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Militarização russa no Ártico

Russia e EUA: atitudes antitéticas em comparação 2.1 A visão articocéntrica da Rússia

2.1.1 Militarização russa no Ártico

A história da militarização que o governo federal de Moscovo operou para o controle hegemónico da porção Ártica do seu território começa na terceira década do século XX.78

Aleksandr’ Golc, no 2011, identifica dois pontos de investigação que coincidem com dois acontecimentos históricos, nos quais a mudança em termos de quantificação militar na região apresentou-se significativa.79

O primeiro representa a intervenção militar Russa ao longo da segunda Guerra Mondial, em que o Ártico parou de ser só um traseiro pouco estratégico nos movimentos dos exércitos contendentes e começou a ganhar uma função logística de importância vital. Os russos, de facto, começaram a perceber o potencial estratégico da região utilizando-a como palco para as linhas de comunicação entre a União Soviética e os seus aliados.80

É importante lembrar como a Rússia, naquela altura, ficasse num espaço geopolítico isolado dos outros aliados, cujo orientamento oeste-este contrapunha-se à dicotomia em que se encontravam o estado Soviético, com batalhas tanto no frente ocidental contra o exército Italo-Alemão como no frente oriental contra o apéndice Japonês. O descobrimento de um novo eixo norte-sul para a comunicação com os Estados Unidos e o Canadá representou para a Rússia uma segura rota de comunicação para a organização e o desenvolvimento de operações militares conjuntas.81

O segundo ponto de investigação em que historicamente a Rússia encontrou-se a reconhecer a importância de uma tão cumprida porção costeira com o Oceano Ártico foi perante a Guerra Fria.

Porém, a situação nessa altura apresentava-se oposta: o Oceano Ártico deixara de ser uma zona franca, conjunção segura entre dois aliados tão importantes como a União

78 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

79 Ibidem

80 ibidem

29 Soviética e os Estados Unidos, passando a representar um terceiro frente para uma potencial guerra nuclear.82

Os estrategistas soviéticos esperavam que os Americanos atacassem com bombardeiros estratégicos ou com mísseis balísticos através do Pólo Norte, tratando- se de uma parte do globo livre de possíveis intercessões por terceiras entidades e, potencialmente, menos protegida pelos exércitos dos dois protagonistas.83

Nestas duas alturas, como aparece evidente, a Rússia viu-se forçada a maximizar o próprio esforço, reforçando o Ártico de suficientes forças bélicas de maneira a poder intimidar e, se tivesse sido necesário, rejeitar um possível ataque americano.

Porém, não foi só nestas duas alturas que a Russia nos deu exemplo de grande cuidado perante a proteção da costa ártica.

O período do pós-Guerra Fria fez surgir inevitáveis modernizações das Forças Armadas, consequência de uma necessária re-organização militar do recém-nascido estado federal Russo, e contrário à tendência conservadora dos militares russos, fortes dos sucessos passados e particolarmente repulsivos às mudanças.

O primeiro Presidente, mesmo a cavalo das duas épocas históricas da nação Russa, no meio da desintegração do colosso internacionalista Soviético e da criação arbitrária de uma nova entidade nacional Russa, que demonstrou de ter intenção de reformar e reorganizar o inteiro aparelho bélico nacional foi Михаил Горбачёв84, histórico último presidente do Estado Soviético, que expressou uma decisa intolerância para com a natureza estática do aparelho bélico, considerando-o apenas relativamente conveniente sob um ponto de vista económico e logístico do exército. Este acabou por definir a força militar do País como

82 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

83 Ibidem

30 “...um dinossauro gigantesco e inflexível, que absorvia imensos recursos do Estado”85

Os resultados obtidos pelo Presidente em termos de reorganização militar foram a redução das unidades efetivas de cinco para quatro milhões de homens, com relativa vantagem económica e com uma pouco sensível redução das forças empenhadas na proteção da região polar.86

Seguiu-o o primeiro verdadeiro presidente da nova Federação Russa, o liberal Борис Ельцин87, que insistiu em solicitar uma mudança radical no sistema da conscrição,

tanto que conseguiu libertar o país de um aparelho burocrático que não envolvia apenas cerca de vinte milhões de jovens no País inteiro, mas que representava também uma estrutura de grande gasto económico e de grande emprego de recursos humanos.88

Ainda nesta altura, o Ártico obteve um contingente de Forças Armadas mais reduzidas, profissionais, mais flexíveis, preparadas e eficientes para uma eventual operação militar de área, e com a ulterior motivação dos novos regimes de contratos de três anos, com a possibilidade de dispor de novíssimas tecnologias militares numa zona onde um utilizo das mesmas não podia representar um verdadeiro risco para a incolumidade dos cidadãos.89

A chegada do Presidente Владимир Владимирович Путин90 no ano 2000 representou um ponto de mudança radical no que diz respeito a muitos assuntos, porém, a atitude presidencial face ao exército não parou de ser orientada à poupança e à racionalização dos recursos humanos. A grande ambição do Presidente revelou-se com a declaração que fez no ano seguinte à sua subida ao poder, através da qual

85 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

86 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

87 Russo: “Boris El’cin”

88 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.110

89 Ibidem, pp.110-111

31 comunicou que na sua opinião as forças armadas ideais seriam capazes de contribuir para as grandes ambições do poder da Rússia.91

Apesar desta ambição, contudo, as suas reformas iniciais foram puntiformes. Tentou desvalorizar o conceito de mobilização e tentou profissionalizar as unidades dos para-quedistas. No Ártico, em todo caso, não houve uma mudança sensível.

Igualmente, a paréntese Presidencial de Дмитрий Анатольевич Медведев92não ofereceu novos cenários à situação no Ártico. Se bem o valor potencial da região estivesse em forte crescimento, as reformas militares do Presidente centralizaram-se sobretudo nas regiões meridionais da Ossétia do Sul, com a entrega local de novos meios eletrónicos. Esta polarização da atitude bélica da Rússia representa claramente as ambições territoriais da Federação Russa, tornando-as mais explícitas.

Nessa altura, a questão Ártica permanece silente, e até diminui com a racionalização da Marinha de Guerra na península de Kola em 2008, em que o número dos submarinos militares foi fracionado, partindo da maciça quantidade de 180 unidades ativas e operativas.93

Contudo, estas decisões não devem levar a opinião pública a uma tentativa de desmilitarização da área. Sob a segunda presidência do Путин94a flota da Marinha de Guerra no Ártico permanece a mais preparada e a mais consistente entre todo o A- 5, inclusive os Estados Unidos, cuja política relativamente ao Ártico é diferente, e consequentemente, é também a sua presença na região das forças bélicas.

Para fornecer uma ideia da natureza da Força Armada Russa em operação, pode-se imaginar uma formação triangular do exército, com o vértice no Polo Norte e a base nas zonas costeiras95.

91 Thornton, 2011 – excerto de: Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.111

92 Russo: “Dmitrij Anatol’evič Medvedev”

93 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.117

94 Russo: “Putin”

32 Nesta zona é operativa uma esquadra de quebra-gelo que, em termos de número, é a maior do mundo e constitui a principal ferramenta de apoio à navegação no Ártico russo, garantindo assim a navegabilidade das rotas marítimas do Ártico, abrindo o caminho aos návios para os portos setentrionais (Principalmente Мурманск96 entre todos) e entrando nos rios das regiões continentais setentrionais.97

Tudo isso juntamente aos submarinos e às forças aéreas, que dispõem das bases aero- navais mais setentrionais do globo, como as de Воркута, Тикси, Оленя е Мончегорск98, com a base ainda mais estratégica de Анадыр99 na península de

Чукотка100 perto do estreito de Bering que permite um controle relativamente

absoluto da passagem do noroeste, após a Guerra Fria – especialmente a partir do ano 2006 – começaram a servir bombardeiros Russos como o Tu-160 Blackjack e o Tu- 22M3.101

A intenção do governo da Rússia de utilizar tantas forças militares na região, porém, segundo Pavel Baev, não seria provocatória. Estes bombardeiros de facto não transportavam armas nucleares mesmo para evitar criar malentendidos para com às outras entidades do A-5, e eram definidos como sendo apenas patrulhas de combate de caráter estratégico.102

Em conclusão, a dúplice natureza – para não dizer ambígua – da política militar Russa na questão Ártica pretende manter um equilíbrio entre a procura e a ambição ao estado de supremacia na região sem chegar à provocação, e, consequentemente, ao choque. A Rússia mostra não preferir a via diplomática mas evita as violações da estase na calota, para não perder os privilégios diplomáticos obtidos.

96 Russo: Murmansk

97 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.123

98 Russo: Vorkuta, Tiksi, Olenja e Mončegorsk

99 Russo: Anadyr

100 Russo: Čukotka

101 Rodrigues Leal, João Luís; Geopolítica do Ártico no Século XXI, Junho de 2014, Letras Itinerantes, p.125

33 Torna-se difícil então definir uma filosofia militar unitária e consistente, mas é possível traçar as coordenadas da linha atitudinal do colosso eurasiático, presença instável na fraca armonia do panorama Ártico e pronta ao ataque caso venha a revelar-se necesário.

As forças do A-5 permanecem à espera da realização das estratégias políticas em relação à reivindicação territorial dos territórios contendidos de maneira que esta ambiguidade ganhe mais clareza, contando com os acordos assinados (Principalmente o UNCLOS) e com a vontade conjunta de não transformar a região num cenário de guerra, que quebraria os equilibrios mundiais não só em termos de geografia política Ártica, mas em projeção mundial absoluta.