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2. TURISMO E CULTURA REGIONALIZADOS NAS CIDADES DO

3.1 A história do Acre e os elementos identitários

O Estado do Acre é conhecido como uma parte do território brasileiro outrora pertencente à Bolívia, incorporado ao Brasil em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis 57. Sua população é originária do norte e nordeste brasileiro, composta em sua maioria por cearenses, comerciantes sírio-libaneses e os índios que aqui habitavam antes da chegada do homem branco.

Situa-se no extremo oeste brasileiro e sudoeste da Amazônia brasileira, com altitude média de 200 m, entre as latitudes de 7°06 ´56”N a 11º08'41"S e longitude 73º48'05"N a 68º42'59"S, compondo o quadro dos 27 estados brasileiros. É o 15º em extensão territorial, possuindo uma área de 164.221,36 Km², correspondente a 4,26% da Região Norte e a 1,92% do território nacional. Os limites do Estado são formados por fronteiras internacionais com Peru a Oeste, Bolívia ao sul e por divisas estaduais com os estados do Amazonas ao Norte e Rondônia a Leste. Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Feijó, Tarauacá e Sena Madureira são as cidades mais populosas. (ACRE, 2006).

Acredita-se que o nome Acre originou-se de “Aquiry” palavra procedente da nação indígena Apurinã do tronco lingüístico Aruak, (utilizando a pronúncia proparoxítona, na língua indígena), conforme explica Tocantins (1979, p.17-18) em

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Acordo assinado em 17 de novembro de 1903 com o objetivo de encerrar o litígio entre Brasil e Bolívia pelas terras do Acre. Mais informações em CALIXTO, Valdir de Oliveira. Plácido de Castro e a Construção da ordem no Aquiri: contribuição à história das idéias políticas. Rio Branco: FEM, 2003.

nota explicativa. A história do estado começa a se definir em 1895 com a demarcação dos limites territoriais entre o Brasil e a Bolívia, com base no Tratado de

Ayacucho em 1867 58. Nesse processo constatou-se que do ponto inicial da linha divisória, na nascente do rio Javari, as terras exploradas por brasileiros pertenciam à Bolívia. Ao saber disso o país se mobilizou para tomar posse da terra, instalando aduaneiras 59 e passando a dominar o comércio dos rios e a cobrarem impostos da produção dos brasileiros com medidas restritivas como, cobrança de altos impostos, demarcação dos seringais, opressão aos nativos e abertura dos rios amazônicos ao comércio internacional. Esse período ficou conhecido na história como os "Cem dias de Paravicini".

Com a viagem de Paravicini para Belém permanece em seu posto Moisés

Santivañez. Os proprietários de seringais, seringueiros e comerciantes da região

aproveitam o período de fragilidade para discutir a tomada do poder dos bolivianos. A primeira reunião revolucionária aconteceu no seringal Bom Destino, de Joaquim Vitor, na qual decidiram pela criação da Junta Central Revolucionária liderada por José Carvalho em 30 de abril de 1899. A inssurreição em si desponta no dia 1º de maio do mesmo ano, quando a Junta rende e expulsa, sem armas ou tiros, os bolivianos de Puerto Alonso, os quais se retiram para Manaus em 03 de maio de 1899. Mais tarde, os implicados no movimento são demitidos de seus cargos, por serem funcionários do governo do Amazonas no município amazonense de Floriano Peixoto, vizinho à região das terras em litígio.

Em análise podemos compreender que a história do Acre exemplifica a força da memória coletiva como referências que estruturam as memórias, inserindo-se nas da coletividade a que pertence, esses são os lugares da memória, denominados por Pollak (1992) em que o patrimônio arquitetônico, os lugares, as datas, os personagens históricos, as tradições e a culinária são referências que acompanham as pessoas para o resto da vida. A cultura existente se desenvolve com base na memória coletiva; apostando que ela se beneficia da memória da coletividade, não basta pôr seus testemunhos à mostra, é preciso que ela continue concordando com as memórias e referências individuais. A sociedade acreana associa suas memórias

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Acordo internacional celebrado entre a Bolívia e o Brasil em 27 de março de 1867 para demarcar suas divisas territoriais, fixando como linha demarcatória, a confluência do Rio Beni- Mamoré no sentido Leste.

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As alfândegas, como são conhecidas no idioma espanhol. Um lugar utilizado para a cobrança de impostos na região de fronteira.

a estes lugares como meio de reforçar sentimentos de pertencimentos e fronteiras sócio-culturais 60.

Pollak (1992) cita a tradição metodológica durkheimiana que trata os fatos sociais como coisas e possibilita tomar diferentes pontos de referências como indicadores empíricos da memória coletiva como uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, evento que define o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento.

Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recorda,

possa ser reconstruída sobre um fundamento comum.(POLLAK, 1992, p.4)

Segundo o autor, não basta a seletividade da memória, para conciliar a memória coletiva com a memória individual, necessita, também, da inversão dos trabalhos de memórias atuais e lembranças reconstruídas sobre base comum daquelas coletivizadas do passado. Não se trata de analisar os fatos sociais do passado no Acre como simples movimentos, eles por si só são referências, mas de analisar como estes fatos sociais se tornaram representativos, como e por que são solidificados e dotados de duração e estabilidade. A ocupação do Acre pelos cearenses, a brutalidade para com os nativos, a apropriação da força de trabalho, da produção da terra pelos amazonenses e desbravadores e a presença e opressão boliviana, ressurge mais tarde, como uma memória subterrânea, indignada e insubordinada na luta armada que é a Revolução Acreana.

A população de cearenses e outros ocupantes do Acre, no ano de 1899, no momento em que se rebela contra o domínio boliviano se reunindo secretamente no chalé do coronel Joaquim Vítor para criar a Junta Central Revolucionária, que rende e expulsa os bolivianos de Puerto Alonso, é o que Pollak (1992) chama de memória subterrânea, que vem dos marginalizados, excluídos e das minorias. Ela permanece latente na memória coletiva através da oralidade, podendo emergir momentaneamente, é parte integrante das culturas minoritárias, dominadas e geralmente, se opõe à “memória oficial”, ou memória nacional. A atitude de inssurreição dos colonizadores do Acre foi um posicionamento de contestação à

60 Mais informações em ANSARA, S.2000). Repressão e Lutas Operárias na Memória Coletiva

da Classe Trabalhadora em São Paulo: Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. São Paulo: PUCSP, 2000.

ordem nacional vigente. O poder boliviano foi aceito até o momento em que o silêncio reinava, a partir do momento, que a crise se acentua, a ordem é quebrada, surgem a revolta, os conflitos e disputas de territórios.

Ao estudar as memórias subterrâneas o autor cede espaço para destacar o turismo, como fator de perpetuação da identidade e símbolos de memória, dado o valor da história oral. Em alguns lugares, pela ausência ou falha na implementação da memória oficial a atratividade se reside na história oral, os fatos abordados pela oralidade tornam-se atrativos turísticos, sejam eles, o caso do matuto sertanejo, das doceiras da cidade de Goiás, das paneleiras do Maranhão ou dos seringueiros soldados da borracha no Acre 61, as histórias contadas sem registro oficial são muito atraentes para o turismo. A prática de valorizar os contadores de causos possibilita conhecer fatos só existentes nas memórias individuais contextualizadas, abordando elementos presentes nas subterrâneas que afloram quando for necessário.

Descobrem-se de maneira sintética, os elementos identitários das populações tradicionais do Acre presentes nos fatos, lugares e personagens da história:

[...] os proprietários de seringais, seringueiros e comerciantes da região insatisfeitos com as normas bolivianas de profundas implicações sócio- econômicas, reguladoras da vida social, extrativista, e indignados com o decreto que abria os rios ao comércio internacional, decidem lutar contra o

domínio boliviano.(CARDONI, 1986, p.3).

Percebe-se que é um ato de defesa de suas identidades processadas nos viveres e saberes constituintes da vida cotidiana. Os habitantes do Acre defendiam, naquele momento, suas relações cotidianas e o apreço pela terra, como territórios legítimos, restavam-lhes defender o vivido, os valores simbólicos culturais materiais e imateriais de sua época. Neste sentido, a defesa era por territórios tradicionais de séculos de ocupação efetiva, onde a longa duração dessas ocupações fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais. O fato de seus territórios ficarem

61 Durante a Segunda Guerra Mundial no período de 1942 a 1945 a Europa foi protagonista do

episódio que mudaria para sempre a história política, econômica e social do mundo moderno. Os americanos preocupados com a produção de matérias-primas para manutenção da guerra, assinaram acordo com o Brasil para fornecimento da borracha vegetal. Foram convocados mais de 50 mil brasileiros, oriundos do Nordeste do Brasil, para o serviço militar e encaminhados à Floresta Amazônica. Estes se tornaram os “Soldados da Borracha”. Mais de 20 mil morreram. Até hoje os sobreviventes da conhecida “Batalha da Borracha”, buscam o reconhecimento do Governo brasileiro como ex-combatentes de guerra, uma vez que prestaram serviço militar para a vitória dos Países Aliados. Mais informações em CÂMARA DOS DEPUTADOS CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO Mariete Pinheiro da Costa. O PARLAMENTO E OS SOLDADOS DA BORRACHA NO LIMIAR DA 2ª GUERRA MUNDIAL. Brasília, 2007. Disponível em: <http://apache.camara.gov.br/>.

fora do regime de propriedade da época, não faz com que a coletividade a identifique como ilegítima, pelo contrário, mostra força, resistência e persistência cultural. Pois, como expressa Little (1994), “a expressão de territorialidade, não reside na figura de títulos de propriedades, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora símbolos e identidades” 62.

Os principais valores constituintes da população acreana caracterizam-se por vincularem-se à preservação proveniente da inter-relação com a fauna e a flora amazônica e uma boa dose de territorialidade, no sentido de defender o que é legítimo: o seu lugar e os seus pertences. Dessa inter-relação, surge uma população impregnada de saberes tradicionais, política forte, vibrante e orgulhosa de seu passado. Esta presença é manifestada para os turistas no seu “saber-fazer”, na sua cotidianidade, nos usos medicinais das plantas na culinária e na manutenção das representações sociais ligadas à preservação das atividades produtivas, que permite a sobrevivência com honradez, em que o simples “viver e comer do suor do seu rosto” lhe dignifica a vida e o torna feliz e satisfeito.

Compreende-se que a produção social e cultural do espaço vivido pelas populações tradicionais expressa os elementos identitários constituídos pelos saberes e inter-relação das pessoas com o meio ambiente. A definição e redefinição destes elementos pode causar uma dissociação entre as técnicas, a cultura e o meio ambiente, mas, com certeza, suas identidades impregnadas de lutas e conquistas propiciam o ambiente favorável ao retorno das origens, como reflexos distantes, mas possíveis na figura de heróis, como Galvez, Plácido de Castro, e outros estadistas que deram autonomia para o Acre em uma época de direitos políticos limitados. Certamente estes símbolos provocarão um retorno aos valores socioculturais identitários, caso afastem-se de seus lugares de memórias.

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Mais informações em LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. 2002. In.: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 23ª, Brasília: UnB, 2002. Disponível em: <http://www.unb.br/ics/dan/Serie322empdf.pdf>

3.2 O Estado Independente do Acre e a República de Luiz Galvez: uma