• Nenhum resultado encontrado

A disputa pela região do Chaco, entre Paraguai e Bolívia, que durante décadas vinha sendo fermentada, só se tornou séria ameaça no início dos anos 1930, coincidindo com o agravamento da situação social paraguaia, acentuada pelos efeitos da grande depressão. O Chaco, imensa área de estepes quase devoluta, situada entre os Andes e o rio Paraguai, era reivindicada por ambos os países.

A Bolívia desejava um porto no rio Paraguai e para ter pleno acesso a esse rio necessitava ocupar o Chaco; no entanto, dada a anterior presença paraguaia na região e considerando as perdas territoriais decorrentes da Guerra da Tríplice Aliança, o governo de Assunção não estava disposto a novas concessões dessa natureza.

A diminuta ocupação dessa inóspita região pelo Paraguai limitava-se a alguns poucos assentamentos agrícolas e povoados, iniciados por imigrantes alemães menonistas que lá chegaram nos anos 1920. Os paraguaios exploravam também o corte de quebrachos ricos em tanino, para uso em curtumes, e instalaram algumas ferrovias de bitola estreita a fim de transportar madeiras da região até o rio Paraguai.

Porém anos de governos débeis e instáveis no Paraguai permitiram aos bolivianos avançar sobre aquele território e estabelecer fortificações ao longo da cabeceira do rio. Valendo-se de assessores militares alemães, a Bolívia pôs em marcha

um programa de rearmamento e modernização de suas forças armadas, coordenado pelo oficial alemão Hans Kundt, que também dirigiu e planejou a ocupação dos territórios do Chaco no início de 1932, data em que ocorreriam os primeiros confrontos.

Apesar da superioridade bélica e tática boliviana, seus exércitos do altiplano se mostraram pouco adaptados às condições inóspitas daquela região, situação agravada pela vulnerabilidade de suas linhas de suprimentos. Já os paraguaios, apesar do generalizado desaparelhamento de suas forças armadas, tinham a seu favor um amplo conhecimento do terreno e facilidade no deslocamento de tropas e munições.

O caráter aguerrido de alguns comandantes paraguaios, como Rafael Franco e o coronel Estigarribia, e a unidade de espírito de seus subordinados, a despeito da inépcia governamental, propiciou vitórias em batalhas decisivas, que reverteriam não apenas os rumos da guerra, mas também os destinos da nação.

Figuras 1 – Guerra do Chaco

Decifrando as mensagens bolivianas, 1933. Fonte eletrônica: acessada 16/03/06 http://www.meucat.com/main.php?LOJA=album&SCR=1024

Figuras 2 - Mapa da região disputada entre os dois países:

Bolívia e Paraguai disputam a região conhecida como "Gran Chaco". Em 1931, a Bolívia emitiu um selo com o mapa da região chamada "Chaco Boliviano". Abaixo, um selo regular, de uma série de 14 selos postais regulares e 10 selos aéreos, emitido pela Bolívia em 1935, que também mostra o "Gran Chaco" como "Chaco Boliviano".

Em 1932, o Paraguai respondeu com um slogan no selo: "Tem sido e será" (Ha sido, es y sera - Has been, is and will be), com a região chamada "Chaco Paraguayo". Logo depois que o primeiro selo "Gran Chaco" paraguaio foi emitido, iniciou-se uma guerra pela disputa do território. Houve muitas mortes em ambos os lados e o território foi oficialmente declarado do Paraguai, pela Conferência dos Estados Americanos, em Buenos Aires (1938-1939).

Fonte eletrônica 13/10/05: http://www.sergiosakall.com.br/americano/paraguai.html

Apesar da gloriosa vitória militar sobre a Bolívia, a Guerra do Chaco serviu em certo sentido como um catalisador político que uniu às oposições os trabalhadores e camponeses, insatisfeitos com os sucessivos governos liberais. Os desdobramentos da guerra serviram também como matéria-prima para a revolução nacionalista, visto o

descaso do governo Eusébio Ayala em relação à situação dos veteranos de guerra feridos e inválidos, que viram negados seus direitos a pensões. Tal posicionamento tipicamente liberal, calcado nos míopes princípios do laissez-faire, causou uma grande comoção entre todos os nacionalistas, que exigiam reformas sociais. O fato derradeiro para os liberais ocorreria em fevereiro de 1936, quando o presidente Ayala mandou para o exílio o coronel Rafael Franco, sob suspeita de envolvimento numa conspiração golpista.

No entanto, essa decisão somente estimularia outros complôs, que culminariam no golpe desfechado em 17 de fevereiro pelo grande regimento de Cavalaria de Campo Grande, situado nos arredores da capital. Naquela mesma data, Ayala se renderia, levando ao fim trinta e dois anos de governo liberal, e no dia subseqüente Franco retornaria do exílio para encabeçar um novo governo, dito revolucionário (Lewis, 1980.) (Nickson, 1993.).

Franco foi um legítimo caudilho militar, com grande apelo popular, que adorava falar às multidões, mas seu governo nascera condenado desde o princípio, pois era composto por um amplo leque de tendências dissidentes, que iam desde comunistas e socialistas a nacionalistas independentes, de algumas facções do velho liberalismo (cívicos) a membros do Partido Colorado, e até ultradireitistas inspirados no fascismo Italiano, cuja única perspectiva comum era o ódio aos liberais.

Apesar dessa considerável divisão interna, o governo revolucionário logrou realizar algumas importantes reformas de caráter social, dando início a uma verdadeira reforma agrária, promulgando um novo código trabalhista, permitindo a sindicalização e o direito à greve, além de estabelecer garantias de seguridade social (Lewis, 1980); (Arce, 1988). Por fim, e não menos caro aos paraguaios, conseguiu a restauração do orgulho nacional, ao recuperar o corpo de Solano López de sua sepultura apócrifa em Cerro-Corá, enterrando-o novamente, com as mais altas honrarias, numa pequena capela barroca no centro de Assunção, denominada “Pantheon dos Heróis”.

Apesar desses feitos, o governo revolucionário foi paulatinamente perdendo sua popularidade, consumido por intrigas internas entre seus gabinetes ministeriais, que corroeram rapidamente as frágeis bases de sustentação política que originaram o novo regime. Pressionado entre fascistas e revolucionários nacionalistas, com a saída dos colorados, Franco se viu restrito a pequena base de apoio dado pela Liga Nacional

Independiente, o que se mostrou insuficiente para manter seu governo e dar

continuidade às reformas estruturais que eram esperadas 11.

Em agosto de 1937, um novo golpe ocorreu, liderado pelo então coronel Ramón Paredes, o qual havia estado em permanente contato com os líderes liberais no exílio. Porém ao retomar o poder os liberais estavam convencidos de que poderiam voltar no tempo e para camuflar suas reais intenções substituíram Franco por outro herói de guerra, no caso o marechal Estigarribia. Desgraçadamente, para infortúnio dos liberais golpistas, Estigarribia logo se fez consciente de que essa política contra-revolucionária nunca funcionaria. Então, numa reviravolta, neutralizou o núcleo liberal e reuniu em torno de si um brilhante grupo de jovens burocratas (novos liberais) comprometidos com as reformas sociais. Ao fazê-lo, entrou em colisão frontal com os liberais tradicionais que controlavam o Congresso. Diante desse impasse, Estigarribia dissolveu o Congresso e, para não fugir à tradição política paraguaia, se autoproclamou ditador absoluto. Além disso, para anunciar o desejo de mudança de seu governo, ele juntou pedaços da antiga Constituição de 1870 com preceitos do liberalismo democrático do

laissez-faire, promulgando a Constituição de 1940 (Lewis, 1980).

Essa Constituição, na prática, continha fortes elementos corporativistas, muito influenciada pelo Estado Novo de Vargas no Brasil. O Legislativo era constituído de um parlamento unicameral e um poderoso Conselho de Estado não eleito, cuja função era o assessoramento do Executivo. Promulgada sem nenhum debate público, essa Constituição acabou fortalecendo o Poder Executivo sobre o Legislativo, com o manifestado objetivo de atender à urgente demanda por progresso econômico e social, desencadeada pelos desdobramentos da Guerra do Chaco.

O componente conservador dessa Constituição acabaria por produzir um importante precedente que facilitaria enormemente um subseqüente movimento em direção a regimes autoritários, tanto sob o governo Morínigo quanto sob a presidência de Stroessner (Arce, 1986);(Nickson, 1993); (Moraes, 2000).

Esse arranjo constitucional aumentou ainda mais o Poder Executivo, em detrimento dos demais poderes, assemelhando-se institucionalmente ao Estado corporativista de Mussolini, no qual o Conselho de Estado representaria os grupos de

11 De acordo com Ceres Moraes, “Pouco depois de iniciado o governo febrerista o coronel Franco, que comandara o golpe, assumira a presidência. Pressionado a definir-se politicamente em um sentido ou outro, cedeu às pressões dos setores conservadores e pelo Decreto-lei n. 152, colocou o Partido Comunista novamente na ilegalidade. A repressão desencadeada resultou na perseguição, prisão e mesmo assassinato de muitos dos que haviam participado ativamente do movimento que levara Franco ao poder”. Op. Cit. Moraes, 2000, p. 28.

interesses como os dos fazendeiros, empresários, banqueiros, militares, além da alta cúpula da Igreja Católica.

Tal como o modelo italiano, o Estado corporativista de Estigarribia possuía excepcionais poderes para suspender as liberdades civis, para a supressão de associações privadas ou para realizar qualquer ato excepcional que fosse considerado de interesse do Estado12. No entanto, para frustração dos novos liberais, Estigarribia veio a falecer num acidente aéreo, pouco menos de um mês depois de promulgada a nova Constituição.

Mariscal Estigarribia

Figura 3 - Enterro do marechal Estigarribia: fonte eletrônica acessada 16/03/2006 http://www.meaucat.com/detalhe.php?ID=9698&LOJA=album

Esse incidente propiciou o retorno dos velhos liberais e do coronel Paredes, que imediatamente designou para a presidência temporária o ministro da Defesa, general Higidio Morínigo, como seu testa-de-ferro. Esse foi, segundo Lewis(1980), o grande erro dos antigos liberais, pois, embora Morínigo parecesse um tipo cordial e sem nenhuma grande ambição, ele logo revelou ser um mestre na política. Manobrando

12 Por essa Constituição de 1940, nos seus arts. 52; 53; 54, o presidente tinha a prerrogativa de decretar o estado de sítio e de durante sua vigência autorizar a prisão de suspeitos e transferi-los para qualquer parte do país; de dissolver a Câmara de Representantes e durante o recesso parlamentar baixar decretos com força de lei (Apud. Moraes, 2000, p. 29).

Paredes e sua camarilha militar, através de engenhoso enredamento dos comandos, tornou-se independente deles e assim pôde agir contra os liberais, os quais denominava de traidores “legionários”, colocando desse modo seu partido na ilegalidade.

Morínigo, ao se livrar dos liberais e febreristas, estabeleceu-se como um ditador não-partidário, cuja base de sustentação era dada exclusivamente pelas forças armadas, e tendo como principais colaboradores três oficiais pró-fascistas, que se denominavam “Frente de Guerra”. Tal qual seu antecessor, ele restringiu drasticamente as liberdades individuais e a livre expressão, mesmo possuindo certo apelo e suporte popular, pois, vindo do interior, conhecia bem a realidade dos camponeses e falava fluentemente a língua guarani. Deleitava-se em seus discursos, e, apontando para a bandeira tricolor paraguaia, exclamava: “Eu não sou nem vermelho (colorado) nem azul (liberal), mas branco – aqui, justo no meio”. Era embalado pela crescente popularidade, dada a prosperidade conjuntural que acompanhou a Segunda Grande Guerra, quando os aliados compravam em quantidades sem precedentes os produtos agrícolas do Paraguai como algodão, tanino, carnes e madeiras (Lewis, 1980), (Nickson, 1993).

Nessas condições, extremamente favoráveis à ditadura, poucas opções restavam aos que se opunham ao regime, que não fossem o exílio ou a escolha de um dentre os vários campos de concentração espalhados pelo interior do Chaco. Para certificar-se de que a dissidência seria pequena, a imprensa seguiria firmemente censurada e os

pyragués (espiões dos pés-de-pluma) espalhados por todos os cantos do país.

Esse ambiente político mudaria repentinamente com a derrocada do Eixo no final da Segunda Grande Guerra, quando os ventos se tornaram desfavoráveis aos regimes pró-fascistas como o de Morínigo e seus congêneres latino-americanos.

A Grande Guerra fora para as repúblicas sul-americanas bastante favorável sob o aspecto comercial e econômico, pois as demandas por produtos primários possibilitaram sucessivos ganhos nas balanças comerciais e saldos positivos nas de pagamento. Entretanto, do ponto de vista político, elas se mostraram bastante contraditórias, pois muitos dos países da região encontravam-se sob regimes autoritários ou de exceção. O Paraguai, por exemplo, foi o primeiro no subcontinente a acolher um ramo do Partido Nazista, por volta de 1931, o qual logrou converter parte importante da elite paraguaia a essa causa. Em maioria, as instituições ligadas aos imigrantes alemães, como escolas, igrejas, hospitais, fazendas cooperativas, grupos de jovens e sociedades filantrópicas, tornaram-se ativas financiadoras do Eixo e muitas dessas organizações ostentavam em seu interior suásticas e retratos de Adolf Hitler.

Tanto Morínigo como muitos dos seus oficiais militares nutriam grande simpatia pelo Eixo e alguns até lideravam certas ramificações locais do Partido Nazista. Cadetes da polícia usavam suásticas e insígnias fascistas em seus uniformes, e o chefe de polícia, num gesto que se tornou famoso no anedotário nacional, chegou a batizar seu filho com o nome de Adolfo Hirohito, tamanho o deslumbramento. Nem mesmo a imprensa ficaria de fora; em 1941, o oficioso jornal paraguaio El País adotou uma postura editorial abertamente pró-alemã, ao mesmo tempo em que o governo exercia rígido controle sobre os sindicatos de trabalhadores que se declaravam pró-aliados.

Figura 4 - Higinio Morínigo ao centro, de óculos, com alguns de seus mais importantes colaboradores em 1946. Fonte eletrônica, acessada em 20/09/05:

http://members.tripod.com/narraciones/paraguay/cap14.html

A crescente influência alemã na região e as inclinações abertamente pró-nazistas dos sucessivos governos argentinos, os quais tinham grande ascendência sobre os militares paraguaios, eram vistas com grande preocupação pelos Estados Unidos, que buscaram reforçar sua presença local através de uma estratégia política que consistia num re-ordenamento das posições de alinhamento regional, levando o Paraguai a um maior estreitamento dos laços econômicos com o Brasil, então tradicional rival argentino, visando com isso retirar o Paraguai da órbita de influência argentina.

Tal política se fez através de uma série sistemática de fundos de ajuda concedidos através de empréstimos ou arrendamentos destinados a obras públicas e também através da assistência técnica para agricultura e saúde. Além disso, com o fito de consolidar os laços entre Brasil e Paraguai, financiaram a construção de uma grande rodovia ligando ambos os países, visando reduzir a dependência paraguaia do comércio portenho. Curiosamente, foi a partir desses eventos que se iniciou a turning point da política externa brasileira em relação ao cone Sul, redefinindo e rearticulando seus

interesses na região. Essa reaproximação estratégica com o Paraguai, iniciada no final do primeiro governo Vargas, atingiria seu ápice nos governos militares, com a construção da hidrelétrica de Itaipu e com o incremento dos fluxos migratórios e do comércio na região fronteiriça.