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O ESPAÇO PSÍQUICO COMO LUGAR DE SIGNIFICAÇÃO

A enfatização da mente como um lugar onde decorrem determinadas actividades mentais, é uma constante em psicanálise. Em quase todas as concepções aqui apresentadas está presente a ideia de que quando há passagem do interior para o exterior ou o contrário, alguma coisa se passa, isto é, há um processo de transformação. Já referimos antes que a realidade interna não é cópia da realidade externa através dos estudos de Piaget e encontramos em Matte-Blanco e Grotstein

46 uma correlação entre interno e externo, e em Anzieu uma analogia. No entanto quem melhor fala deste processo é Bion. Para Bion é necessário mentalizar as experiências sensoriais, independentemente da sua origem (interna ou externa). Ele conceptualizou a Teoria do Pensamento para explicar o processo de transformação, bem como uma teoria das transformações. Neste subcapítulo o objectivo é explicar a componente linguística e de significação deste processo, pois para Bion o processo de transformação tem uma natureza linguística. Já referimos Varvin (1997) que considera que a narrativa é espácio-temporal. Matte-blanco (1988) refere que a linguagem e pensamento é assimétrico, tridimensional (isto é, inclui espaço e tempo) e Bion considera também que o pensamento contém espaço e tempo e é possível associá-lo à linguagem. Estas duas últimas ideias serão resumidas nos capítulos posteriores. Seguem-se os estudos de Bion relativos à significação, pela importância que este processo tem na organização mental, processo de natureza espácio-temporal.

A linguagem humana é arbitrária, pois os signos (na sua maioria) nada têm a ver com o seu significante ou significado, nem com o referente (o objecto designado). Portanto já de si mesma a linguagem é uma relação constante entre elementos. Grotstein (1999), após Bion, dá extrema importância à pulsão, ele considera-a um significante semiótico (ver caracterização do inconsciente). A semiótica é a disciplina que se ocupa do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia, ou seja, estuda os sistemas de significação. É no “espaço mental” que a actividade de significação tem lugar.

Para entender os processos de transformação (Bion, 1967) é necessário interligar o modelo continente-conteúdo ao modelo da pré-concepção e ao modelo PS<->D. O modelo continente-conteúdo tem também como função unir as pré- concepções (expectativas vazias) às impressões sensoriais (embora sirva também a todos os desenvolvimentos posteriores do pensamento). Se inicialmente, as pré- concepções são indiferenciadas (alimentação, respiração, excreção), com o desenvolvimento irão permitir a abstracção de hipóteses cada vez mais complexas. E é a mãe que, no início, atribui significado às impressões sensoriais oriundas da criança, desde que se apresente ao seu bebé como um continente receptivo, que é necessária à mudança, ao crescimento e expansão mental (Marques, 99). A introjecção deste modelo é não só necessária para organizar a função alfa, como para a criação de um espaço destinado a conter, transformar e pôr em contacto as

47 experiências emocionais do sujeito humano (Amaral Dias, 98), o espaço psíquico por excelência.

No que diz respeito à mentalização da experiência sensorial, a função alfa é a função que permite transformar as impressões sensoriais advindas do interior ou exterior (os elementos beta) em elementos alfa. A função alfa é o termo bioniano para o conceito de atenção em Freud (Bion, 1992): “encontrar as impressões sensoriais a meio caminho”. Apesar dos elementos beta serem a mais antiga matriz do pensamento, uma espécie de proto-representantes mentais de realidade concreta e sensível, eles ainda não são representações, são apenas impressões sensoriais, coisas concretas, ou tidas na mente como coisas concretas e reais, dotadas de características humanas. Os elementos alfa são as impressões sensoriais transformadas, de algum modo emocionalizadas. Para todo o processo de construção do pensamento são necessárias emoções, ou seja, é uma emoção (a tolerância) que torna o sistema de pensamento passível à dúvida (no continente) e ao sentido de infinito (relativos aos conteúdos). As emoções, são conceptualizadas por Bion sob a denominação de vínculo, porque caracterizam melhor a sua potencialidade ligadora. Elas são duas, as emoções de amor e ódio, à qual Bion acrescenta a de Conhecimento (K), aquela que permite a integração de “boa qualidade” destas emoções.

Continuando, as experiência sensoriais transformadas (emocionalizadas), têm aptidão de serem associadas entre si e, portanto, a serem pensadas. São sobretudo imagens visuais (que se ligam a outras pelo efeito transformador das emoções e constituem uma teia que pode vir a ser significada posteriormente) e podem ser utilizadas para a formação de sonhos, recordações e para a função de simbolização. Relacionam-se já com uma abstracção pertencente ao mundo mental e procuram seguir uma linha evolutiva, que implica abstracção. Uma abstracção é necessariamente uma representação e não um objecto (interno ou externo, parcial ou total) real. Quando a mente não significa, ou não mentaliza, ou ainda quando não há transformação de um elemento concreto físico num elemento mental isto é, com significado, é habitual referir-se a um estado com ausência de mentalização, descarga pura, identificação projectiva maciça ou patológica, etc.

Mas para que a actividade de significação tenha lugar, é necessário também que uma outra competência se realize, que Bion conceptualizou através de um modelo próprio, embora baseado na concepção de Melanie Klein de posições:

48 posição esquizo-paranóide e depressiva. Tal como Klein, ele fundamenta-se num movimento alternante em toda a vida. Mas Bion vai mais longe e concebe-as como modelos essenciais à constituição do pensamento, que está permanentemente a acontecer e não é predominante de uma fase ou outra da vida, e por isso designa-as com a seguinte abstracção PS <-> D. A posição esquizo-paranóide e posição depressiva implicam a noção de que há elementos dispersos, não relacionados, associados a sentimentos de perseguição (elementos Beta), que são reunidos num todo integrado associado a sentimentos de depressão. Bion chega a esta afirmação inscrevendo as ideias de Klein na ideia de facto seleccionado de Poincaré (citado por Bion, 1963) ao mesmo tempo que salienta a importância da posição depressiva para a formação de símbolos (que vai buscar a Hanna Segal). Para melhor definir esta alternância é preciso considerar (também) o seu aspecto interdinâmico e interdependente: “Ps caracteriza-se por uma nuvem de partículas capazes de se integrar (nuvem de incerteza), semelhantes aos elementos beta; e D é um objecto que tem a potencialidade de se fragmentar e dispersar, é um objecto integrado, um aglomerado produzido pela convergência de partículas elementares para uma partícula ou elemento beta” (Elementos de Psicanálise, 1963). Assim como a relação entre continente-conteúdo designa a possibilidade de introjecção ou expulsão de um elemento beta, também a relação PS<->D designa a possibilidade dos elementos se fragmentaram ou reunirem. No entanto, quando o mecanismo continente-conteúdo entra em jogo o resultado é o significado. E o significado é aquilo que permite que a operação PS<->D se esclareça (se defina) permitindo o delineamento do objecto total, através de um facto seleccionado.

Por seu lado, o facto seleccionado é essencial para o significado. Qualquer termo (no exemplo de Bion em Elementos de Psicanálise, o termo cachorro) passa a ter existência mental (e não real, porque essa é inacessível) sempre que se reconhecer que um conjunto de fenómenos tem uma coerência, cujo significado é desconhecido. Para Bion o nome é uma invenção que torna possível pensar e falar sobre algo antes que se conheça o que é esse algo. É que ele concebe os fenómenos (a única coisa a que se pode ter acesso da realidade) como destituídos de sentido e só coligados é que adquirem significado. Nomear é impedir a dispersão e dar coerência “->D” possibilita dar um nome.

Acresce ainda uma outra ideia. É que os nomes decorrem de uma codificação linguística que sempre existiu e é inerente à própria língua, isto é, são independentes

49 do sujeito. Mas sabemos que só podem adquirir significado quando o nome é apreendido como uma experiência própria e assim ser assimilado de forma constante, ou seja, conjugar um conjunto de elementos constantemente - conjunção constante. Assim o nome é uma conjunção constante possibilitada pela actividade de significação do modelo continente-conteúdo. O acto de significação fica remetido para uma operação realizada constantemente no tempo - regularidade. O facto seleccionado – o facto que permite dotar um determinado conjunto de elementos (antes dispersos) de coerência - é então o elemento que congrega em si características de os todos outros de forma coerente.

Tendo revisto antes o inconsciente como um lugar potencial de significação (Grotstein e a sua defesa do instinto enquanto significante semiótico), há ainda Matte-Blanco (1988) enquadra os símbolos na sua própria teorização. Os símbolos têm como função satisfazer os desejos instintivos. Se uma satisfação instintiva pode ser conseguida por um equivalente simbólico é porque é tomado como pertencendo à mesma classe. Assim, o conceito de símbolo é o de uma classe simetrizada em que cada um dos objectos e seus representantes são tratados não apenas como equivalentes, mas como idênticos. Mais, ele refere que esta actividade é tão importante que permite constituir uma organização mental, isto é, a satisfação simbólica dos desejos instintuais é utilizada para desenvolver vários tipos de actividade mental assim como o crescimento e desenvolvimento. A psicanálise define uma mente em correlação com a natureza, mas dificilmente se encontra alguma teoria que esclarece tanto o como é que esta conversão (tradução em Freud e transformação em Bion) é feita e o que é que de facto está na mente.