• Nenhum resultado encontrado

Não fosse, segundo Lewis(1980), a retomada da antiga rivalidade entre Brasil e Argentina pela supremacia regional, o Paraguai teria deixado totalmente de existir. A ocupação e controle do país pelo exército brasileiro durante os seis anos que se seguiram à guerra levou o seu comando a assumir o papel de árbitro político encarregado da seleção e escolha de presidentes fantoches. Por outro lado, os argentinos também exerceriam sua influência no governo, pois muitos dos políticos paraguaios encontravam-se entre seus escalões burocráticos, uma vez que, tendo sido exilados em Buenos Aires, retornaram à sua pátria como membros da Legião Paraguaia, um destacamento militar formado no exílio e que tinha lutado durante a guerra junto ao exército argentino.

Esses legionários eram em sua maioria descendentes da velha classe alta paraguaia, que haviam deixado o país durante os governos de Francia e dos López. Estavam assim determinados em seu retorno a varrer qualquer vestígio do antigo regime. Um dos seus primeiros atos, em 1870, foi redigir uma constituição democrática, logo após terem iniciado a venda das terras e empresas estatais. Devido aos preços módicos, muitos compradores estrangeiros foram atraídos ao negócio. Tal generosidade rendeu aos governantes legionários bons créditos no exterior e principalmente dois grandes empréstimos concedidos prontamente pelo British Banking Firm of Baring Brothers.9

As disputas entre os próprios legionários envolvendo a presidência só poderiam ser amenizadas com a mediação das forças armadas brasileiras estacionadas no país. Entretanto, com o crescente endividamento do tesouro e o elevado custo de manutenção das tropas de ocupação, o governo imperial viu-se obrigado a removê-las, o que veio a ocorrer em 1876. Um ano após a retirada das tropas brasileiras, o titular da presidência, Juan Bautista Gill, seria deposto e assassinado por uma revolta militar liderada pelo general Bernardino Caballero, líder nacionalista que lutara ao lado de Solano López até o fim. Por esse motivo era aclamado como herói por seus correligionários.

Permaneceria na cena política e institucional paraguaia por pelo menos vinte e sete anos, impondo uma aparente ordem no Paraguai, primeiro como presidente da

9 Segundo Teodosio González, unfortunately for Paraguay, the Legionnaires seized most of this money as their personal spoils; little of it ever reached the treasury or went to any good use. The country was simply left with another enormous deb”.(Apud, Lewis, 1980, p. 19)

republica, entre 1880 e 1886, e depois como líder das forças armadas. Caballero foi também o fundador da Asociación Nacional Republicana, que se tornaria popularmente conhecida como Partido Colorado e que dominaria a vida política do país de 1880 a 1904.

Seu governo, como os que o antecederam após a guerra, permaneceu mergulhado na mais completa bancarrota financeira, e, para o seu infortúnio nacionalista, teve que dar prosseguimento à política liquidacionista, iniciada pelos legionários, da venda de ativos públicos, como fazendas estatais, ferrovias, fábricas e minas, freqüentemente entregues a preço de barganha a gananciosos especuladores estrangeiros. Nesse processo, grandes áreas rurais passaram para as mãos de latifundiários estrangeiros absenteístas, alijando de suas terras os miseráveis camponeses, órfãos do antigo Estado paternalista.

Essa agremiação política nunca fora unida nem homogênea, e à medida que Caballero ia perdendo sua força no controle da máquina partidária várias facções começaram a aparecer. Alguns colorados que fizeram fortuna através da especulação de terras tornaram-se conservadores; outros, descontentes por não lucrarem o suficiente, aguardavam o momento oportuno para se verem livres daquele governo.

Nesse ritmo, o partido foi paulatinamente se tornando menos radical em suas proposições nacionalistas e mais negligente na admissão de questionáveis elementos entre suas fileiras, o que proporcionaria, dois anos mais tarde, em 1904, o retorno dos liberais ao poder, com a invasão armada comandada pelo capitão Benigno Ferreira, antigo desafeto dos lopistas (Nickson, 1993).

O retorno dos liberais não significou a instauração de um Estado democrático, mas a substituição de um forte regime militar por um fraco governo civil, envolto num permanente clima conspiratório. Ao longo dos dezoito anos de governo liberal, quinze diferentes homens passaram pela presidência, culminando com uma devastadora guerra civil entre as duas principais facções liberais10.

10 Segundo Ceres Moraes, “Apesar de sua longa permanência no comando da política paraguaia, o Partido Liberal não implantou os princípios liberais de governo. A exemplo do Partido Colorado, não conseguiu promover o desenvolvimento econômico do país nem sua estabilidade político-institucional. As lutas internas e disputas de facções, bem como o ‘estado de sítio’ e os golpes de estado promovidos pelos membros do Partido, com apoio de chefes militares, foram constantes, constituindo-se numa das principais características do período. Em 1936, foi afastado do poder pela chamada Revolução Febrerista, mas voltou a ele em 1937, com o General Estigarríbia. Com a morte deste em 1940, e a ascensão do General Morínigo e dos Colorados as principais lideranças liberais foram exiladas e o partido colocado na ilegalidade”. in Moraes, Ceres. Paraguai: A consolidação da ditadura de Stroessner: 1954-1963. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000, p. 20.

Entre 1924 e 1936, houve um relativo retorno à normalidade institucional do país, que se seguiu a três administrações liberais, apesar do aprofundamento da crise econômica e do deplorável estado das finanças públicas, destroçadas por seguidas revoltas e conluios internos. No entanto, a calma aparente era ilusória, pois tanto os colorados se recusavam a participar do jogo eleitoral como crescente número de liberais dissidentes também sonegava sua lealdade ao sistema, que em linhas gerais preservava a iniqüidade social. (Lewis, 1980). Em síntese, a política liberal do laissez-faire permitiu a um punhado de hacendados, liberais e colorados, exercerem um controle quase que feudal sobre as zonas rurais, deixando a maioria dos camponeses perecerem sem terras para plantar, enquanto o destino econômico do Paraguai era manipulado por escusos interesses estrangeiros. Na realidade, o liberalismo paraguaio, que se apregoava modernizador e antimilitarista, fora em essência conservador e antipopular, produto, segundo Donghi (1975), da influência dos interesses argentinos sobre os brasileiros e do predomínio da elite exportadora sobre os setores agrários.