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A IMPORTÂNCIA DO OUTRO PARA A CONSTITUIÇÃO DO TEMPO

2. CONTRIBUIÇÕES DO TEMPO PARA A ORGANIZAÇÃO DA MENTE 1 CONCEPÇÕES DE TEMPO

2.4. A IMPORTÂNCIA DO OUTRO PARA A CONSTITUIÇÃO DO TEMPO

Green (2000) refere que logo que a temporalidade não é nem elementar (baseada nos ritmos, pulsações e outras fisiologias corporais) – a primeira - e ainda antes de se instalar a separação do objecto instauradora do tempo (que conduz à abstracção e ao pensamento), está aberta a temporalidade pela experiência do outro. O tempo do outro designa um Não-Eu, que faz de si próprio um estrangeiro, e ao mesmo tempo obriga ao reconhecimento de qualquer coisa de si próprio dentro desse outro que faz dele um familiar e não um estranho, estrangeiro. Para Green, entre o

79 tempo do Eu e o tempo do Outro uma via é encontrada, aquela de um tempo de reencontro entre os dois. Ele defende que a importância do objecto deveria ter sido considerado ao se substituir o referente da representação pelo referente da acção, com a pulsão de morte, que impõe um curto-circuito na representação (1920, Freud). Porque o objecto é aquele que testemunha de modo constante a passagem do presente logo tornado passado. Embora não seja uma referência fixa do tempo, porque também é movido pelo tempo, partilha com o sujeito o mesmo momento, isto é, faz coincidir a experiência que o sujeito transporta e que assim passa a fasear: o objecto tem uma função de temporalização. Mas o objecto é também aquele em quem o sujeito se apoia para derivar a sua sexualidade, é também aquele que desampara. Nestes momentos só a temporalidade activa, que é a repetição do fantasma primitivo omnipotente que acredita imobilizar o tempo, pode fazer cessar o retorno do desamparo. Mas esta é uma luta segundo Greeen da morte do outro, que é sentida como equivalente à neutralização do horror do desamparo, ou ainda, ao fim da espera. Esta luta acarreta sempre a perda daquele que deseja a vitória sobre o objecto. O analista deve então repor a temporalidade suspensa ou congelada, e a temporalização dá-se via objecto. Mas só um objecto psíquico e mentalizante é que é um organizador do tempo, porque garante a representação. A primazia do outro, a omnipresença do objecto, obriga a uma recusa em absoluto toda a ideia de permanência inalterável ou de uma recordação que não seja atravessada pela história e presença do outro.

Priel (1997) é um autor que, baseando-se em Winnicott, constrói um enquadramento teórico em que se refere à constituição do sentido do tempo, como partindo da díade mãe bebé, sendo uma do self-com-o-outro. Acresce ainda uma outra noção dada ao tempo, é que só com uma adaptação temporal mútua no tempo para os cuidados, afectos, necessidades, etc., é que esta díade se pode constituir como relação intersujectiva, É um tempo cronológico. Este timming adequado permitirá com o desenvolvimento a “capacidade de estar só”, a capacidade de relacionar passado-presente-futuro, a diferenciação Eu-outro, a integração do Ego e a narrativa. Para Priel (1997), este padrão temporal sugere que a relação dos pacientes com o tempo pode ser tão ou mais importante como quaisquer outros aspectos relacionais da sua vida. Estas experiência relacional pode ser sincrónica e por isso ser acomodante e consolidar um sentimento de continuidade, como podem ser

80 diacrónicas e transformativas, levando à mudança. Pelo que estas interacções têm um tempo certo para serem exercidas e um tempo certo para falharem, na medida em que permitem transformações e autoregulações mútuas. Fora desse tempo, elas não permitem a constituição de um sentido de tempo.

Ele baseia-se em estudos empíricos (Trevarthen, 1977 e 1992, Stern, 1985, Braten, 1988, citados por Priel em 1997) que demonstram que a estrutura temporal é construída a partir das interacções mãe-criança, principalmente na sincronia e ritmicidade encontrada; e que a arritmicidade, a diferença, e os intervalos de tempo não interactivos, são importantíssimos para a construção da diferenciação Eu-outro, um componente essencial para a constituição do sentido do tempo. Sander’s (1984, citado por Priel, 1997) refere que esta regulação começa com os processos básicos biológicos (sono-vigília, fome e satisfação, etc.) e procede através de uma sequência de coordenações mútuas inferidos entre o cuidador e a criança, sobre sentimentos, intenções, objectivos e expressões. Os períodos de discontinuidade no cuidado materno, durante o qual a criança permanece acordada, desligada de estimulação interna e externa. Neste “espaço aberto” a experiência subjectiva da criança começa, fora dos controlos exercidos por fontes quer internas, quer externas. Stern and Gibbon (1979, citado por Priel, 1997) salientaram que as diferenças no comportamento temporal da mãe (diminuição e aumento de ritmo, irrupções de actividade e das trocas), afectam os níveis de vigília ou níveis afectivos, de modos específicos relacionados com ambos. Stern concluiu que temporalidade e afecto são intimamente ligados.

Com Amaral Dias (2001) estas ideias “arrumam-se”. Para ele o nascimento é o momento que nos introduz no tempo, de modo traumático. O feto é expulso de um meio aquoso e protegido que filtra os estímulos, passa para um mundo extremamente estimulante e completamente diferente do anterior (Otto Rank referido por Amaral Dias). Este momento, o da mais abrupta separação, é apenas um gerador metafórico, ou seja, um momento ao qual se atribui – a posteriori - este significado. A esta experiência vai seguir-se um determinado tempo de dependência, o mais prolongado de todo o Reino Animal: o processo de desenvolvimento e maturação do novo ser, porque o bebé humano é o que nasce mais prematuro. A prematuridade é tal que uma das estratégias de sobrevivência da espécie, são as competências do bebé e da mãe para os cuidados que o bebé irá necessitar por longo período de tempo – ele é

81 portanto totalmente dependente da relação com o Outro. Portanto, o desenvolvimento biológico (e psicológico, naturalmente) do recém-nascido depende da existência de alguém que se lhe vincule e que o cuide, isto é, nós somos biologicamente determinados para a relação, para a vinculação. A multiplicação destes dois, mais as circunstâncias do meio ambiente, irão capacitá-lo para tolerar aquilo que é mais específico ao humano: a consciência do tempo, que é na realidade a consciência da sua própria morte.

É através da relação que se gera uma dupla temporalidade no humano. Por um lado ele é inevitável e totalmente dependente para a sua sobrevivência, e leva o sujeito a criar uma ilusão, a da solução do problema da morte através da relação ao Outro; por outro lado, o outro “salvador” não salva, não vai estar sempre presente, não vai satisfazer sempre (e se o fizer, mal ficaria, o que está em acordo com todas as teorias que implicam a relação objectal) e assim é precisamente pelo outro que o bebé prematuro sente o desamparo. Portanto, o Outro salva e o Outro mata, ou pode salvar e/ou matar. Esta é também uma duplicidade relacional, um dupla relação ao objecto.

Mas sempre que não há presença (não há satisfação), ou simplesmente não há os cuidados esperados, há uma experiência fortíssima emocional de desamparo. Sobre este lugar tem de ser realizada uma costura, e esta acção de costurar implica o reconhecimento de um lugar “radicalmente perdido”. Mas esta é a condição da espécie: “não há forma nenhuma de resolver o desamparo (no seu sentido último que é a morte). Por isso a ausência do objecto é constitutiva e radical. A condição Humana é o desamparo e as tentativas de lidar com essa insuportabilidade. Uma delas é gerando a relação a Eros, o vínculo. Outra forma de lidar com o sofrimento é pelo efeito da pulsão de morte tal como o autor a re-evoca de Freud: o lugar do não ser, o lugar da ausência, o retorno ao estado originário, o lugar onde não existem tensões, o principio da constância, como salvação, como inexistência da diferença, da separação, do ser.

O jogo da presença e ausência com a figura de relação de dependência depressa se converterá em emoções, também elas duplas: amor e ódio. Emoções vistas do ponto de vista bioniano, como lugares de vinculação, que podem ser polarizadas no caminho que vai das positivas (as emoções que se manifestam: “+”) e negativas (as emoções contra as quais se luta: “-“ ou que se impede a sua manifestação). É importante salientar a terceira emoção que Bion postula, o

82 conhecimento (emoção vinculativa e também polarizada), que permite que as emoções ganhem sentido e portanto que sejam representadas mentalmente. Já vários autores auqi citados salientam o conhecimento como forma de lidar com o tempo. O mito de Génesis é uma personificação desta ideia.

Através da filosofia existencialista de Heidegger (1923) Amaral Dias acrescenta que este objecto de desamparo é ou pode ser o objecto que via criar a consciência reflexiva. É no desamparo que o bebé começa a sua saga enquanto ser- para-a-morte que mais tarde se tornará consciência também do Nada que está associado à sua vida por morrer. A outra temporalidade, é o fluir do tempo, o sentido cronológico inevitável da seta do tempo. Se para Heidegger nos momentos da consciência reflexiva o tempo é suspenso, e ele ganha consciência de si, de que está no mundo (Dasein), que existe como ser individual e que vai morrer. Este é o momento em que a sua vida ganha sentido e ele cai (sai) da degradação (epochè) alienante do seu dia-a-dia e confronta-se com a morte com o Nada.

Para Amaral Dias, contudo, o lugar da morte é o lugar do símbolo, tal como a ausência leva à representação. Sobre a morte vão criar-se túmulos (etc.) vão criar-se símbolos para lidar com a insuportabilidade deste Nada. Na realidade o símbolo é para Amaral Dias o único lugar onde se pode resolver, falsa mas necessariamente, a mortalidade. E é assim que religiões surgem, linguagens, desejos de saber, etc.. Assim, encadeando numa história ou narrativa de características míticas que se resolve o problema da angústia de morte, que é, no seu início e no seu fundamento, o medo de morrer. Mas esta história só é possível pela significação que por sua vez só é permitida pela relação. É pela relação ao Outro e pela capacidade de comunicação (troca) que o sujeito vai ressignificando a sua angústia de morte e amortecendo-a. Pois só na relação com o outro, uma relação de natureza intersubjectiva é que se constitui um espaço psíquico para lidar com esta ameaça - a maior ameaça de todas.