a submarinos, a situação atual pouco difere da inicial e mostra uma debili- dade flagrante quanto a esses meios – apenas 5 SC, e de pequeno porte. Esse número é mais baixo que o da Austrália, que possui seis de grande porte, apesar de, opostamente ao Brasil, só se preparar para teatros restritos; e é muito menor que os dos demais países AOTR, ATDO e TRAD.

A mudança estratégica trazida pela situação final consistiu na opção AOTR decorrente da Estratégia Nacional de Defesa, o que traduz, em primeiro lugar, uma definição, em substi- tuição à indefinição da situação inicial, em que se alegava praticar uma postura defensiva, mas não se fugia ao “default” genérico das estratégias tradicionais.

Em segundo lugar, essa definição estabelece uma postura fortemente defensiva, tradu- zida pelo sensível fortalecimento qualitativo e quantitativo de meios e efetivos, que busca a proporcionalidade do investimento com o valor dos ativos a defender, pretendendo uma dis- suasão geral do País por meio de uma efetiva capacidade de realizar dissuasão imediata em boa parte do Atlântico, e não apenas por uma modesta capacidade de reação a crises em pon- tos da fronteira marítima, como anteriormente previsto.

Condições Políticas e Estratégicas Opções estratégicas

Submarinos

Situações A B C D E F G H I SNA SC

Inicial 0 0 0 0 1 1 1 0 1 TRAD 5

Este segundo aspecto decorre principalmente da orientação pela pró-atividade da defe- sa dos ativos litorâneos contida na END, e seu rigoroso cumprimento poderá implicar até mesmo uma mudança cultural da Marinha, que deixará de ser a Força que se mantém pronta para atuar quando uma crise aparecer no horizonte; para ser uma força previamente presente onde as crises puderem aparecer, com grande número de meios com alto nível de disponibili- dade, e no mar, com diretivas precisas e ligação imediata por rede com os comandos e o Poder Político, de forma análoga à atual postura japonesa.

A autossuficiência em petróleo e gás faz com que o tráfego marítimo de importação desses produtos seja irrelevante, ao contrário da maioria dos países, em que ele constitui um dos principais objetivos de defesa. Assim, o problema brasileiro de proteção às linhas de co- municações marítimas se reduz a prover segurança ao transporte marítimo de outras mercado- rias e se torna bem inferior ao de proteger a faixa marítima do litoral, que tem sua importância muito aumentada, pois ela é responsável por 91,2% do petróleo e 73,73% do gás produzidos no País. (AGÊNCIA, 2011, tabelas 2.9 e 2.11)

Como já exposto, algumas plataformas petrolíferas brasileiras, basicamente as do Pré- Sal encontram-se a grande distância da costa – cerca de 160 milhas (300 km) no caso do Campo Lula (antigo Tupi) – e é possível que no futuro haja instalações ainda mais afastadas, pois a área provável de ocorrência de petróleo se estende mar afora (fig. 3.5).

Tais afastamentos não são usuais, apesar da existência de jazidas litorâneas em muitos pontos do mundo, e impõem esforço extra na proteção de grandes áreas de dutos submersos e do tráfego de embarcações que transportam os produtos extraídos. Tal circunstância impõe também a capacidade de monitorar uma extensa área marítima fixa que vai muito além das águas jurisdicionais e eventualmente controlar seções em seu interior, com o propósito de ne- gar a vetores inimigos o uso de áreas de onde possam engajar as plataformas.

Desta forma, na nova estratégia naval brasileira, a opção AOTR contém uma compo- nente “atacado” muito mais importante que a componente “tradicional”, implicando um afas- tamento ainda maior da situação inicial.

O principal salto da situação inicial para a final, porém, não consta da tabela nem dos subitens acima, porque foi econômico. Entre 2003 e 2010 o Brasil mais que quadruplicou o PIB, passando de US$ 493 para US$ 2,090.314 bilhões (A ECONOMIA, 2011, tabela “Novos Números para o PIB Nominal Brasileiro”), sendo que, em 2008, passou a credor externo (CENTRAL, 2011a). Assim, as novas necessidades estratégicas foram acompanhadas pelo aumento da capacidade econômica, como prevêem os cânones da Economia de Defesa. (SANDLER;HARTLEY, 2000, p.60§2 e 3)

186 Na opinião deste autor, a rápida recuperação do Brasil após a crise de 1999 teve im- portante participação de uma estratégia governamental que visava a demonstrar não só que o Brasil era bom cumpridor de contratos, mas principalmente, que estava bem de finanças e, as- sim, os lucros obtidos por estrangeiros com os investimentos feitos no Brasil não corriam o risco de serem predados.

O Brasil crescera 6% ao ano em média, entre 1930 e 1980, mas nas décadas de 1980 e 1990 sofreu diversos problemas econômicos, inclusive a “década perdida”72

, mantendo-se, mesmo assim, entre a 8ª e a 10ª economias mundiais. Em 1998 era a 8ª, mas sofreu uma queda significativa com a maxidesvalorização do Real em 1999 e, em 2003, chegava à 15ª posição - o fundo do poço, nunca antes atingido (A ECONOMIA, 2011, “Crescimento”§1; “As Quedas do PIB Brasileiro”§2).

A partir de 2004, porém, tendo feito correções na Economia, a situação começou a melhorar rapidamente. Nesse ano experimentou um forte crescimento (5,7%) (PRODUTO, 2012), recuperou posições e passou a ser o 12º PIB; em 2005, foram realizados alguns passos da estratégia acima citada: o País cumpriu com folga a meta acertada com o FMI de 4,25% de superávit primário acumulando 6,3% e liquidou o que ainda restava de dívida naquele órgão (US$ 15,5 bilhões) (A ECONOMIA, 2011,“Dívída Pública”§2 e 3)

Assim, em 2007 as reservas monetárias atingiam a sétima colocação mundial; em 2008, o país passou a credor externo porque seus ativos no exterior ultrapassavam a dívida (pública e privada) e, mesmo vendendo dólares a vista para controlar as instabilidades causa- das pela crise financeira mundial que começou nesse ano, conseguiu aumentar as reservas. (A ECONOMIA, 2011, “Reservas Monetárias Internacionais”§2 a 4). Além disso, o ano termi- nou com um crescimento considerável (5,2%). (PRODUTO, 2012)

Outro objetivo intermediário da estratégia foi conseguido em fins de abril de 2008 com a obtenção do “grau de investimento” (“Investment grade”) da agência de risco “Stan-

dard and Poor’s”, o que retirava uma barreira a várias entidades investidoras, aumentando em

muito os investimentos externos diretos (IED) no País. Apesar disso, o crescimento foi leve- mente negativo em 2009, devido à já citada crise mundial. Mesmo assim, cumprindo a estra- tégia, o Brasil emprestou US$10 bilhões ao FMI.

72 Assim ficou conhecida a década de 1980 porque, em 1981, o Federal Reserve Bank (FED), banco central dos

EUA praticamente dobrou a taxa de juros interna para controlar a inflação. A inflação foi controlada, mas os ju- ros flutuantes dos contratos de empréstimos da dívida externa dos países latino-americanos sofreram forte im- pacto levando alguns deles, inclusive o Brasil, à moratória, com graves problemas na Economia interna. Ver DANTAS, 2008 e RODRIGUES, 2012.

A estratégia parece estar dando frutos: a partir de 2009, o aporte de recursos externos foi expressivo; até março de 2011, ineditamente, o País havia recebido mais dólares que em todo o ano de 2010 como IED e, em junho, seis vezes mais que em todo o ano anterior (A ECONOMIA, 2011, “Câmbio”§8; “Dívida Externa e PIB Nominal/PPP”§21 e 29 a 32.), ca- bendo ressaltar que, em 2010, o País teve o expressivo crescimento de 7,5% (PRODUTO, 2012) e tornou-se a 7ª economia mundial. (A ECONOMIA, 2011, tabela “As Dez Maiores Economias Mundiais”)

Finalmente, este autor julga importante observar sobre os Estados da amostra (não in- cluindo os EUA nem o México) que, como se observa na tabela 4.1, as maiores diferenças en- tre a posição na hierarquia dos PIB e a posição, abaixo dela, na hierarquia dos gastos militares (quatro posições) são as do Brasil e do Canadá, país que, como já visto, tem necessidades es- tratégicas bem menores que as brasileiras. Essa diferença dá ideia da amplitude do salto ne- cessário à compatibilização da Defesa do País com seu status econômico.