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A MULTIDIMENSIONALIDADE: UMA LÓGICA PARA ACEDER AOS PROCESSOS SIMÉTRICOS

1.2.4. A MENTE PARA ALÉM OU AQUÉM DO TEMPO E ESPAÇO: O INCONSCIENTE

1.2.4.1. A MULTIDIMENSIONALIDADE: UMA LÓGICA PARA ACEDER AOS PROCESSOS SIMÉTRICOS

Como até aqui referido, Matte-blanco diz-nos que o inconsciente funciona de acordo com uma lógica, a lógica simétrica. Ora uma lógica implica a existência de regularidades (temporais) e relações espaciais de algum modo padronizadas. Neste capítulo ir-se-á explicar a forma como entender as “regas” de funcionamento da lógica simétrica (Matte-blanco; 1975 e 1988), ou seja, Matte-blanco considera que o inconsciente tem uma espacialidade multidimensional, e como tal inacessível à nossa mente pensante e tridimensional. Daqui deriva a dificuldade de compreender espácio-temporalmente sonhos, processos psicóticos, ou até alguns processos comuns na infância.

Para o explicar, o autor utilizou a mesma analogia que se realiza em geometria, para explicar o mundo multidimensional. Ora Matte-blanco encontra semelhança na geometria explicativa de dimensões superiores à terceira, que é sempre explicada pela decomposição de uma figura dimensional na dimensão imediatamente inferior, e a passagem de inconsciente para consciente. Na figura seguinte são representadas geometricamente cinco dimensões:

(Retirado de Wikipedia, “representação de um cubo da 0 à quinta dimensão, in

http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Dice_analogy_0_to_5_dimensions.jpg,)

O ponto é habitualmente tomado geometricamente como representando um espaço sem dimensões. A linha é habitualmente tratada como uma representação

25 geométrica de um espaço unidimensional, ou ainda um vector que vai dos pontos A a B (AB). A linha decomposta adimensionalmente é um conjunto de pontos, o que se verifica em toda a observação microscópica de qualquer objecto. A superfície, área ou plano, é tratada como uma representação geométrica do espaço a duas dimensões, e consiste em vários vectores que unem os vértices entre si, no caso de existirem (no circulo não existem). Um vértice liga sempre a duas rectas ou vectores. E a sua decomposição para um espaço unidimensional, seriam várias linhas (quatro), retirando-se a conexão do vértice e assim perderia significado, pois a nossa mente encontra sentido numa superfície (nós transformamos o bidimensional em tridimensional). As figuras geométricas bidimensionais são habitualmente designadas por triângulo, quadrado, circulo, rectângulo, etc..

O volume é tratado como uma representação gráfica do espaço a três dimensões, o espaço que tomamos como real. São tratados por volumes ou sólidos e podem ter muitas formas: cubo, cone, pirâmide, paralelepípedo, etc.. Consiste em vários vectores, que não apenas unem vértices entre si, não apenas compõem uma figura única e com características próprias, como também incluem um interior, ou melhor uma superfície delimitante que separa áreas: interior e exterior. Um vértice une três rectas ou vectores. A decomposição de um volume numa superfície tornar- se-iam vários (seis) quadrados, no exemplo do cubo que estamos a seguir. Na quarta dimensão um vértice une a quatro rectas ou vectores. A sua denominação é

hipercubo ou terassect e se o quiséssemos decompor para três dimensões,

resultariam oito cubos, tal como se pode ver na figura seguinte:

Figura copiada da enciclopédia informática Wikipedia. (Uma rede de tesseracts) Descrição da figura: “Aplicando-se analogia dimensional, pode-se deduzir que um cubo quadridimensional,

26 conhecido como hipercubo ou tesseract, é delimitado por volumes tridimensionais. O tesseract é delimitado por 8 cubos. Os limites do tesseract projectam-se em "volumes" na imagem, não meramente em superfícies bidimensionais. Isto ajuda a entender características de tais projecções que, de outra forma, seriam muito intrigantes.”

Na quinta dimensão, cinco rectas sairiam dos vértices e a sua transformação em figura quadridimensional determinaria a existência de 10 hipercubos. Vejamos como se constitui a perda sucessiva de um objecto da quinta dimensão para a primeira. Os 10 hipercubos ficariam tridimensionalmente em 8 cubos por cada um dos 10 hipercubos (80). Estes 80 cubos seriam multiplicados pelos 6 quadrados resultantes da transformação em figura bidimensional: 480 quadrados, que por sua vez se multiplicariam por 4 linhas, resultando 1920 linhas. Impossível é determinar adimensionalmente um objecto, pelo que só o infinito se pode considerar se o fizemos perder a unidimensionalidade. O que levanta muitos problemas à nossa mente tridimensional.

Se fôssemos seres com funcionamento bidimensional, teríamos grandes dificuldades em aceder ao cubo – terceira dimensão, tal como em compreender a altura, interior-exterior, profundidade. Mas poderíamos, enquanto seres bidimensionais, aceder a ele através da nossa imaginação (embora a imaginação pertença a um lugar tridimensionalizado, aqui é necessário para permitir o exemplo). Muitas pinturas-desenhos de Escher “brincam com as dimensões”. Um deles é um lagarto desenhado que se torna “animal” a três dimensões no próprio desenho (é de não esquecer que o desenho é sempre bidimensional). A forma como poderíamos aceder, é no exemplo de Matte-Blanco e muitos cientistas, através de um esquema projectivo de sombras (geometria projectiva referida anteriormente). Em termos projectivos considera-se um plano onde a figura é projectada, faz-se mover o objecto (rotação sobre si próprio) projectado de forma a compreender no plano projectivo as diferentes características desse objecto. O mesmo se passa com o correspondente quadri-dimensional do cubo - hipercubo, que é um objecto que é habitualmente representado assim:

27 (Figura copiada da enciclopédia informática Wikipedia. (Cubo com direcções, quarta dimensão, que se vê na página anteriormente referida em movimento, isto é, fazendo rodar o objecto e observando as relações constantes nessa rotação)).

A figura imediatamente acima é mais do que um volume e aos nossos olhos tridimensionalizantes o que acontece é que existem cubos dentro de cubos em que algumas partes pertencem a outros cubos. Por exemplo um dos cubos dentro do hipercubo ocuparia o mesmo espaço, mas não o mesmo tempo. Sem movimento não conseguiríamos construir uma figura única. Mais uma vez o recurso a Escher é importante, nomeadamente à imagem onde o interior de uma casa, com várias escadas em diferentes direcções são possíveis, mas não possíveis de conceber ao mesmo tempo: assim, podemos ver sequencialmente cada uma das escada da casa e, apenas através do movimento, ver as outras partes – a casa inteira é inconcebível. Nós, ou vemos uma parte da casa ou vemos a outra, porque há um paradoxo criado, e é introduzindo o tempo, que constituímos a ligação entre os elementos.

Como vimos anteriormente há regras constantes na passagem à dimensão inferior e são precisamente essas regras que Matte-blanco refere que existem na passagem do inconsciente ao consciente. Se o número de rectas que partem do vértice está em relação directa, isto é, é equivalente ao número de dimensões (duas rectas, duas dimensões, por exemplo) o mesmo não se passa com a base. A base da figura é sempre a figura correspondente numa dimensão imediatamente inferior, tal como a base de um cubo é um quadrado bidimensional. Portanto aqui a relação é “n- 1” (n é o valor numérico da dimensão, número natural). Há ainda uma outra característica comum – a repetição. É que no processo de decomposição de uma figura, a quantidades de figuras que resultam é sempre maior que a figura inicial. A quantidade de repetições varia consoante a dimensão e também a figura geométrica.

28 Um hipercubo são oito cubos, um cubo 6 quadrados, um quadrado seis linhas. Num outro objecto outras quantidades se encontrariam. Matematicamente é possível determinar estas quantidades, numa função proposicional. Mas uma relação constante pode ser referida, quanto maior a dimensão da figura geométrica inicial, maior o número de repetições no objecto de dimensões inferiores. Desta concepção retirada da geometria só falta referir que há objectos que são muito mais complexos para esta analogia, nomeadamente os triângulos, os objectos redondos etc., embora os físicos os consigam representar pelo esquema projectivo de sombras.

É assim que Matte-blanco concebe o modo como o inconsciente é visto pelo consciente: um conjunto de repetições resultantes de um objecto multidimensional inacessível e que ao perder a sua unicidade original, perde a sua significação – a sua unidade. E como significar é espácio-temporalizar, é deste modo que o inconsciente nos parece não ter espacialidade nem temporalidade, tal como Freud o caracterizou. Não sabemos bem se a realidade é multidimensional, o que sabemos é que não há razão nenhuma para seja tridimensional. É muito provavelmente da dimensão a que acedem os seres que a observam, por exemplo sabemos que os gatos, cães e pássaros vêem e procedem como se o mundo fosse bidimensional. Podem tratar a sua própria sombra ou reflexo como um “outro ser”. A observação térmica (das cobras, por exemplo) também não poderá ser tridimensional. Talvez o mesmo se possa dizer dos outros animais. Pela nossa limitação tridimensional a fantasia do extra-terrestre de outras dimensões é “puxada” para a ciência, através da ficção científica. Com a multidimensionalidade e mais tarde a Mecânica quântica e o Princípio da Incerteza de Heisenberg (ver anexos) a ciência passou a ser um lugar que obriga a recorrer à imaginação, dando uma nova manifestação (realização) para o funcionamento simétrico da nossa mente.

E é este processo que Matte-blanco padroniza e assim lhe retira o caos. Tal como o hipercubo nos parece extremamente confuso, no funcionamento simétrico visto do ponto de vista tridimensional, o mesmo objecto pode ocupar o mesmo lugar que outro (pela lógica simétrica as partes, desde que pertençam à mesma classe, são tratadas como a mesma).

Assim como na passagem a uma dimensão inferior se dá repetição, mantendo-se a estrutura base e relações fundamentais (vértices, p.e.), a passagem do mundo multidimensional inconsciente para o consciente (três dimensões) também passa por repetições, manutenção de relações estruturais semelhantes e padrões de

29 interligação semelhantes, mas inacessíveis na compreensão do seu todo, isto é, na sua unicidade, no seu significado. Matte-blanco (1988) refere ainda que os procedimentos de generalização, condensação, substituição da realidade física pela realidade psíquica, condensação, etc., são procedimentos compatíveis com um mundo de mais do que três dimensões, porém apresentadas num mundo de três dimensões. No sonho um objecto pode facilmente conter dentro de si outros objectos e ao mesmo tempo ser único e conhecido (como se de um hipercubo, ou cubo a mais dimensões ainda se tratasse). Pode apelar a mais de um objecto (representação tridimensional), como se um hipercubo em 8 cubos se tornasse (exemplo da passagem da quarta para a terceira dimensão do cubo-hipercubo), estando na sua origem o mesmo símbolo e/ou significado, o mesmo objecto. Pode colocar parte de um objecto a funcionar como um objecto total, porque a parte apenas existiria se traduzida para a terceira dimensão. Na realidade o que acontece é que o todo do objecto é o âmbito em que o sujeito multidimensional (para mais do que a terceira dimensão) se posiciona. É de não esquecer que a linguagem e o pensamento são tridimensionalizadores por excelência da experiência multidimensional (do qual as emoções são o seu mais completo e complexo representante).

Como nós funcionamos sempre nos dois mundos interligados: o pensante e o que experiencia, estamos sempre a tridimensionalizar experiências internas multidimensionais. Podemos é não nos aperceber quando estamos a funcionar multidimensionalmente, isto é, que esta experiência não pode ser contida pelo pensamento e linguagem. Um exemplo (do autor) é a forma como um paciente vivencia em diferentes espaços e tempos a cena primitiva, como algo que lhe é penoso. Tal como o hipercubo tornado cubo se manifesta multiplicando-se em cubos, o mesmo acontece com este fenómeno, que se multiplica em várias cenas, pela sua incapacidade de conceber a cena primitiva no modo assimétrico de ser. E assim o paciente vai revelar bocados do seu hipercubo em vários tempos e vários espaços diferentes, parecendo repetir esta cena. Para Matte-blanco existe um número muito pequeno de objectos: pai e mãe. Os outros objectos são objectos parciais, que tomam espaço independente. Cada um destes objectos ou partes sub-espacializadas destes objecto estão ligados a funções de personalidade. Estas funções podem ser correlacionadas a dimensões: o número de dimensões do objecto que é experienciado num dado momento está relacionado com a intensidade destas funções. Os objectos bizarros são, em Bion, partes de objectos clivadas que são experienciadas como

30 objectos totais. O objecto bizarro é para Blanco um objecto pertencente a uma dimensão superior mas que se tornou independente e vivido num espaço único, encarnando uma função de personalidade que é vista como tendo várias funções. São assim objectos de uma dimensão inferior à função de personalidade da qual foram originados. A compulsão à repetição, neste ponto de vista, pode ser considerada como um objecto multidimensional à procura de tridimensionalização, e assim infiltra-se constantemente nos processos normais de tridimensionalização.