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5. O ACRE AMAZÔNICO CULTURAL COM PRINCÍPIOS

5.2 A vivência e interação do homem com a floresta amazônica

Na Amazônia as relações socioculturais estão intrinsecamente entrelaçadas com o meio ambiente, em que a cultura não é um poder que manobra os comportamentos, os acontecimentos sociais, as instituições ou os processos da vida produtiva, é um contexto no qual as relações sociais e culturais acontecem motivadas pelo meio e contribuem para o processo de formação dos indivíduos. A influência do meio ambiente amazônico, contidas na vivência com os seres reais e os que povoam o imaginário (as lendas, mitos, crenças) e as relações sociais com as pessoas contribuem para formar uma identidade regionalizada e identificar a floresta como uma espécie de escola que educa para a felicidade, para o viver feliz em que a satisfação do florestano se resume em obter o essencial, o necessário para sua sobrevivência com dignidade. Isto não significa que o habitante da floresta não queira o melhor para si e sua família, na verdade, o melhor, em questão, é a vida digna.

Esta recorrência de atitudes pautadas nos valores e práticas sociais é precedente de uma educação voltada para os conhecimentos básicos de uma vida comunitária, apreendida com os pais, com a vida familiar e com seu habitat natural, ou seja, é uma aprendizagem que se dá pelo exemplo e experimentação. Para os indígenas a tradição cultural dos antepassados tem valor fundamental na aprendizagem para a vida, as famílias das populações tradicionais vivem em regime semi-comunal, o que uma família produz divide ou troca com os vizinhos, a caça e a pesca são divididas e a colheita é moeda de troca. Desde cedo a criança aprende a preservar e respeitar o trabalho e a oralidade, o que é falado pelos mais velhos. Valorizam-se os afazeres domésticos e a ajuda dos filhos aos pais na lavoura como processo educativo de aprendizagem e preparação para a vida produtiva adulta.

As crianças brincam com o que mais gostam e se identificam, fabricam seus próprios brinquedos, na verdade, instrumentos de trabalho dos adultos miniaturizados, arco, flecha, canoas, remos, cestos, armadilhas de caça e de pesca, aprendem a andar na mata, reconhecer e se esquivar dos animais nocivos, elas brincam e com isso se preparam para a vida, uma preparação na qual o simples sustento da própria vida e da família traz dignidade e felicidade. Os pais indígenas não ensinam os filhos a ganhar dinheiro, porque não veem no dinheiro a felicidade, ensinam o valor fundamental da terra e do sustento da família, pois ela propicia a vida tranqüila e feliz.

Com relação às populações ribeirinhas da Amazônia, nota-se o mito é um elemento fundamental para compreender a processo de construção da identidade, decorre do imaginário as lições de vida para vencer as contradições e a complexidade dos problemas e desafios da realidade, do mundo físico construído. As histórias do boto, da cobra grande, do curupira, do mapinguari e outros seres mitológicos da floresta são construídos no imaginário popular para preservação dos valores sociais relativamente descriminados e para a preservação da natureza.

Isso pode ser percebido na lenda do boto que engravida a jovem incauta, pois há uma preservação da jovem e da família da vergonha e desprezos públicos, pelos valores morais tradicionais constituídos a jovem que engravida sem ter um marido, deve ser lançada fora da família para salvar a honra dos pais. Outra lenda é da Mãe- da-mata que preserva a natureza porque protege os animais da caça-crime predatória. A caça com cachorro é injusta, porque o cachorro treinado fareja e denuncia a caça escondida em sua própria casa para que o caçador a mate.

Quando o caçador caça desnecessariamente e costumeiramente com cachorro, a Mãe-da-mata aparece e açoita violentamente o animal, sem que seu dono saiba de onde vêm os açoites, o animal, com medo, volta para casa correndo. Nesse sentido, observa-se que o alegórico preserva a identidade construída no vivido, os realismos e narrações fictícias transpõem o imaginário, o lendário e o mítico para o que é real e assim as narrativas místicas perpetuam-se nas culturas e valores. Tais ensinamentos e expressões lendárias traduzem a cultura popular com significados permanentemente atribuídos ao mundo, como defende Cavalcanti (2001, p.72):

Cultura não são comportamentos concretos, mas sim significados permanentemente atribuídos pelos homens ao mundo. São fatos e processos que atravessam as fronteiras entre as chamadas cultura popular, erudita, ou de massa, e mesmo os limites entre as diferentes camadas sociais. São veículos de relações humanas, de valores e visões de mundo.

Por serem veículos de relações humanas e visões de mundo diferentes, o mítico, o folclórico e o imaginário não são devidamente valorizados pelas populações dos centros urbanos como o são pelos da zona rural. Apesar da crença e respeito, as populações dos centros urbanos amazônicos os banalizam e vulgarizam os elementos do imaginário social tradicional rural, ou ainda, de forma mercantil, os reproduzem “caricaturizados”. Em outras palavras, mostram e transformam em simples figuras “folclorizadas” e às vezes até ridicularizadas os elementos do imaginário social, simbólicos, repletos de conhecimentos e sabedoria das populações tradicionais. Os mitos, lendas, folclore, conhecimentos, tradições, usos e costumes, a música, a poesia, os contos, as artes plásticas de naturezas mortas da floresta, e o artesanato amazônico devem ser respeitados visto que são elementos de identidade e cultura regionais.

No Acre as expressões “Governo da Floresta” 88, “Florestania” 89 e “Novo jeito de Caminhar” 90 são como as luzes da poronga91 nos varadouros92 da sua

88

Designação dada para a gestão do governo do Estado do Acre desde 1992.

89

A palavra “Florestania” nasceu no Acre. Um de seus criadores, o jornalista e escritor Toinho Alves, explica que surgiu quase como uma brincadeira nos anos 90. Após passarem 15 anos andando pela floresta conversando com índios, seringueiros e ribeirinhos num trabalho desenvolvido por uma organização não governamental, ele e outros jovens militantes estavam envolvidos nas discussões do planejamento estratégico, quando um dos membros do grupo, Jorge Nazaré falou: - Cidadania? Isso

é coisa de gente da cidade. Aqui na Amazônia o que nós precisamos é de florestania. Mais

identidade, aumentando as esperanças de construção de uma sociedade amazônica original inspirada na história, na cultura e valores culturais tradicionais. Naturalmente, estes referenciais culturais amazônicos regionalizados dos povos da floresta, na verdade, são buscas por formulação de políticas públicas que valorizem a história e a cultura, não para glorificar a lógica dos “colonizadores” de conhecer para dominar, mas de “descobrir” que o isolamento, a baixa densidade demográfica e o pouco desenvolvimento globalizado contribuíram para a formulação de identidades culturais capazes de provocar mudanças de paradigmas.

A política governamental acreana do final da década de 90 agiu acertadamente quando associou a política de comunicação do Estado às ações da Educação e da Cultura, gerando na sociedade a consciência de suas raízes e da necessidade de preservação da cultura e do meio em que vive. Nesse contexto, a comunidade aceita as "diferenças" e se desperta não para encontrar o caminho certo, mas para um novo jeito de andar neste caminho. O índio ou o seringueiro enquanto Secretário de Estado traz para o debate institucional e público o jeito de viver de seu povo ao mesmo tempo em que direciona as políticas públicas para o fortalecimento de suas comunidades. Isso gera na comunidade sentimentos de apropriação, de defesa das convicções e de valorização da cultura.

Com relação ao turismo na região, a modalidade que mais se destaca é a de natureza, tanto pela divulgação como pelos equipamentos existentes. O estado do Amazonas é o que mais se destaca nesta área, foi pioneiro em ofertar alojamentos de selva, os lodges ou hotéis de selva, empreendimentos construídos no meio da selva, nas margens dos rios ou em palafitas sobre as águas tranqüilas de um lago. Os resorts, em sua maioria, são espalhados em bangalôs individuais com um salão 90 Refere-se à ideologia adotada pelo Governo do Estado do Acre para desenvolver seu plano de

governo inspirado no poema “Volto Armado de Amor” do poeta Thiago de Melo e utilizado como epígrafe deste capítulo.

91 Parecida com a lamparina a poronga é de confecção caseira feita de folhas de zinco importado tem

um recipiente para o combustível e um bico por onde sai pavio feito de algodão que umedecido provoca uma chama tênue, ao lado do pavio uma pequena lâmina ovalada tem a função de impedir que a chama acendida se apague ao caminhar. Todo esse instrumento é assentado sobre uma espécie de coroa que acoplada à cabeça do seringueiro o permite andar na mata e fazer o corte da seringa com mobilidade, luminosidade e sem que ela caia de sua cabeça.

92 Expressão muito utilizada no Acre e sul do Amazonas se refere aos caminhos abertos na mata

capaz de dar passagem somente a pessoas e no máximo animais de cargas. Na época da colonização eram os únicos meios de acessos de uma a outra colocação de seringueiros. Os varadouros sinalizam o trajeto de uma futura estrada. No texto, com apelo ao subjetivismo, significa os caminhos.

central para refeições e festas, cuja cozinha dispõe de iguarias para todos os gostos desde os mais simples, caboclo, regional aos mais sofisticados da cozinha internacional. Contam com passeios em trilhas interpretativas, arvorismo, rapel em árvores, passeios de barcos e outras atividades turísticas recreativas acompanhadas de guias regionais ou condutores locais.

Porém se o turista se interessar por lugares com estruturas mais rústicas e com interação comunitária existem locais que oferecem estes equipamentos e serviços, em que as habitações são simples, sem luz elétrica, lugares onde se acende lamparinas e se dorme em redes. No Acre, por exemplo, já existem pousadas de muito bom gosto, nas quais o turista pode passar dias agradáveis de interação com a natureza e com as comunidades locais. Isto se difere do turismo desenvolvido no Amazonas e na região de Madre de Dios, uma vez que, na maioria dos casos, os bangalôs são assistidos por empresas terceirizadas e a comunidade fica distante. Nesse aspecto, o turismo em Xapuri, mais especificamente, no Seringal Cachoeira, no momento, é o que mais se destaca no turismo vivencial ou experiencial e onde se encontram as maiores evidências da vivência e interação do homem com a floresta amazônica.

5.3 A cultura acreana e amazônica desmistificada: uma perspectiva