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3.3 As Estratégias de Defesa

3.3.1 Apreciações sobre as Estratégias de Defesa

A Estratégia preconizada pelo Almirante Flores para ser cumprida pelo Poder Naval demanda poucos recursos financeiros, mas é até mais forte do que seria necessário para o prescrito pela PDN-1996, onde os SNA, por exemplo, poderiam ser considerados dispensá- veis.

Ela, no entanto, cumpre a ideia geral daquela política porque, exceto pela previsão da participação em intervenções distantes “como coadjuvante secundário”, é exclusivamente de- fensiva, prevendo uma força capaz de atuar apenas na fronteira marítima, e apenas nas sec- ções onde fossem identificados objetivos de defesa, com exceção dos SNA, que atuariam por fora, mas no mesmo contexto.

Ela subentende os dois primeiros itens do paradigma das políticas de defesa da Guerra Fria – a subordinação da segurança nacional à hegemonia dos EUA e a prioridade do desen- volvimento sobre a Defesa, como um jogo de soma zero.

108 Uma recente e longa análise geopolítica norte-americana sobre a situação do Brasil no contexto sulamericano desde a época da independência dos Estados do continente, no início do século XIX, até os dias atuais revela uma leitura da Política e da estratégia de defesa brasi- leiras nesse período que este autor julgou pertinente a este estudo: (THE GEOPOLITICS, 2011, “Brazil’s Geopolitical Imperatives”)

São definidos os “Imperativos Geopolíticos” – metas amplas que um Estado deve per- seguir para conseguir segurança e êxito internacional. Trata-se de estratégias não-ideológicas, determinadas pela Geografia.

O primeiro Imperativo Geopolítico do Brasil consiste em proteger a costa – a única maneira pela qual o Brasil pode proteger seu núcleo (“core”) por si próprio. Ela consiste em manter (“cultivate”) uma força naval com poder suficiente para dissuadir “potências predado- ras”. Sem tal força, o País poderia ser dividido em várias cidades-Estados e as exportações estariam incondicionalmente à mercê de qualquer eventual adversário que usasse o mar36.

O estudo acrescenta que, não tendo recursos para possuir tal marinha, o Brasil tem his- toricamente buscado alianças de dependência com a potência naval dominante do Atlântico “a fim de manter a mais poderosa Argentina em cheque”. Na primeira metade do século XIX, foi o Reino Unido, mas a expressão mais cabal desse imperativo foi a entusiástica acolhida da Doutrina Monroe, norte-americana, porque, estando sozinho no Hemisfério Ocidental, rece- beu com entusiasmo a política neocolonialista dos EUA que barrava os Estados europeus por- que não podia se opor àquelas potências sem assistência.

A razão da dependência da força naval: o Brasil se desenvolveu lutando contra uma Geografia adversa. A costa é percorrida a curta distância por montanhas que marcam a borda (“grand scarpment”) de um planalto (o “escudo brasileiro”) e dificultam a penetração do inte- rior, fazendo com que as cidades, principalmente no Sul e no Sudeste se formassem em encla- ves desconectados da costa, isoladas umas das outras e com poucas possibilidades de apoio ou defesa mútua. Até hoje, o País tem poucas ferrovias e rodovias de alto nível (“highways”) e não possui um grande sistema costeiro de estradas, porque as montanhas formam desníveis muito abruptos e próximos à costa, sendo que as estradas que existem junto a ela são basica- mente de duas pistas.

Historicamente, o Brasil não tem podido custear uma força naval com a capacidade de dissuasão necessária e, mesmo atualmente, ela não é capaz de proteger confiavelmente a costa além dos territórios-núcleo (sudeste). O País mantém, por isso, relações estreitas, não exata-

36 A expressão original é vaga – “at the mercy of more maritime-oriented entities” – podendo indicar um Estado

mente amigáveis, com os EUA, para evitar que estes nunca o vejam como problema e para que o País sempre possa recorrer a eles contra eventuais ameaças.

O segundo imperativo consiste em expandir sua economia para o interior, o que já está sendo realizado, e é válido até como medida defensiva em face da vulnerabilidade da região costeira; o terceiro consiste em obter o controle econômico e político dos países situados na da Bacia do Prata, cuja região, altamente fértil e de fácil escoamento da produção por via flu- vial, tem, por isso, grande capacidade de geração de capital e, acoplada à estrutura econômica brasileira, propiciaria condições de se tornar uma potência, dando ensejo ao quarto e último imperativo, que seria o de tornar-se uma potência naval regional dominante e desafiar a po- tência dominante do Atlântico Sul.

Sobre a análise, cabe notar que o primeiro imperativo (a dependência exclusiva da for- ça naval para a defesa do território) se deve à falta de capacidade de concentração de poder militar em terra para resistir a tentativas de projeção de poder vindas do mar em todos os pon- tos da costa, o que, segundo Pape e outros autores, foi conseguido pelos Estados da Europa continental no século XIX graças ás possibilidades de articulação proporcionadas pelos de- senvolvimentos em comunicações e transporte terrestre – na época, o telégrafo e a ferrovia – as tecnologias mais importantes para a “Revolução da Guerra Terrestre”, de Krepinevitch. (1994; PAPE, 1996, p.41§2)

Pode-se verificar que o Brasil cumpriu os imperativos segundo e terceiro, mas não os outros dois, que dependem do Poder Naval.

A análise em questão corresponde a uma leitura norte-americana da situação descrita nos tópicos 3.1 e 3.2, acima, bem como do contexto estratégico previsto pelo Almirante Flo- res. Nota-se também, pelo que se entende da END, que o pensamento de seus autores não é diferente, e o atual esforço iniciado sob sua égide, de renovação de meios navais, constitui a tentativa de recuperar o atraso quanto ao primeiro imperativo – cerne da primeira diretriz es- tratégica e do primeiro objetivo da Marinha naquele documento (BRASIL, 2008, p.4§1 e p.12§2) – incluindo o grande problema da proteção das plataformas que a análise não abordou e que, mais que as cidades litorâneas, estão expostas a adversários que usem o mar.

A análise ressalta a vulnerabilidade do Brasil (território, litoral e ativos no mar) à pro- jeção de poder pelo mar, não só por meio de ações aeronavais (aeronaves e mísseis), mas também por operações anfíbias de potências navais, em face de seu extenso litoral, da dificul- dade geográfica de defendê-lo por terra e da insuficiência de Poder Militar (terrestre, aéreo e naval). Tais deficiências podem ensejar ações adversas ao País em contextos graves de coer-

110 ção, ou indesejáveis situações de dependência em conjunturas mundiais belicosas, como ocor- reu por ocasião da Segunda Guerra Mundial.

Voltando à END, note-se que ela não faz qualquer referência à PDN-2005. A atualiza- ção dessa política, também prevista no Decreto de 06/09/2007, que determinou a elaboração da END, acabou não sendo realizada, esperando-se que conste da primeira edição do Livro Branco, prevista para 2012, já que é um de seus itens, parecendo um processo inverso ao natu- ral – elaborar uma política compatível a uma estratégia já em implementação, ainda que a ela- boração de uma nova END – ou a revisão da atual – esteja também prevista.

Verificando a PDN-2005 e a END, constata-se que os conceitos de segurança compar- tilhada, defesa coletiva ou similares estão praticamente ausentes. A única menção é sobre de- fesa coletiva e consta da orientação estratégica 6.4 do primeiro documento, dispondo sobre uma situação excepcional: “Em conflito de maior extensão, de forma coerente com sua histó- ria e o cenário vislumbrado, o Brasil poderá participar de arranjo de defesa coletiva autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU”. (BRASIL, 2005, p. 10, item 6.4)

É bem verdade que o Brasil é signatário do Tratado Interamericano de Assistência Re- cíproca (TIAR), assinado em 1947, que mesmo antigo, continua em vigor; mas além de ser específico para auxílio mútuo no caso de agressão extracontinental, que não acarreta com- prometimento permanente de forças; foi construído com forte enfoque no auxílio dos países do continente aos EUA contra a URSS no contexto da Guerra Fria e, como afirma Gerson Moura (1991, p.72 a 76; p.76§9), “desde seu nascimento, era muito mais um canal de articu- lação político militar da hegemonia norte-americana no continente” que um tratado de defesa hemisférica, ou seja, mais uma forma de controle dos Estados continentais e obtenção de seu apoio.

A END enfatiza principalmente a independência, e sob várias formas – nacional, tec- nológica, de produção de materiais de defesa, de sinais de navegação estrangeiros (GPS e ou- tros) (BRASIL, 2008, p.3§7; p.5§1; p.8§8; p. 15§7; p. 27§5; p. 28§3; p. 28§9; p. 30§4) e, em- bora não explicite a independência em termos de Defesa, permite concluir, em conjunto com a PDN-2005, que arranjos em que a segurança nacional seja permanentemente dependente de Estados ou alianças mais poderosos, como defesa coletiva ou dissuasão estendida, não são pretendidos pelo Brasil.

A END não se destina apenas a implementar a PDN-2005. Embora de nível abaixo, é mais geral, propondo-se a criar condições para que as Forças Armadas possam atuar adequa- damente na Defesa, na obtenção de interesses, na Segurança Pública, na reação a catástrofes e onde mais se faça necessário.