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Donald Trump e os horizontes da questão ártica

3.2 A visão geopolítica de Trump face ao A-

3.2.2 Os horizontes possíveis

O que o Presidente Donald Trump irá provavelmente lançar às entidades governativas que formam o inteiro Arctic Council é um desafio. Ele nunca excluiu a possibilidade de uma colaboração produtiva com os parceiros desta associação, mas com caraterísticas pessoais que ele tenterá impor aos outros Presidentes, à espera das respostas e na avaliação das consequências.

Tendo em consideração como o Presidente norte-americano tem desenhado desde sempre a sua linha política, ou seja, uma série de escolhas e de decisões finalizadas à inversão de tendência relativamente a quanto Obama tinha construido, não é difícil pensar que este tipo de atitude se verificará também no âmbito Ártico, cuja situação, como visto, tem caraterísticas peculiares que se irão refletir na história do futuro próximo da região e das suas instituções.

Enquanto, de fato, Barack Obama e, antes dele, já George W. Bush tinham definido uma imagem dos Estados Unidos no Ártico que os ilustrava como líderes do grupo sem reivindicação de liderança, e como pioneiros de atividades cooperativas acerca das problemáticas ecológicas – o problema do aquecimento climático junto ao do degelo da calota em termos de perda de território para as povoações indígenas - , o novo Presidente irá garantir uma sistemática discussão no interno do Arctic Council apenas através da sua própria ideia de multilateralismo, que se traduz num multilateralismo hierárquico, que prevê uma certa autonomia decisional por parte de todas as entidades, inclusive os Estados Unidos, os quais tenterão cuidar dos próprios interesses sem procura de aprovação coletiva, pena um afastamento gradual do

90 sistema de colaborações e o isolamento, perspetiva já considerada seja por Trump e o seu governo, seja pelos outros membros parceiros.290

Ele aceitará a opinião e as considerações dos outros Estados só se compreenderem uma atenção cuidadosa aos interesse do Alasca e uma política de protecionismo para a extração dos recursos, coisa que, como sabemos, não reflete totalmente a opinião das outras partes em questão, especialmente da Rússia, vista a sua pulsão à liderança e os seus movimentos de militarização maciça ainda agora operativos no Ártico.291 Ron Hurbert nos explica que:

“Trump has made no secret of the fact that he wants to reverse as much as possible of what Obama has achieved, and it’s quite clear that he does not support the idea of multilateralism for multilateralism alone.”292

E, em função disto, conclui declarando que o Arctic Council aceitará uma continuação ativa do trabalho começado com Obama apenas no caso em que:

“...it is not going to have that American support and input that really had come to energize the organization under Obama.”293

pedindo então uma filosofia de continuação em vez das perspetivas revolucionárias ameaçadas por Trump.

Aparece bastante claro como haja uma divergência opinacional muito grande. O multilateralismo que Trump propõe tem semelhança mais com uma forma de federalismo Ártico internacional e multipolar, com autonomias definidas e lideranças alcançadas pelos resultados económicos, mais do que pela autoridade obtida no campo da investigação e dos estudos ecológicos, deixando também por trás o prestígio nacional de raizes históricas, que os Estados Unidos já têm.

290 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

291 Ibidem

292 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

91 No caso em que, portanto, o Arctic Council resolver não aceitar esta nova visão imposta por Donald Trump, o fato irá desencadear uma reação em cadeia que tem risco de levar o equilíbrio fraco da calota ártica para duas possíveis realizações, que se revelarão as duas mais prováveis conclusões desta última fase diplomática.294 A primeira resolução da problemática seria a mais vantajosa para os Estados Unidos. Os Estados árticos podem aceitar esta nova filosofia multilateral, com o apoio de uma Federação Russa já orientada para uma autonomia operacional e os outros Estados obrigados a aceitar uma nova fase de fraqueza no campo da cooperação, virando a própria atenção para os interesses pessoais e reforçando a defensa da própria porção territorial e das operações extrativas em processo naquelas áreas.295 Este cenário ilustraria uma extremização do conceito do multilateralismo, em que cada Estado recusa contatos com os outros – com a excepção de colaborações de caráter puramente económico, sem procurar acordos políticos e mediações – e as disposições de extra-territorialidade das áreas estratégicas nas novas rotas formadas no oceano Ártico são mantidas tais, sempre à espera dos novos pedidos de reivindicação territorial a que, lembramos, não podem participar mesmo os Estados Unidos.

Mas a hipótese mais provável é a que prevê uma virada por trás dos outros Estados do A-5, afastando os próprios interesses voltados para a cooperação dos Estados Unidos e das suas veleidades de autonomia, mas mantendo uma união, e também, reforçando a própria vontade de trabalharem juntos, apesar da presença dos Estados Unidos – sempre bastante marginais na questão Ártica, e tolerando a atitude ambígua dos Russos, que também são orientados para uma política mais autónoma mas que, como já tratado, de vez em quando mostram uma certa aproximação, especialmente em termos de diplomacia, para evitar choques absolutamente não convenientes naquela zona, de caraterísticas territoriais difíceis para uma ação bélica e de exposição ao inimigo demasiado extendida e vulnerável.296

294 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

295 Ibidem

92 Os Estados Unidos devem ter previsto este cenário, tanto que de momento ainda mantêm uma atitude de baixo perfil quanto a enfrentar questões sobre o Ártico, e este não é um caso.297 A opinião pública estadounidense – mas também mundial – tem o seu papel nesta manobra: os protestos para a proteção do ambiente, vista a vontade de Donald Trump de voltar à produção de energia através da combustão do carvão298, já tiveram a certa ressonância até aos planos altos da Casa Branca.

Ele, de momento, tem de assegurar que a sua imagem política mantenha o respeito suficiente para justificar ações bélicas não condivisíveis por todos, veja-se a série de ameaças ao governo da Coreia do Norte, assim como os problemas de política interna, último dos quais a demissão do chefe do FBI James Comey devido ao seu envolvimento no escândalo Russiagate.299

Considerado isto, não pode insistir de maneira exagerada na questão ambiental, e embora seja previsível qual será a sua posição sobre os pedidos de salvaguarda do ambiente ártico contra a exploração excessiva dos seus recursos, de momento mantém-se na sombra, impondo a própria visão política mas ainda não promovendo publicamente nenhuma decisão relativamente a isto.300

Analisados agora os dois possíveis resultados desta atitude inicial do novo curso político dos Estados Unidos, é preciso focar a atenção em qual será a resposta da Federação Russa, vista não apenas a atitude que tem sempre mostrado em relação ao Ártico, mas também a posição ideológica mais favorável ao lado político de Trump respeito à acérrima adversária política que riscava de ser eligida em seu lugar, ou seja, Hillary Clinton.

Путин301 recebeu declarações de simpatia e apoio político pelo recém-eligido

Presidente Trump em diversas ocasiões, dando clareza sobre o fato que considera o

297 Ibidem, p.6

298 F.Q., Trump riporta gli Stati Uniti al carbone. Firma decreto anti-politiche ambientali e annuncia: “Minatori di nuovo al lavoro”, il Fatto Quotidiano, mondo, 28-03-17, p.1

299 Collinson, Stephen; Zeleny, Jeff; Diamond, Jeremy, Trump fires FBI director James Comey, CNN Politics, 10-05-2017, pp. 1-3

300 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

93 novo chefe de Estado dos Estados Unidos um interlocudor muito mais favorável do que foi Obama e, principalmente, do que podia ter sido Hillary Clinton.302

Como já visto, os dois Estados não apresentam uma união de intenções exatamente contígua. Permanece o problema ecológico – para manter a atenção apenas no âmbito ártico, sem mencionar os diversos pontos de divergência na política externa que estão sujeitos ao clamor público – e irão-se enfrentar outras questões de direito internacional, vista a expansão tão rápida da joint-venture entre a Exxon Mobil e a Роснефт303 e a posição agora extremamente favorável de Tillerson na rede política

das duas superpotências.304

Porém, Moscovo dá ideia de ser optimista face à iminente realização política da administração de Trump. Por um lado, a figura de Max Tillerson como figura-chave para a aproximação das duas partes parece confiável para ambos os governos, e por ele passarão todas as disposições relativamente aos contatos diplomáticos que se verificarão no próximo futuro entre as duas potências mundiais305 - veja-se relativamente a isto a descrição oferecida por Valery Konišev desta figura de importância crucial para as relações entre Estados Unidos e Federação Russa:

“He has experience in cooperation, no Russophobia, no ideological blinkers when making decisions”306.

Pelo outro, a elite política da Federação Russa tem expetativa de um comportamento construtivo por parte dos Estados Unidos no âmbito das relações com a contropartida eurasiática. E isto traduz-se com uma diminuição sensível da Russofobia entre os cidadãos norte-americanos, criada – substêm – pela máquina mediática na mão dos

302 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

303 Russo: “Rosneft”

304 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

305 Ibidem

306 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.6

94 Democratas na última fase do governo de Barack Obama, e com uma nova relação constuida sobre bases mais pragmáticas e orientadas para o proveito comum.307 A primeira demonstração da veracidade destas observações poderia potencialmente ser esta tão esperada revisão das sanções impostas por Obama ao governo russo. Todos, no Kremlin, estão à espera de uma intervenção definitiva do Presidente norte- americano para cancelar esta dívida e reforçar a economia Russa em função de futuras colaborações em zonas de interesse financeiro, primeira entre todas permanece a calota ártica.

Trump e Путин308 comportam-se e vêem-se um ao outro como dois businessmen de grande racionalidade e de visão pragmática e longimirante.309 Isto deixa pensar que, contrariamente a quanto as outras entidades do A-5 ameaçam fazer, ou seja, criar um subgrupo em cooperação contra a maior autonomia alcançada pelos Estados Unidos, Путин310poderia aproveitar desta nova figura de não discutível potência e da sua

confiança em termos políticos, criando uma nova estrutura binária que seja consistente e estável, e de qualquer forma, se contraponha ao outro pólo do A-5, até à realização de um verdadeiro cisma.

Apesar de todas estas considerações, em todo caso, o futuro continua incerto. À questão ecológica juxtapõe-se a questão militar, que tem que ser enfrentada e resolvida entre as duas entidades envolvidas com um diálogo que seja aberto e razoável.311

Os expertos russos permanecem prudentes sobre esta questão. O quantitativo excessivo de recursos bélicos por um lado e pelo outro preocupam as corporações militares das duas superpotências, com atenção particular para as declarações de Donald Trump sobre a defesa global para os mísseis, inclusive nas bases do

307 Idem, ibidem

308 Russo: “Putin”

309 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

310 Russo: “Putin”

95 Ártico.312 Do outro lado, os Estados Unidos têm mostrado desde sempre uma certa intolerância face ao excessivo contingente militar finalizado à defesa do Ártico russo, vista a falta de choques bélicos e a série de provocações recebidas pelos generais da Federação Russa.313

Em todo caso, não parece existir uma preocupação tal que pode evitar o contato entre estas duas entidades, cujos interesses comuns no Ártico são muitos e cujas ideologias políticas são suficientemente contíguas.

Konyšev declara através do jornal Russia Direct que:

“Moscow had concerns about some of Trump’s campaign advisors’ declaration on global ballistic missile defense, including its Arctic component. […] Moscow is not expecting military escalation with the U.S. in the Arctic”314

pondo particular énfase no fato que uma eventual intervenção relativa a um crescimento significativo das unidades bélicas norte-americanas no Ártico não seria interpretada pelos expertos russos como uma ameaça de agressão militar, mas mais facilmente como uma direta consequência dos benefícios da nova política económica de Donald Trump, na porção continental do País e também na apéndice ártica.315 Finalmente, esta nova situação económica esperada pelos expertos russos poderia levar a consequências favoráveis também sob o ponto de vista da divergência de visão relativamente à situação ambiental da calota. Embora a administração de Donald Trump se tenha mostrado relutante para concretizar um plano de proteção ecológica na sua porção de Ártico, como o risco de criar novas tensões no já comprometido equilíbrio da questão ártica, a convergência dos interesses políticos e económicos acabará provavelmente por restaurar um certo diálogo também sobre as divergências, com a criação de uma nova estrutura de trabalho comum que permita

312 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

313 Ibidem

314 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.7

96 ao governo Russo garantir algumas condições ecológicas sem que estas afetem os interesses económicos dos estadounidenses.316

A Federação Russa e os Estados Unidos, portanto, têm a ocasião de re-juntar as forças contra uma oposição comum dos outros membros do Arctic Council, especialmente os observadores da União Europeia, e convergendo na figura de Max Tillerson poderão construir um novo equilíbrio bipolar que acabará por alterar definitivamente a hierarquia do Ártico, com consequências na ecologia, na economia, na política e na etnografia regional.

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Conclusão

Como podemos ver , o futuro da região ártica é imprevisivel. Ainda não são claras as vontades do Presidente norte-americano em relação à gestão da questão ártica, como se fosse uma problemática de interesse menor – coisa que, como visto e ampliamente analisado, não é.

Enquanto o presidente Путин317apresenta-se como o representante das vontades de um povo inteiro e completamente identificável com o ártico, e portanto cuida dos interesses do seu povo em maneira pouco constante mas fortemente polarizada à conservação das próprias áreas de extração e a assegurar ao seu País uma maior porção esplorável de Ártico possível, o outro presidente, Donald Trump, constrói umas primeiras re-definições dos antigos acordos graças a figuras de caratura política importantes, dando impressão de preferir os aspeitos comerciais às questões ecológicas, muitas vezes em contraposição direta.

O que é previsível é que, vista a tendência de ambos os Presidentes ao enrequicemento económico e à supremacia territorial, as duas figuras terão interesse em manter um relacionamento sereno e produtivo, que os levará com quase total certeza à liderança diarquica na zona ártica.

Pelo outro lado, as entidades do A-5 não envolvidas neste processo terão que trabalhar para manter um equilíbrio geopolítico aceitável, vista a presença marcante destes dois colossos.

Com certeza, o cenário ártico representará a nova fronteira dos equilíbrios geopolíticos mundiais, e a importância das decisões tomadas pelas figuras decisionais é crucial. Somente o tempo nos oferecerá ulteriores informações para este puzzle geopolítico, e revelará se estas previsões, embora já tenham bases analíticas consistentes, se realizarão ou desenharão uma história política diferente e imprevista.

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