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A importância histórica do Ártico americano

Russia e EUA: atitudes antitéticas em comparação 2.1 A visão articocéntrica da Rússia

2.2 A visão artico-periférica dos Estados Unidos

2.2.1 A importância histórica do Ártico americano

A primeira manifestação de interesse verdadeiro pela região ártica que os americanos declararam à história verificou-se no ano 1939. Naquele ano, o governo americano tentou adquirir a Gronelândia numa operação diplomática realizada com a representância governativa dinamarquesa.124

Esta primeira operação, longe de qualquer sentido de irredentismo por parte do governo de Washington, manifestou a consciência que os americanos tinham de quanto a região poderia potencialmente ganhar quanto a importância estratégica, em vista de comunicações com regiões mais periféricas ainda impossíveis então.

Esta importância começou-se a manifestar de forma muito mais explícita em ocasião da explosão da primeira bomba atómica soviética, que foi detonada em agosto de 1949. A este ponto partiu a problemática de ter um fronte setentrional relativamente fraco, com a consequente necessidade de reforçar o contingente militar operativo na área, em vista de eventuais choques com o novo concorrente geopolítico.125

Nesta ocasião, os EUA sentiram-se obrigados a uma reavaliação das próprias estimativas anteriores, que consideravam a União Soviética como um estado incapaz

124 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p127

42 de efetuar um ataque bem-sucedido com armas nucleares e com bombardeiros de longo raio de ação antes de 1955.126

A importância estratégica do 49° Estado cresceu vertiginosamente. A Guerra Fria tornou-se realidade e rapidamente demonstrou como o caminho mais curto entre as duas superpotências contrapostas era através do Ártico. Em poucos anos os dois exércitos realizaram que as bases árticas estavam numa posição privilegiada para o lanço de bombardeiros e mísseis balísticos.

A Alasca, em qualidade de postação mais avançada no eixo latitudinal dos Estados Unidos, assumiu uma importância crucial, tornando-se na base norte-americana mais avançada em relação ao território russo. A região não se encontrava suficientemente preparada para enfrentar qualquer tipo de choque, não tendo sido particularmente operativa nos dois conflitos mundiais, e agora requiria um esforço militar muito maior por parte do governo central americano, que teria que considerar aquele como um novo frente, e não só um apéndice abandonado.127

Viu-se rapidamente como a Alasca representasse o único território do sistema politico norte-americano capaz de hospedar uma série de treinos operacionais em condições climáticas e geológicas glaciares extremas, bastante semelhantes às que se podiam encontrar no território continental russo, o qual, como já vimos, compreende um enorme quadrilátero de natureza biotópica polar e subpolar onde as condições climáticas favoreceriam um exercito, o russo, mais abituado a estas condições respeito aos americanos mais confortáveis em territórios temperados ou quentes.128 A posição privilegiada que o Alasca tinha permitia também a identificação de eventuais ataques partidos pelo exército contraposto, assim como dava possibilidade de monitorar as operações de tipo nuclear que a União Soviética continuava intencionalmente a efetuar, mesmo através do relevamento de alterações sísmicas na calota polar, verdadeira janela sobre o panorama bélico inimigo129.

126Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126

127 Ibidem

128 Ibidem

43 Graças à densidade de povoação particularmente baixa que o Estado setentrional permitia, não foi difícil naquela altura proceder à instalação de uma série de bases militares, aeródromos militares, centros de treino com munições reais de ataque e de exercícios militares em grande escala.130

Na região de Anchorage, maior cidade em termos de tamanho e população do Estado do Alasca, nasceram as estações de artilharia antiaérea de Fort Richardson e Fort Greely, mais a base aérea de Elmendorf, enquanto nas regiões do interior – que têm condições climáticas ainda mais rígidas – perto do centro de Fairbanks surgiram a base Fort Wainwright e a aero-estação de Eielson.131 Até as ilhas Aleutas foram envolvidas neste processo de militarização local, com a fundação da base aérea de Eareckson, operativa nos dois eixos norte-sul e leste-oeste, vista a proximidade com as penínsulas de Чукотка132e Камчатка133 integradas em continuidade com o

território siberiano da Federação Russa.134

Laurel Hummel, no 2015, notifica como perante a Guerra Fria, e também nos anos a seguir, o emprego de recursos humanos nas instalações militares do Alasca representou para os cidadãos uma das principais fontes de empregabilidade, embora recebesse ainda uma fração mínima de ajuda em termos de unidades militares em relação a outras operações em que os Estados Unidos empregavam um esforço sensivelmente diferente.135

Com o avançar dos anos e das tecnologias, os Estados Unidos foram obrigados a considerar como o risco de ataques balísticos mais precisos por parte da Rússia estivesse em crescimento esponencial. A posição privilegiada das bases no Alasca garantia uma certa preparação para a deteção e a destruição destas potenciais

130 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p126

131 Ibidem, p127

132 Russo: “Čukotka”

133 Russo: “Kamčatka”

134 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.127

135 Hummels, Laurel, 2005, Excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.376

44 iniciativas, mas deixava por outro lado uma questão acessória que ganhara importância: o eixo EUA-Rússia tinha uma terceira entidade nacional em direta continuidade, com a qual era preciso encontrar um acordo para o utilizo proatívo da inteira faixa continental americana contra o risco de ataques pelo lado eurasiático. Em 1958, portanto, Estados Unidos e Canadá deram origem a um comando militar comum, que tomou o nome de North American Air Defense, e que, mais além, foi re- batizado North American Aerospace Defence Treaty, ou NORAD, que propunha assegurar uma vigilância na área polar mais estendida, em defesa do espaço aéreo da América do Norte na sua continuidade trioceânica.136

O NORAD instalou imediatamente uma construção colossal, estabelecendo uma rede de instalações militares e de estações radar orientadas mais a norte possível, próximo do paralelo 70.137 Esta linha de continuidade acabou não só por conectar o Alasca com os territórios árticos canadianos, mas passando pela Gronelândia chegava às ilhas Fær Öer – sempre de dependência dinamarquesa - e à Islândia. Esta linha de defesa anti-soviética tomou nome de Distant Early Warning Line, ou DEWL.138 Guillaume Clausonne, em 2007, acentua esta necessidade que os Estados Unidos, na altura da Guerra Fria, tiveram de conetar o frente ocidental à possível ameaça russa através do caminho ártico lembrando como Washington procurou criar uma rede de comunicação a distância entre as principais bases militares no Alasca e outros centros estratégicos nos outros paises do A-5, como Thule e Søndre Strønmfjord na Gronelândia.139

Em 1985 o cuidado para com as operações ao longo da DEWL ainda aumentou. O colapse iminente da União Soviética não representava um impedimento ao desenvolvimento da defesa do espaço aéreo e territorial do frente setentrional do

136 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, pp. 128/129

137 Bloomfield, 1981, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.129

138 Ibidem

139 Clausonne, Guillaume, 2007, excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.128

45 continente americano. Mesmo a DEWL acusou um processo de renovação e modernização, com a integração de novas estações que deram origem a uma nova rede de proteção com o nome de North Warning System.140

Nos anos ’90 às complexas instalações militares que, apesar de não terem dado à porção ártica do território americano um papel identificativo pela nação, conseguiam garantir uma proteção continua para a incolumidade dos Estados Unidos de localização paradigmática, acostaram-se outros tipos de instalações, de natureza científica. As bacias árticas, de natureza ainda misteriosas na época, começavam a revelar um potencial geológico interessante, e a maciça dotação de meios de que os Estados Unidos dispunham permitiu uma série de explorações de caráter científico e perlustrativo que ilustraram aos americanos as caraterísticas dos fundais oceánicos e do potencial extrativo da área submergida.141

Submarinos Sturgeon perlustraram a área por duas decadas, acabando por ser substituidos por quatorze unidades submarinas nucleares ainda mais desenvolvidas, chamadas unidades Ohio, só em 2012, em plena questão Ártica e no meio da sucessão de reivindicações territoriais que deram origem à complexa situação a mosaico de hoje em dia.142