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A vitória aliada na Segunda Grande Guerra condicionou a liberalização do regime de Morínigo. Tal fato não elucidava as reais intenções do ditador, que via na abertura política e regresso dos exilados uma ameaça potencial ao seu governo. Assim mesmo, pôs em marcha um processo de relaxamento das normas de exceção e uma paulatina abertura política. Para tanto, precisaria desfazer-se de seus antigos colaboradores fascistas da Frente de Guerra, o que acabou provocando uma malograda revolta dos coronéis dessa ala extremista, liderada pelo coronel Benítez Vera, em dezembro de 1946. Tal reação levou a um desbaratamento desse grupo e à substituição por setores militares mais moderados, engajados no retorno à normalidade constitucional.

Esse retorno se daria mediante um governo de coalizão, montado sobre uma esdrúxula composição que envolvia de um lado algumas lideranças febreristas, liberais e até mesmo comunistas, e, de outro, duas alas do Partido Colorado, uma mais branda, liderada por Federico Chaves, e, outra mais radical, encabeçada por Natalício González. De certo modo, apesar do ambiente de otimismo que cercava a perspectiva de retorno à vida democrática e institucional, muitos partidários da frente revolucionária febrerista viam com suspeitas as intenções governistas. Estavam profundamente divididas acerca da conveniência de fazer parte dessa coalizão, tendo em vista a biografia desse ditador, esperto e hábil manipulador, sempre à espreita para dobrar seus adversários e, principalmente, por terem sentido na própria pele as agruras impostas por aquele regime.

Tal suposição não tardaria a se confirmar, pois Morínigo acenava com a participação dos radicais colorados em seu governo já em 1945, quando havia ofertado a embaixada do Uruguai a González, que prontamente aceitou. González não era simplesmente um socialista radical, mas um insuspeito nacionalista, cuja concepção revolucionária era calcada no engajamento tácito entre trabalhadores e camponeses e no

estabelecimento de um Estado nacional forte e unificado, que deveria expropriar os estrangeiros imperialistas e seus acólitos paraguaios e com isso redistribuir sua riqueza.

Segundo Paul Lewis, essa perspectiva fora construída buscando uma identificação mística entre seu ideário socialista e o legado histórico de Francia e dos López, claramente elucidada nos escritos de Proceso y formación.13

Esses escritos tornaram-se famosos e, para o ódio dos liberais, eram acolhidos entusiasticamente como suporte teórico por muitos jovens ativistas.

Nesse sentido, não fica difícil compreender a vinculação entre González e Morínigo, mesmo tendo sido este ultimo um simpatizante declarado do Eixo, mas que compartilhava uma visão autoritária comum como sendo a única via possível para o desenvolvimento nacional.

Ambos tinham também em comum o fato de serem populistas do interior e que concebiam as grandes democracias capitalistas simplesmente como um poder imperialista na região. Não tardou e González iniciou seu plano de conduzir os colorados ao poder com o apoio velado de Morínigo.

Sua estratégia não incluía nem eleições nem uma convenção constitucional; consistia, sim, no incitamento à deterioração do quadro político e institucional, que propiciasse uma saída de cunho autoritário para a instauração de um novo regime, e que este fosse controlado evidentemente pelos colorados.

Para tanto, ele montou uma organização paramilitar denominada Guión Rojo, que se caracterizava por ser uma fanática e bem-treinada tropa de choque, cujo objetivo era controlar as ruas e desmantelar as atividades dos partidos rivais. Muitas das ações guionistas ocorriam sob certo beneplácito da polícia, cujas intervenções se davam mais contra os agredidos do que propriamente contra os agressores.

Essas ações envolviam desde sabotagens às gráficas de jornais oposicionistas como “El País” e “El Pueblo”, até atentados contra seus redatores e articulistas. Para colaborar com o clima de instabilidade, setores reacionários da Igreja Católica deram início a uma série de protestos e marchas anticomunistas, exigindo o cerceamento das atividades desse partido no Paraguai.

13 He argued that such a socialist commonwealth was quite within Paraguay’s traditions and pointed to the authoritarian systems of Francia and the Lópezes as the period in wich Paraguay had attained her greatest independence and prosperity ( Lewis, 1980, p. 30).

Diante de um iminente retrocesso político e do complô colorado visando manter o regime de Morínigo, a propalada eleição não se realizaria; destarte, a guerra civil se tornara inevitável.

A frágil e excêntrica união revolucionária liderada pelo coronel Rafael Franco tinha somente em comum o desejo de ver a derrocada do regime de Morínigo. Mas tal proposição não fora suficiente para vencer a coalizão governista, que contava com dois importantes trunfos: o apoio de uma grande milícia camponesa armada, os py nandí (pés descalços), juntamente com as milícias guionistas, e a decisiva ajuda do aguerrido regimento de artilharia “General Brúgez”, comandado por um então desconhecido tenente-coronel, Alfredo Stroessner Mattiauda.

Esse regimento ousou rechaçar furiosamente as posições dos insurgentes da base naval de Assunção, posicionados num estratégico bairro operário da cidade, o que acabou debilitando irreversivelmente a iniciativa rebelde 14.

De certo modo, foi também a relutância de algumas unidades do exército simpáticas à causa rebelde em aderir ao movimento, e a indecisão das tropas vindas do Chaco e de Concepción em invadir a capital que fizeram com que os revolucionários perdessem o momentum, permitindo destarte que Morínigo e seus aliados colorados organizassem suas defesas (Lewis, 1980).

O bombardeio da base naval e de suas cercanias se converteria num dos episódios mais sangrentos dessa guerra civil e entraria para os anais da infausta história militar paraguaia, não somente pela violência que se seguiu à rendição rebelde, mas também pela indelével marca que um novo oficialato imporia à vida política do país. O prelúdio de um tenebroso período.