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O ESPAÇO MENTAL CONSTITUIDO A PARTIR DA DOR DO TEMPO

3. O ESPAÇO E O TEMPO COMO ORGANIZADORES DA MENTE 1 AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO

3.2. O ESPAÇO MENTAL CONSTITUIDO A PARTIR DA DOR DO TEMPO

Nem todos os autores integram a ideia de espaço e tempo, exceptuando Varvin (1997) quer refere que nós organizamos o mundo espácio-temporalmente e Carignani (2000) para quem o espaço e o tempo são supervisores da mente. Varvin (1997) como dissemos, é o que está mais próximo de afirmar que o tempo liga pensamento a acção. Mas é na mente que esta ligação é feita. Para ele o mundo é interessante pelas suas relações complexas, onde se procuram regularidades, ou antes “padrões em processos”. Esta complexidade de relações é encontrada em Freud na sua visão “super-determinista”, isto é, que um determinado fenómeno mental ou fenómeno derivado tem várias determinações. Porque para Freud um sintoma já por si é resultado de uma série de conexões e para além disto, a forma como é interpretado pode ser feita em vários níveis de significância, narrativa, representação, etc. Ideia que o psicanalista também encontra em Ricouer (1970, citado por Varvin, 1997).

Mas como é que o tempo e o espaço, dotados até aqui de qualidades diferentes contribuem para a organização da mente? A primeira pessoa a relacioná- los de modo diferente, embora ainda de forma comparativa foi Bonaparte, em 1940. Para ela o espaço não nos destrói como o tempo. Pelo contrário, é a “atmosfera na qual respiramos, nos movemos, o lugar da nossa jornada, ... um lugar que se estende para longe e com amplitude. Se nos é negado o espaço que precisamos, sofremos”. Ela salienta que todo o ser vivo que precisa de respirar, anexa a si mesmo o maior espaço possível. Por isso a luta pela existência; tal como o carvalho amplia a sua copa e vai matando a relva por baixo dele, porque lhe retira o sol. Ela exemplifica com aquilo que em 1940 se lhe apresentava: “o Homem moderno através das suas máquinas também impõe a expansão do espaço, e até invadiu o ar”.

Ela revela ainda uma outra ideia; para apreciar o espaço, o homem não precisa de o possuir num sentido material: olhar é equivalente a tocar. Se incluírmos

115 Bion e Matte-Blanco, podemos acrescentar que se passa assim porque o que nos chega sensorialmente é apropriado na forma de vivência beta ou simétrica. Não é necessária uma apropriação objectal, a apropriação narcísica postulada no sensorial é suficiente. Ela explica que isto só acontece no espaço concreto, porque no espaço abstracto (o espaço da representação, o espaço da ausência do objecto concreto, e acessível apenas pelas suas qualidades) o sujeito sente o horror da sua imensidão, que ela implica pela ausência de fronteiras. A terra representa uma segurança e protecção contra a infinidade do espaço. O tempo é diferente: “o tempo mantém as suas qualidades assustadoras, e vai passando mais depressa a cada dia, conforme vamos crescendo. Nós não podemos fazer um jardim no quintal e nos protegermos contra a infinitude do tempo. Nós destruímos o tempo a partir do momento em que o usamos. Não o podemos usufruir a não ser que o destruamos. Ser dono do nosso próprio tempo só se pode referir ao tempo que se nos apresenta directamente, que é o tempo que não nos prestou nenhum serviço – porque ao vivermos no tempo, nós morremos dele. O individuo não consegue desenvolver nenhuma resistência efectiva na luta contra o tempo. Minuto após minuto, ano após ano – ele passa e aproxima- nos cada vez mais da morte. Na luta contra o tempo, o homem explora em primeiro lugar o poder da ilusão, porque o princípio do prazer não conhece o tempo. Todas as noites perdemos a noção consciente da passagem do tempo – no sono, e mesmo que a mente se manifeste – no sonho, não contempla a temporalidade sequencial. Aquela que temos vindo a referir da lógica simétrica” Bonaparte, 1940.

Há também quem conceptualize o espaço e tempo tratando-os com a mesma importância para a organização da mente – Freud e Bion. Segundo Carignani (2000) em Freud encontra-mos a noção de que o espaço e tempo são acessíveis pela percepção e logo pertencem ao sistema percepção-consciência, predominante no Ego, que “se dispõe em conformidade com as noções espaço-temporais”. Em Bion, acrescenta-se uma noção importante: a ideia de que é da ordem da frustração pensar no espaço e tempo como uma representação e não como uma coisa-em-si. Ele di-lo quando Bion explica o funcionamento da parte psicótica da personalidade: “por isso, na psicose, os pensamentos são experienciados (como consequência do predomínio da posição esquizo-paranóide) como sendo espaço (real) ocupado por não-coisas e assim a interpretação (interpretação adequada nas concepções bionianas) é sentida como ocupando o lugar que pertenceria ao objecto perdido, ou seja, à coisa-em-si

116 mesma, que é sentida pelo paciente como sendo sua. É também com esta luta que se depara o adolescente. O autor refere a forma como Bion diferencia o espaço e o tempo: “Bion considera o espaço, como medida da distância dos objectos fragmentados, e dos lugares não ocupados pelo objecto, sendo o tempo a medida da ausência do objecto”. Esta complexa ideia estava implícita na forma como o sujeito humano necessita de se realizar: o espaço é sempre uma qualidade atribuída aos objectos ausentes da representação (os objectos mentais) postos em relação uns com outros. Eles implicam que sejam reconhecidos como ausência na mente, o que é feito pelo tempo na sua qualidade de realização negativa.

Através da teoria continente-conteúdo, podemos também derivar a integração entre espaço e tempo: o espaço como continente (continente da relação caracterizado pela distância) e o tempo como conteúdo que o significa e o delimita, e que o obriga a realizar transformações – representação. Esta ideia está na continuidade da de Varvin (1997), que integra desta forma o espaço e o tempo: todas as organizações mentais processam-se em relação, desde o início da vida intra-uterina. Mas é o terceiro elemento desta relação – o tempo - que o pode organizar, em níveis diferentes do desenvolvimento.

Através da integração dos modelos teóricos de Freud e Bion a outras áreas do saber, Amaral Dias conceptualizou (98, 99 e outros) uma temporalidade que implica o espaço mental, considerado como local gerador de sentido como forma de resolução da terrível e cruel consciente de morte. O espaço mental, é o lugar onde se experimenta a angústia e a dupla temporalidade, o lugar que obriga o sujeito a perder a continuidade e contiguidade temporal, em angústias derivadas do desamparo originário, que só pela relação com o outro podem ser complexificadas, simbolizadas e continuamente ressignificadas. O tempo é imposto pela experiência/consciência da morte que, através da relação com o outro torna-se consciência do desamparo, fragmentação, separação, castração. Para este autor, o ser é um ser-para-a-morte (Heidegger). O ser relaciona-se para não morrer – no início – e para poder resolver esta angústia. Assim, o sofrimento humano é considerado como a própria condição da espécie que, ao perceber a sua própria morte vai angustiar-se, frustrar-se e procurar mecanismos para os resolver. A consciência de morte gera assim uma angústia que mobiliza o Homem à significação (pela relação) para dar sentido ao que não tem sentido – o Nada (filosófico e psicanalítico) – que se deve ao facto de nada

117 sabermos porque nascemos nem porque morremos. O símbolo é para o autor “uma ponte sobre o Nada” (Amaral Dias, 1999), sendo este Nada o profundo e angustiante desconhecimento sobre a morte e da própria vida, ligada ao tempo, isto é, a angústia do tempo-que-vem, e o aparelho mental, o simbolizador, o lugar da simbolização. A temporalidade obriga o ser a criar um espaço para lidar com a angústia de morte. Embora o autor não relacione entre si as conceptualizações do espaço e tempo, elas são evidentes. E é por isso que consideramos que o espaço psíquico é criado para lidar com a frustração do tempo.

Resta ainda referir que, para o autor, o sujeito é aquele que se constrói entre dois Nadas: o nascimento e a morte. Acrescentando a noção de Bion da concepção parental, de Matte-blanco e o objecto multidimensional que é a cena primitiva, e a impossibilidade de saber acerca da morte, podemos acrescentar que os dois Nadas, estes dois conhecimentos são lugares sem realização mental possível. Tal como o próprio autor salienta, ninguém consegue ter uma realização da sua própria geração, concepção, nem da sua morte. Pode realizar um tempo antes da sua vida e depois da sua morte, mas não estes dois momentos na experiência de si. Apesar disso, o facto de termos nascido e de irmos um dia morrer, são as nossas únicas certezas. Certezas mas experiências irrealizáveis, que podem contudo ser simbolizadas.

3.3. INOVAÇÕES E PROBLEMAS ENCONTRADOS PELO ESTUDO DO