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CONTIGUIDADE E CONTINUIDADE VS DESCONTIGUIDADE E DESCONTINUIDADE

7. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

7.1. QUALIDADES DA MENTE

7.1.1. CONTIGUIDADE E CONTINUIDADE VS DESCONTIGUIDADE E DESCONTINUIDADE

O ser humano precisa de padrões e regularidades e é assim que irá intersubjectivamente conhecer-se a si próprio e ao mundo que o rodeia. Será um sujeito que precisa de encontrar uma contiguidade e continuidade de modo vivencial, experiencial, ou será um sujeito que aceita a experiência de descontiguidade promovida pela descontinuidade temporal? Neste caso ele tem uma solução, a continuidade e contiguidade é estabelecida virtualmente, pelo símbolo. No primeiro caso o sujeito sente uma necessidade de encontrar e manter o objecto como uma experiência emocional sem delimitação espacial e sequenciação temporal, ou seja, uma vivência de contiguidade (espacial) e continuidade (temporal), procura uma satisfação, uma realização positiva ou uma concepção. Ou será um sujeito que aceita e elabora a vivência de descontinuidade e descontiguidade e esta será inscrita na resposta, com separação clara dos objectos entre si, mas submetendo-os a um processo de relação, isto é, uma simbolização. O sujeito ao pensar liga e desliga, une- se e identifica-se e depois separa e elabora, e esta actividade, tal como todas as outras actividades mentais estará reflectida no objecto-representação pronunciado; no processo-resposta-Rorschach.

A procura da satisfação, a procura da contiguidade maior manifestar-se-ia na confusão figura-fundo, ou ainda os elementos mais patológicos encontrados nos modos de apreensão; os G’s sincréticos (aqueles em os perceptos contêm duas localizações investidas de diferentes modos; contaminados, aquelas em que a resposta parte de um dado elemento para definir o todo, confabulados e aqueles que cujas partes da mancha são enunciadas à vez, apelando a um mesmo objecto, mas o sujeito não as conjugadas num todo). Aqui trata-se do continente mental subjacente à imagem objecto que prejudica o facto seleccionado, nome com significado a dar à experiência, implicando a ausência ou perda de um continente de pensar, de um continente de relacionar. Ou então evidenciam um continente cujo conteúdo destrói o continente de significação: exº. IV: “um monstro negro muito simétrico que tem uma cauda em cacto, depois mãos que são pinças. Que é um monstro um pouco picante, também”, (Chabert, 2000, pps. 235). Aqui é reflectido o movimento simétrico pois a agressividade ou destrutividade aplicada às partes da mente, procurando a sua contenção é perdida. O sujeito não aguentou o modo de apreensão total (G), tentando

149 fazer conter a destrutividade em diferentes partes mais pequenas, mas cuja invasão de simetria de experiência emocional destrutiva, tornou o significado impossível de manter.

No seguinte exemplo verificamos a necessidade de submeter ao tempo, descontinuiando: IX: “Manchas de tinta que estiveram sobre um papel, um papel dobrado ao meio” (pps 245, em Chabert, 2000). Aqui o sujeito está a recusar a experiência emocional desencadeado, perdendo a sua significação, o seu valor, e assim protegendo a mente da destrutividade desencadeada. O sujeito dá um movimento temporal anterior ao percepto, que contudo anula a sua significação, e por isso parece mais retirá-lo do tempo que o inscrever no tempo. A descontinuidade temporal é utilizada com função de dessignificação.

Por vezes vê-se o esforço de descontinuar a imagem: “IV: Depois, em transparência vê-se o seu... a sua traqueia... como é que isso se chama, a sua traqueia artéria. Depois, que tem ventosas nos pés que colam bastante. Isto não existe. Seria talvez interessante se isto existisse, mas mais vale que não exista.” (pps235), para aliviar o sofrimento; introduzindo uma não simultaneidade temporal mas a nível do significado – inexistindo. Mas o sujeito (Régis, 24 anos, Chabert, 2000) hesita entre assumir a inexistência da representação ou procurar a satisfação do objecto concreto, que obviamente não satisfaz. A análise dos conteúdo revela por exemplo que traqueia e artéria pertence à mesma classe, classe de canais por onde a vida passa, provavelmente evocando a sua tragédia do nascimento para o tempo. Existir ou não existir eis a questão!

A procura de unidade no global (G associado a um substantivo) pode referir- se também a esta procura, mas geralmente o sujeito após se equilibrar permite-se investigar os aspectos que o mobilizaram emocionalmente (Detalhes – D’s - e/ou movimentos relacionais – K’s). Quando esta procura for constante e exclusiva, poderá remeter para uma procura de ritmo também, uma segurança primitiva. A procura pode ser feita também através de um nome que implique contiguidade (exº. Paisagem, quadro), ou no esforço de integrar elementos espaciais diferentes, habitualmente conotadas com respostas elaboradas (exº.fogo de artifício, no cartão X ou um homem a elevar duas bailarinas no cartão I). Aqui a continuidade entre espaços e tempo coexiste no tempo presente e pode remeter para uma densidade

150 simbólica, com tempo tripartido: o consciente conseguiu pensar, conter, limitar e sequenciar a experiência inconsciente.

Outra forma de procurar a contiguidade é atribuindo qualidades espaciais de distância ou proximidade (continente ou conteúdo), por exemplo estão juntos ou separados, facilitada nos cartões bilateralmente organizados, ou ainda o sobreinvestimento nos lugares de entrada e saída (que reflectiriam desde invasão identitária à procura objectal; numa haveria dor evacuada e na outra excitação pulsional mal elaborada). A contiguidade pode ser encontrada também nas verbalizações directas ou indirectas de simetria, mas esta assume uma qualidade diferente, uma vez que procura anular a diferença, que é um factor introduzido pelo tempo, pela separação. O nível da simetria irá ser encontrado na classe em que é evocada, isto é, se é o conjunto das relações humanas, ou se os humanos estão misturados com o animal ou inanimado (caso anterior) ou ainda, se procura anular a evidência da relação humana na respostas. Há muitos exemplos possíveis aqui, mas o melhor encontra-se em Chabert, 2000, pps. 123: Cartão X: “Todos estes desenhos me deram a impressão de sonho estranho e de prisão, por causa da simetria”.

A continuidade em exclusivo pode estar também presente através da repetição, qualquer que seja (tema, localização, verbalização, determinante, conteúdo, etc.). Sabemos com Matte-Blanco que os lugares da repetição se referem a um objecto inconsciente multidimensional que tenta a todo o custo uma manifestação tridimensional (ainda não sofreu um processo de espácio-temporalização suficientemente simbólico da experiência). Somos também obrigados a convocar a compulsão à repetição, que se refere a algo não mentalizado mas que pelo Rorschach podemos afirmar que procura uma manifestação (não necessariamente elaboração). Em ambos os casos há uma infiltração do psíquico no externo, que força a continuidade pela sua repetição forçada.

Pelo contrário, a descontinuidade e descontiguidade evidencia a possibilidade de representação: é reconhecida a ausência e separação do objecto, pelo que o sujeito sabe que o significado que atribuiu é uma interpretação, está na sua mente e não no objecto. Mas a necessidade de reforçar a descontiguidade ou descontinuidade, remete para uma ainda insuficiente tridimensionalização e temporalização, num sujeito que aprendeu a representar e que sabe que elaborar é a melhor solução, mas que a emoção ou pulsão ainda não está suficientemente sublimada, e o sujeito vive no

151 perigo da sua infiltração. Pelo facto da espacialidade ser a primeira apreensão mental, o afastamento espacial será sempre mais regressivo que o temporal.

7.1.2. COERÊNCIA INTERNA E EXTERNA (MENTALIZAÇÃO VS