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Donald Trump e os horizontes da questão ártica

3.1 As consequências da eleição de Trump no Ártico

3.1.1 As divergências ecológicas

A abordagem de Donald Trump à fase executiva após o seu insediamento na Casa Branca foi caraterizada por rapidez decisional e grande imprevisibilidade. Isso por um lado complica uma análise de tipo analítico baseada nas promessas e nas

224 Russo: “Putin”

70 intenções explicitadas em campanha eleitoral, mas pelo outro ilustra quais os âmbitos mais urgentes em que o Presidente tem intenção de operar.226

Contudo, verificando os sinais lançados pelo Presidente que explicitam uma cronologia de intervenções na primeira fase executiva, o Ártico continua a ser um assunto considerado de segunda ordem, ignorado na maioria das vezes em comparação com a direta abordagem que Trump pretende mostrar face às outras questões de importância internacional.

A política ártica, em continuação com o que sempre resultou do histórico decisional dos presidentes norte-americanos, representa uma excepção à regra, quase um pormenor omitido e fora do clamor internacional, se bem não tenha sido completamente livre dos efeitos da inversão de tendência após o ano 2015.227

Porém, em comparação com as consequências sofridas por países mais centrais na cena internacional, especialmente na Europa, os efeitos desta mudança ideológica radical no Ártico permaneceram visíveis em poucas iniciativas ao longo dos anos, quase se quisesse evitar que estes movimentos tão relevantes em termos de potencial ofensivo afetassem uma zona em que a distância entre as partes em questão é pouca e a exposição ao potencial inimigo é máxima.228

Em todo caso, não é apenas por razões de risco elevado que a questão ártica está a ser deixada de lado pelo novo Presidente norte-americano, apesar de se ter demonstrado uma questão crucial para a futura substenção económica do País. Neste âmbito de facto é considerável como a falta de certidão relativamente ao Ártico seja verificável nas declarações de Donald Trump em fase eleitoral, que sempre se limitou a mencionar o problema de maneira fragmentária e não linear, sem oferecer uma ideia explícita de quais são as suas intenções em relação a isto.229

O professor Valery Konyšev, professor de Relações Internacionais na Universidade Estatal de São Petersburgo, relativamente à questão nos confirma como

226 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.1

227 Ibidem

228 Ibidem

71 “...the statements […] regarding the Arctic are private and fragmentary, not reflecting any strategic direction”230

e portanto deixa a questão analítica do futuro do Ártico para épocas em que as ideias presidenciais se tornem mais explícitas e de mais fácil leitura.231

A origem do problema é que Donald Trump parece não ter considerado de maneira suficiente a questão ártica na escolha dos seus assistentes – com a excepção de Tillerson, cuja utilidade na resolução dos problemas diplomáticos com a Rússia se está a revelar decisiva – visto que não aparecem pessoas com experiência particular neste âmbito entre os seus homens de confiança mais próximos.232

Enquanto, de facto, na Federação Russa o Ártico permanece uma questão central na política nacional e internacional, e já tratamos as razões históricas e ideológicas que levam a esta alta consideração da problemática, nos Estados Unidos, salvo algumas iniciativas pouco acompanhadas por visibilidade mediática e opinionística, o assunto permanece um side issue de relevância elitária, tradicionalmente negligenciado seja pelos planos políticos verdadeiros, seja pelos debates concernentes a opinião pública.233

Ron Huebert, professor associado na Universidade de Calgary, relativamente a esta falta de experiência em âmbito de política ártica, declara polemicamente: I am not sure Trump even knows what Arctic is.234 Pois a força desta declaração é devida à intensão polémica de sublinhar a falta de preparação para enfrentar uma questão de potencial de risco tão elevado, mas é explicada por um conjunto de declarações acessórias do professor, o qual define a consideração da questão Ártica pelo

230 Konyšev, Valery, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

231 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

232 Ibidem

233 Ibidem

234 Huebert, Rob, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

72 Presidente Trump e os seus homens como um afterthought, ou seja, uma questão secundária de procrastinação fácil e de prioridade relativamente baixa.235

É portanto impossível definir os horizontes da questão ártica apenas baseando-nos sobre fragmentárias e pouco eloquentes declarações no meio de uma campanha eleitoral focada decisamente para outras questões consideradas mais relevantes? Se bem quanto afirmado agora seja verdade, temos uns elementos centrais de investigação que poderiam traçar um caminho avaliativo de quais serão os próximos movimentos neste âmbito. E, paradoxalmente, o ponto de maior explicitação do qual é possível começar esta análise é um âmbito em que Estados Unidos e Federação Russa se irão encontrar em oposição, e irão divergir por falta de afinidade ideológica na raíz da questão: a problemática da ecologia.

Perante a sua campanha eleitoral, Donald Trump chegou ao ponto de afirmar como o aquecimento global fosse apenas uma brincadeira dos chineses,236promitindo

explicitamente puxar os Estados Unidos para fora do Paris Climate Change Agreement, resultado de orgulho da política centralizada na ecologia e em medidas para a prevenção de catástrofes naturais por causa da intervenção do homem promovida pelo ex-presidente Barack Obama.237

A declaração do futuro Presidente norte-americano deu lugar a uma série de declarações de alarme e dissidência por diversos cientistas em serviço na calota polar, os quais de dia em dia têm testemunho direto e podem documentar em primeira pessoa os efeitos extremamente sensíveis do aquecimento global no ecossistema do oceano Ártico e as consequências – por vezes positivas mas desastrosas para o biótopo polar e para as povoações obrigadas a uma migração não esperada – que esta mudança provoca na área.238

Após a eleição, porém, vista a nova intenção de reunificar ideologicamente o inteiro espetro dos cidadãos norte-americanos sob a única figura do novo Presidente, e

235 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

236 Ibidem

237 Ibidem

73 passada de validade a necessidade propagandística de quebrar o status quo com declarações de forte impacto e de proverbial agressividade, o Presidente Trump resolveu revisionar as próprias palavras, com novas declarações mais diplomáticas e istitucionais.

Ele afirma então como é admissível que a tese do aquecimento global de natureza antropogénica possa verdadeiramente não ser apenas uma brincadeira promovida pelo governo chinês, e portanto, teria considerado os pontos do Paris Climate Change Agreement com mentalidade aberta e analítica.239

Em todo caso, na opinião de Rafe Pomerance, presidente de Arctic 21, ou seja, uma rede de organizações científicas que trabalham para a resolução da questão ecológica em relação à mudança climática em Capitol Hill, os sinais mandados pelo recém- eligido Presidente Donald Trump são bastante deprimentes. Ele declara que:

“so far the various appointments to critical jobs indicate that [Trump] will completely turn around the course set by Obama”240

pondo o foco sobre uma problemática que não se pode considerar secundária, ou seja, a veleidade do novo Presidente de se impor na economia da política nacional não como um reformador mas como um restaurador da tradição política em direta contraposição com todas as mudanças realizadas pelo passado Presidente Obama, o qual se arrisca agora a ser vítima de uma verdadeira Damnatio Memoriae e de ver todo o seu operado radicalmente anulado e restabelecido como era na época de George W. Bush por parte do novo Presidente, além de uma verdadeira avaliação das operações realizadas por ele.241

Pomerance adiciona à questão um segundo problema, que confere ainda mais clareza a qual seria a polaridade das diretivas do novo Presidente em relação à questão ártica sob um ponto de vista ecológico. De facto, Donald Trump decidiu colocar Scott

239 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

240 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

74 Pruitt, um convencido negador do aquecimento global, no comando da Environmental Protection Agency, ou EPA.242

Como direta consequência desta decisão, a equipa gestional de transição sob o comando de Pruitt começou uma série de investigações sobre o pessoal operativo na área que, na definição de Pomerance, parece mais uma verdadeira caça às bruxas finalizada à eliminação dos recursos humanos ideologicamente não alinhados com a nova filosofia em questão de ecologia e conservação do ecossistema.243

Finalmente, Pomerance oferece-nos uma ulterior observação de qual seria a intenção de Donald Trump e do seu partido face à problemática ecológica na calota polar. Em adição a quanto já afirmado, ele declara que:

“both Houses of Congress are now controlled by the Republican Party, which has been – not totally but heavily – governed by a denialist wing. This is a completely new and worrying situation.”244.

Um ponto de mediação face à problemática ambiental provém do homem de confiança do Presidente Donald Trump mais próximo ao governo da Federação Russa, ou seja, Max Tillerson. Ele – relembramos - chefe executivo da Exxon Mobil massivamente operativa na extração intensiva no Ártico, foi nomeado pelo novo Presidente norte-americano novo Secretário de Estado.245

Em completa oposição às que parecem ser as diretivas unipolares do Presidente face à ecologia do bioma ártico, ele acabou por reconhecer publicamente a existência de uma problemática concreta relativa à mudança climática, e por admitir o papel relevantíssimo da exploração e a extração de combustíveis fósseis no Ártico na aceleração temporal que esta mudança acusou.246

242 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

243 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.2

244 Pomerance, Rafe, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

245 Di Christopher, Tom, Exxon Mobil Could Tap Huge Arctic Assets if US-Russian Relation Thaw, CNBC, 13-12-16, p.1

75 Em todo caso, a opinião pública não deve pensar que o tycoon, extraordinariamente enriquecido mesmo pela exploração de um biótopo antecedentemente intacto e exente da intervenção antrópica, seja um convencido substenidor da causa ambiental, e, como irá ser tratado mais além, que isto evite uma nova intervenção em termos económicos da Exxon para garantir uma nova ingentíssima renda ao governo norte- americanos através da operação extrativa de área.247

O que a Federação Russa tem a ver com esta nova política ambiental do Presidente Trump concerne o fato que a iper-produtividade da porção ártica de soberania estadounidense pode potencialmente levar a consequências catastróficas também na porção – maior e de maior identificação nacional – de território ártico reivindicada pelo estado eurasiático.

De facto, uma excessiva nonchalance na sucessão de decisões e diretivas em relação à questão ecológica no Ártico levaria muito provavelmente a uma tomada de posição do Presidente Путин248em explícita oposição às intenções do correspondente

Presidente dos Estados Unidos. E mais, uma consequência direta desta política poderia afastar outros potenciais negociadores russos, desencorajados pela linha governativa do Presidente, com efeitos imediatos na economia da região e dos Estados envolvidos.249

A decisão – sucessivamente submetida a revisão – do Presidente Donald Trump de considerar a possibilidade de sair dos acordos de Paris e de re-colocar os Estados Unidos em posições menos operativas em diversos programas ambientais de cooperação internacional no Ártico acabou por causar um sentido de descontentamento difundido na Federação Russa e no inteiro A-5, como confirma o professor Aleksandr’ Sergunin, titular da cadeira de Relações Internacionais na Universidade Estatal de São Petersburgo.250

247 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

248 Russo: “Putin”

249 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

250 Sergunin, Aleksandr’, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.3

76 Isso porque a Federação Russa é o País que, por tamanho e identidade nacional, resulta ser o mais afetado pela degradação ambiental na calota polar.

Porém, se por um lado esta divergência poderia mostrar um potencial cenário de ulterior afastamento no histórico das relações internacionais entre Estados Unidos e Federação Russa, existe um segundo ponto, desta vez um ponto de incontro, cuja força e cujas consequências acabam por anular os efeitos desta tendência ao afastamento, e que provavelmente projetarão os dois Estados para uma junção de intenções verdadeira e significativa: o plano económico.