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Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico

Russia e EUA: atitudes antitéticas em comparação 2.1 A visão articocéntrica da Rússia

2.3 O encontro entre as duas realidades

2.3.2 Os Estados Unidos e a Federação Russa no Ártico

O Ártico é uma região do planeta Terra cujas condições climáticas e orográficas extremas impedem aos estrategistas uma fácil realização de um plano de ação, pelo menos segundo as diretivas comportamentais aplicáveis em outras regiões.

Os fatores que têm de ser tomados em consideração são diversos, e condicionam em maneira importante qualquer veleidade bélica – ou em qualquer maneira operativa – queira-se realizar na região. Rússia e Estados Unidos têm consciência disto, e não pretendem transformar o Ártico numa região de relevante risco bélico, por uma série de razões que irão ser analizadas.

Relativamente às relações internacionais que a Federação Russa e os Estados Unidos tiveram em relação à questão Ártica, uma teoria importante que analiza o histórico dos encontros assim como as razões do temperamento passivo-agressivo usado pelas duas potências em várias ocasiões de divergência é a que vê os dois Estados envolvidos como não interessados a uma realização bélica da questão, por razões acessórias de natureza económica e logistica.

Embora o evento de 2015 seja sempre um ponto crucial na análise do relacionamento entre as duas nações, no que concerne o Ártico as duas partes mantêm uma atitude de frieza e de séria diplomacia, apesar de provocações esporádicas e declarações limitadas a coordenadas espácio-temporais não aplicáveis a uma linha de condução unitária.

Abbie Tingstad, Stephanie Pezard e Scott Stevenson, no analizar as possibilidades concretas que esta condição de tenda se transforme num choque de natureza bélica, parecem excluir esta eventualidade, afirmando como uma organização de operações militares num território aspérrimo como o da região polar não seria conveniente sob um ponto de vista económico e de recursos humanos a nenhuma das duas fações.188

188 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1

61 O risco – dizem – aparece limitado. A condição de gelo das bacias aquáticas torna o ingresso de alguns meios destinados à ação militar assim como a estrutura de meios de comunicação quase impossível na maioria do ano, sem contar a ação de defensa e de controle do território que trabalha para evitar a realização de um choque, com a consequência de vários frentes de combate que iriam multi-polarizar a eventual guerra com novos gastos de recursos e de disponibilidades financeiras.189

O que os três teoréticos teorizam como mais provável em termos de realização é a que eles chamam uma resources war.190 Neste sentido, o choque consistiria na corrida aos recursos em menor tempo e em maior quantidade possível, com a finalidade de por a bandeira sobre a maior parte das zonas extrativas e, consequentemente, afetar a economia da nação rival que se veria privada de uma parte de potencial disponibilidade económica.191

Porém, isto aplicaria-se muito mais a uma nação, como a Federação Russa, que sempre pôs entre as suas prioridades a nacionalização de vastas partes da calota ártica. A guerra dos recursos, de momento, para os Estados Unidos encontra-se numa fase germinal, visto o periodo exíguo em que o estado federal tem enfrentado a questão Ártica e as veleidades exprimidas de cooperação e de igualdade – pelo menos de iure – entre todos os parceiros envolvidos na situação.

É muito mais plausível que a série de provocações lançadas pelas duas partes tenha uma origem ideológica mais do que estratégica. Os dois Estados não podem aceitar, por coerência com as próprias linhas de conduta em âmbitos internacionais, que uma das duas partes obtenha uma supremacia absoluta, e por isso, acontece que um dos dois lados pretenda reivindicar o controle sobre a zona para, de qualquer forma, relembrar ao outro que tem de ser presente e operativo.192

189 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.1

190 Ibidem

191 Ibidem

62 Para enumerar as mais importantes destas provocações, deixando a viagem do submarino Арктика193 de lado, tendo já em conta a relevância absoluta deste gesto efetuado pelos Russos em termos de reivindicação territorial e de supremacia, o ano de maior tensão antes do episódio da anexão da Crimeia foi 2012.

Neste ano enfrentavam-se dois Estados em fase de divergência embrional. A Federação Russa acabava de celebrar a renovação do apoio popolar graças aos resultados eleitorales favoráveis à fação gerida por Путин194, e acabava de colidir com os Estados Unidos por causa das queixas de condicionamento eleitoral surgidas na América, chegando rapidamente à sua expulsão do G8. Neste cenário, o Ártico foi sede de um evento de retaliação que afastou sensivelmente as duas partes nas tratativas diplomáticas de área.

Como resposta à iniciativa dos Russos, que evadiram o controle norte-americano perante uma patrulha no Gulfo do México através do ingresso não autorizado do submarinho Акула195, o Commando da Defesa Aerospacial Norte-Americana

reportou a intercepção de dois unidades aéreas Tu-95 Bears pertencentes ao exército russo, entradas no espaço sob o controle norte-americano ao largo da costa do Alasca.196

Daqui seguiram-se uma série de reivindicações e de provocações que deixaram apodrecer todo o aparelho diplomático que se criara ao longo dos primeiros anos da nossa década.

Inicialmente, a Rússia quis uma revisão do acordo sobre a limitação no uso de plutónio nas armas e nos meios militares que fora assinado e ratificado no ano 2000. 197 O Presidente Путин198 após ter inferido que este tipo de percurso diplomático

193 Russo: “Arktika”

194 Russo: “Putin”

195 Russo: “Akula”

196 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.3

197 Ibidem, p.11

63 tinha-se tornado obsoleto, dada a mudança de tendência que a relação com o Estados Unidos tinha mostrado, declarou que o 2000 Plutonium Management and Disposition Agreement teria sido contra-revisionado e re-tomado em consideração apenas no caso em que os Estados Unidos tivessem atenuado as sanções impostas e, ainda mais clamoroso, tivessem pago um reembolso económico à Rússia pelas perdas generadas pelas sanções199

Sucessivamente, a nova linha política de Путин200 afastou ulteriormente a Federação Russa de uma ideia de cooperação na questão Ártica quando o Presidente pediu em 2016 – e já nos encontramos na fase em que o rasgo entre as duas superpotências chegou à sua realização mais evidente – que às representâncias de Suécia e Finlândia fosse impedida uma aproximação à NATO tal que poderia ter terminado com o ingresso dos dois Estados na organização.201

Os dois Estados – declarava o Presidente – em qualidade de estados neutrais podiam mudar os equilíbrios já instáveis da corporação internacional ao ponto de chegar a consequências catastróficas.202 Isto, de qualquer forma, não impediu que houvessem consequências no âmbito do Arctic Council, contribuindo ao isolamento em que a Rússia se colocara, e afastando uma vez mais a federação eurasiática do bloco ocidental de referência norte-americana.

Apesar disto, Tingstad, Pezard e Stephenson concluem que a falta de um suficiente número de postos de controle, assim como a dificuldade de movimento dos meios numa calota cujo degelo ainda não se pode considerar significativo para a realização de verdadeiras operações bélicas, de qualquer forma evitam que qualquer provocação – as quais chegam quase sempre de um lado para o outro – se transforme numa verdadeira guerra.203

199 Smith, Julianne; Twardowski, Adam, The Future of U.S.-Russia Relations, Center for a New American Security, Papers for the Next President, Jan 2017, p.11

200 Russo: “Putin”

201 Tingstad, Abbie; Pezard, Stephanie; Stephenson Scott, Will the Breakdown in U.S.-Russia Cooperation Reach the Arctic?, Inside Sources, Out 12, 2016, p.3

202 Ibidem

64 De ideia antitética é a análise que, partindo não da natureza desconfortável da área, mas da velocidade nos processos de instalação de estruturas militares no Ártico, nos ofereceu Andrei Akulov.

Ele considera como pelo contrário, o Ártico possa ser considerado uma zona quente pela relação proporcional que existe entre o número de meios finalizados à operação militar e a exposição que um frente tem face ao outro. O investigador sublinha o fato do Alasca ser usado como ponto de lanço balístico para missões da Aeronáutica Militar norte-americana para missões que abrangem o inteiro hemisfério setentrional, e como a partir daquele ponto Europa e Ásia possam ser alcançadas sem abastecimento.204

Para além disso, inclusive, já foi decidido que para o ano 2020 será usada a base aérea de Eielson para o estacionamento de duas esquadras aéreas de F-35 Lightning II Fighters, com a expetativa de conferir aos Estados Unidos a supremacia nas vias aéreas entre todos os exércitos do hemisfério setentrional, inclusive o da Federação Russa cuja veleidade à liderança – como visto – é parte dos preceitos fundamentais de existência.205

Uma outra observação que Akulov faz com a finalidade de desmentir os substenidores de uma difícil realização bélica no Ártico é relativa ao maciço utilizo de submarinos com mísseis balísticos de longo raio, os Tomahawks, que em missão no Mar de Barents seriam capazes de alcançar as maiores cidades da Federação Russa, inclusive Moscovo, num prazo de 15-16 minutos.206

E em adição a isto, ele observa como o Ártico seja a única estação de habilitação para estes submarinos com dotação Tomahawk de interceptar as bases de lanço dos mísseis balísticos intercontinentais russos, os ICBM, localizadas nas regiões de

204 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

205 Ibidem

206 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

65 Оренбург207e Красноярск208, cujo potencial de destruição é relevante ao ponto de

poder ser considerado uma verdadeira ameaça à estabilidade mundial.209

Dá-nos um elemento de contradição com quanto analizado por Akulov uma declaração de importância crucial da Guarda Costeira norte-americana, que consultada sobre as possíveis transformações que as relações entre Estados Unidos e Federação Russa podiam acusar, respondeu que

“The US must work to better understand Russian capabilities in the Arctic to avoid miscalculations that can lead to escalation. US-Russian Arctic operations are a source of optimism between the two nations, and this must be continued.”210

Em qualquer caso, assim como é possível traçar algumas coordenadas da situação entre Estados Unidos e Federação Russa em termos de estratégia militar e de potencial de risco – com visões em oxímoro segundo quais fontes termos em consideração – é devido considerar como os exércitos não sejam os únicos atores que definem o andamento das relações entre estas duas superpotência, visto o importantíssimo contributo que os interesses económicos na zona dão à manutenção da estabilidade mesmo em situações de deslize diplomático.

Em termos de economia já são tratadas as vontades dos dois Estados concernentes a extração dos recursos e o controle sobre as áreas marítimas contendidas. O que não foi mencionado é que na área já trabalham duas companhias entre as mais produtivas do mundo especializadas na extração e no processamento de recursos subterrâneos, as quais contribuem respetivamente à saude económica dos Estados Unidos e da Federação Russa: a Exxon por um lado, e a Рoснефт211pelo outro.

Estas duas companhias entraram numa joint-venture no ano 2012, contrariamente à tendência de afastamento entre Estados Unidos e Federação Russa que iniciou a

207 Russo: “Orenburg”

208 Russo: “Krasnojarsk”

209 Akulov, Andrei, Arctic: Incredibly Important Issues on Russia-U.S. Agenda, Strategic Culture Foundation Journal, Moscovo, 14-11-16, p.1

210 Ibidem, p.3

66 aparecer naquele ano. 212 Isto foi realizado para desenvolver novas reservas off-shore no Mar de Kara – assim como no Mar Negro – e postos de processamento on-shore na Sibéria.213

O ano seguinte, as duas companhias reforçaram os laços desenvolvendo esta política de realização de apostamentos de operatividade mútua com ulteriores contruções de sete blocos na Чукотка214, no Лаптев215e no mar de Kara. 216

O ativo dos dois colossos económicos graças à união no território Ártico mostra números exorbitantes. A Exxon dispõe de 63,6 milhões de aras exploráveis no território sob a soberania Russa, e o 33% da produtividade no Mar de Kara, mais um 30% de ativos no Mar de Сахалин217e no Mar Negro, que embora não se encontrem no Ártico, dão uma ideia da disponibilidade da sociedade em território russo.218 Do outro lado, a Роснефт 219estima ter uma disponibilidade de 87 bilhões de barris

de petróleo que se encontram em três blocos do Mar de Kara e que pertencem à joint- venture estabelecida com a Exxon Mobil.220

Mas a relevância desse assunto ganha um valor ulterior quando no ano 2013 o Presidente Obama impõe sanções ao governo federal da Rússia, com consequências importantes no proveito da joint-venture em questão.

212 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

213 Ibidem

214 Russo: “Čukotka”

215 Russo: “Laptev”

216 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

217 Russo: “Sakhalin”

218 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

219 Russo: “Rosneft”

220 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

67 De facto, como consequência direta do evento, a Exxon Mobil declarou-se obrigada a desistir da cooperação em todas as operações no Mar de Kara.221

Max Tillerson – agora chefe executivo da Exxon Mobil nomeado pelo novo Presidente Donald Trump -, criticou severamente a iniciativa do Presidente Obama, e foi-lhe conferido o título pela Ordem da Amizade pelo Presidente Путин222em pessoa, em oposição explícita à decisão política tomada por Obama e ao complexo político representado pelo Presidente norte-americano na sua totalidade.223

Entrelaçamentos entre política, estratégia e economia então tornam as relações entre Estados Unidos e Federação Russa no Ártico de difícil leitura. Não é de compreensão imediata a série de afastamentos e aproximações que seguiram o andamento diplomático das duas Nações. Por um lado, a tendência geral de proximidade seguida por dois choques decisivos é aplicável, pelo menos sob um ponto de vista macroscópico. Mas pelo outro, muitos outros fatores influenciam a rede de comunicações-provocações complexa que compõe a história contemporária do Ártico. Duas entidades tão envolvidas na reivindicação de prestígio chegam a entrelaçar-se com interesses económicos de corporações cujos proveitos são enormemente significativos, e tudo isso através de uma intensão mútua de manter um equilíbrio que não decline numa guerra que não seria conveniente sob nenhum ponto de vista.

Federação Russa e Estados Unidos sabem que a questão ártica é mais semelhante a um jogo de xadrez, em que cada movimento pode mudar a tendência geral, e por isso, sabem dosear agressividade e diplomacia, ação direta e pedidos de cooperação, para que esta tenda dure o tempo necessário suficiente para uma exploração e uma extração relevante dos recursos, na espera dos novos pedidos de reivindicação territorial, que, sob um ponto de vista geopolítico, representam a questão mais importante a ser considerada.

221 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.2

222 Russo: “Putin”

223 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

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