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3. O ESPAÇO E O TEMPO COMO ORGANIZADORES DA MENTE 1 AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO

3.1.6. ESPAÇO, TEMPO E ADOLESCÊNCIA

Segundo Piaget (citado por Woodsworth, 2003), a aquisição da noção de tempo no período das operações formais vai ser amadurecida e a criança começa a estar apta a apreender relações a mais dois termos (mais do que a em relação com b), a complexificá-las, a pensar a partir de hipóteses e não a partir de elementos concretos (antes a mente ainda se apoiava numa realidade perceptiva e corporal) e adquire a competência do pensamento científico, abstracto, dedutivo e indutivo, hipotético. Este é o período da última aquisição – o período das operações lógicas complexas. O que acontece, segundo ele, até aos 15 anos de idade, na adolescência pós-puberdade. De acordo com os seus estudos e com os estudos realizados após Piaget (Woodsworth, 2003) no domínio cognitivo adquire-se a lógica abstracta, e incluí-se o futuro no raciocínio. Nem Piaget, nem os seus seguidores o referem, mas o passado é “eliminado” pelo perigo da potencial realização do projecto edipiano (Colarusso, 1988). No adolescente, considera Piaget e seu seguidores (referidos por Woodsworth, 2003), as reflexões são muito idealizadas. Há necessidade de separação dos pais e aproximação a terceiros, como lugar onde a identidade e autonomia vai ser experimentada. O mundo interno infantil é muito assustador, e o adolescente recorre à acção comportamental e aos ideais e racionalizações para impedir o seu surgimento. Piaget refere que o adolescente ganha a capacidade de pensar sobre o ausente, na sucessão temporal e na reflexão. Para ele é também criada a possibilidade de diferenciar e intensificar os afectos e relações.

Colarusso (1988) e cada vez mais autores, tentam introduzir as ideias de Piaget na psicanálise, sempre através do complexo de Édipo, latência e adolescência. Para Colarusso (1988) a puberdade, além da tão falada poderosa modificação desenvolvimental, é um fortíssimo marcador da experiência de tempo. Apesar de ser em si mesmo um indicador psicobiológico que permite sentir a passagem do tempo (deixar de ser criança para vir a ser adulto), permite ainda uma nova distinção da vida: sem e com sexualidade realizável. Realização é aqui consdierado por nós a

102 ideia chave. As raparigas sentem mais esta passagem do tempo devido à regularidade menstrual. Por mais que aparentem não se preocupar com isso, diz-nos o autor, a partir desta altura podem reproduzir-se e assim atingir um dos dois modos de atingir a imortalidade – a reprodução (o outro é pelo símbolo, que perdura no tempo independentemente do sujeito).

O tempo no adolescente não pode ser sentido como no adulto, porque no Édipo a barreira do incesto foi forçada pelo tempo, e ela considera o tempo o causador, isto é, algo externo a si. A criança não podia de facto, restava-lhe ter a expectativa de que o adulto amorosamente investido esperasse. Não há neste momento realização entre mente e realidade, tudo é fantasia. O mundo externo da realização (ligar pensamento a acção) é mediado pelos pais, de quem permanece dependente. A experimentação do real possibilitada na adolescência com a possibilidade de realização sexual é que o permitirá, permitindo uma retomada dos processos apreendidos aplicados ao mundo de fora, e muitos deles consciencializados no mundo de dentro. A consciência de si mesmo só pode existir quando o sujeito se trata a si próprio como um Outro. E isto só é possível por um processo de grande abstracção, que só se atinge após a puberdade.

Colarusso (1988) é quem mais defende esta ideia. Para ele a adolescência pode ser vista como uma fase específica de conquistar o amor edipiano e dominar a injúria narcísica imposta pelo tempo. Ao remover a imaturidade física da equação, a puberdade gratifica o longo período do desejo edipiano e torna o presente excitante, mas também perigoso. O tempo deixa de ser sentido como uma força frustrante e torna-se agora gratificante, pela maturidade corporal atingida. Por outro lado, até este momento o crescimento era sentido de modo suave e gradual, havendo uma coerência entre crescimento corporal e psicológico. Na adolescência não há tempo para sentir uma mudança gradual, para tornar coerente: tudo é muito rápido. Este autor (Colarusso, 1988) revisa Bonaparte e Erickson (1940 e 1956, respectivamente) retomando a ideia de que a experiência de tempo no início da adolescência é a de um tempo difuso. Este caracteriza-se pela urgência e simultaneamente pela perda da consideração do tempo como uma dimensão da vida (ora sentem-se “bebés”, ora sentem-se “velhos demais”). A puberdade e difusão temporal produzem modificações intrapsíquicas na experiência tripartida do tempo sequencial, anteriormente adquirida com o Édipo. O presente é carregado de afectos sexuais

103 tremendos, com excitação, urgência e antecipação, quer pelo conhecimento adquirido e imersão no grupo, quer pela maturidade física, que produzem um sentido de expectativa de envolvimento sexual com outro (a qualquer momento). A conexão do momento-a-momento (duração) é invadida pelos sentimentos sexuais. O presente deixa de ser assim previsível e mensurável (enquanto vassalo do Super-ego que era). O futuro é transformado pelo adolescente (no início) com apreensão e antecipação sexual, auto-definição e responsabilidade (Erickson, 1956, citado por Colarusso, 1988).

O passado não pode ser considerado pela necessidade de afastamento dos objectos infantis. Só na adolescência mais tardia é que o adolescente se considera pelo seu passado. Mas, por mais que a experiência de infância se esbata, ela exerce uma poderosa influência no processo adolescente, principalmente no que diz respeito à mãe pré-edipiana (Brunswick, 1940, citado por Colarusso) e o retorno do Édipo. A maturação obriga a uma reorganização intrapsíquica dos três modos pelos quais o tempo é pensado. A infância impotente é relegada ao passado por ser demasiado perigosa; o presente está em contínua maturação e mudança e o futuro é o surgimento do corpo adulto e da independência (autonomia).

Os pais continuam a ter o seu papel no uso do tempo. Papel este que é sentido como de oposição às gratificações do instinto e à independência, o que é devido ao desinvestimento nas figuras parentais (necessário), ao Ego instável, ao funcionamento Super-egóico enfraquecido e à necessidade de transfererir a regulação do tempo para o grupo de pares. Com a continuidade deste processo, isto é, com a sua interiorização, a regulação do tempo passa a ser realizada pelo Ego ideal e o grupo de pares. O Ego Ideal direcciona-se essencialmente para o futuro e para a preparação adulta. Conforme se vai preparando para adulto o adolescente vai adiando a gratificação, inscrevendo um tempo para estudar e trabalhar, e talvez cuidar de outros. Só após a reintrodução do interdito de forma securizante, é que passado e presente começam a ser visto à luz da reorganização imposta pela puberdade e à luz do surgimento do pensamento mais maduro, pelo facto de poder manipular as ideias em si mesmas e construir teorias (Piaget, 1969 citado por Colarusso, 1988). Mas o grande problema é o uso do tempo – ou é usado para a gratificação institual (urgente) ou para o estudo, trabalho, ou seja, tempo como adiamento. Na fase mais tardia da adolescência há uma psychotemporal adaptation (conceito de Seaton, 1974, citado por Colarusso, 1988). A adaptação psicotemporal só pode acontecer quando na

104 infância houve uma experiência de continuidade e de constância de objecto, e, na adolescência uma adequada resolução dos problemas do super-ego (culpa) e do Ego (autonomia). Este processo não é fácil, ele é extremamente doloroso e pode ser suspenso. Isto porque envolve desinvestimento nas figuras parentais infantis, o reconhecimento da maturidade corporal sem a realização do desejo e a viragem para um futuro trabalhoso e árduo, responsável e onde a morte existe.

Pédinielli salienta que os adolescentes têm um comportamento compulsivo, pois vivem repetidamente no mundo exterior uma fantasia ou fantasias específicas (fantasma masturbatório central). E assim explica o como é que a fantasia inconsciente infantil passada é vivida na adolescência – de modo não pensado.

Também Bonaparte (1940) nos diz que o tempo experienciado na adolescência não é equivalente ao do adulto. Devido à força instintual impetuosa, devido aos sonhos acordados a procurar uma forma, um molde (uma realização). Mesmo com o desenvolvimento do seu cérebro, o adolescente é uma presa das profundidades do seu organismo. A vida surge-lhe como estando dispersa, os seus limites são expandidos e mesmo que sonhe com a morte ele não acredita na morte. Porque a morte é para o adolescente uma passagem para um estado de imortalidade. Uma imortalidade especifica segundo ela, sob a forma de união-desunião da sua personalidade na natureza. Esta é a razão que a autora encontra para explicar o tão fácil confronto com a morte na adolescência; a morte é uma forma de união ou afastamento.

O mesmo não pensa Carignani (2000). Para ele é a “descoberta” da morte na adolescência que causa a imensa ansiedade. Mas é também extremamente útil, pois permite reconhecer os seus limites e fronteiras. É na adolescência que se percepciona a descontinuidade, e que esta é internalizada e assim é adquirido o tempo linear (tempo sequencial, tempo irreversível). Mas para que o tempo se torne uma categoria estruturante no desenvolvimento da personalidade na adolescência, é preciso que seja reconhecido repetida e continuamente. Para o autor, é a capacidade de atenção que traz o reconhecimento da descontinuidade, obrigatório para que se possa abordar o tempo. A atenção excluiu uma enorme quantidade de informação e concentra-se apenas numa pequena parte, definida e delimitada. O autor chega a esta conclusão através da importância que Bion atribui à atenção (que por sua vez a fundamenta em Freud).

105 Para ele, é na adolescência que se dá a passagem de um mundo atemporal e aespacial para um tempo oscilante (faz referência à primeira e segunda dimensão de Meltzer). Acrescenta ainda que na puberdade, tal como na psicose, existem ataques à percepção que podem ser extremamente severos quando o sensorial e os impulsos corporais violentos se impõe à mente (Carignani, citanto Ferrarri, 1994). Mas também é um momento em que os adolescentes podem adquirir uma relação próxima com as categorias fundamentais do espaço e tempo, que considera uma espécie de supervisores da organização mental. O que só acontece quando estas categorias se apresentam elas próprias de novo (adolescência). Na adolescência também se ganha a capacidade de distinguir entre tempo subjectivo e objectivo. Eles podem distinguir entre a sua própria percepção subjectiva da passagem do tempo e uma temporalidade objectiva, absoluta, física, unidireccional do tempo. Antes disso não há verdadeira conceptualização de tempo e espaço, há uma concepção que estrutura o mundo interno e que só aqui é virada para fora, e de fora pode voltar dentro (consciência de si, tomando-se a si próprio como um outro). O tempo linear (o tempo irreversível), traz uma melhor distinção entre self e outros, entre a experiência interna e externa num mundo partilhado. O autor considera que a maior parte das pessoas aceita que há uma realização (tomada de consciência da passagem do tempo pelo contacto) representada pela formulação “o tempo está a passar”.

O que não acontece nos psicóticos, que realizam ataques ao seu aparelho perceptivo. Nestes pacientes, a descoberta que a medição do tempo e do espaço é baseada na realidade psíquica e não no espaço físico ou tempo físico é extraordinariamente angustiante. Recorrendo a Bion pode-se afirmar que estas medidas apenas são possíveis quando existe capacidade de tolerar a frustração, porque ambas derivam de medidas da frustração (espaço e tempo são considerado pelo autor como medidas da frustração). Se a mente não consegue tolerar frustração, impede o desenvolvimento de qualquer aparelho que possa medir as medidas de frustração. Logo em seguida ele acrescenta que para Bion espaço e tempo são usos mais sofisticados da capacidade de tolerar a frustração. Aqui Carignani (2000) refere que Bion considera o espaço, como medida da distância dos objectos fragmentados, e dos lugares não ocupados pelo objecto, sendo o tempo a medida da ausência do objecto.

Se em Freud ele encontra a noção de que o espaço e tempo são acessíveis pela percepção e logo pertencem ao sistema percepção-consciência, predominante no

106 Ego, que “se dispões em conformidade com as noções espaço-temporais”, em Bion, acrescenta-se uma noção importante: a ideia de que é da ordem da frustração pensar no espaço e tempo como uma representação e não como uma coisa-em-si. Por isso, na psicose, os “pensamentos” são experienciados (como consequência do predomínio da posição esquizo-paranóide) como sendo espaço (real) ocupado por “não-coisas” e assim a interpretação (interpretação adequada nas concepções bionianas) é sentida como ocupando o lugar que pertenceria ao objecto perdido, ou seja, a coisa-em-si mesma, que é sentida pelo paciente como sendo sua. É também com esta luta que se depara o adolescente, segundo o autor.