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Donald Trump e os horizontes da questão ártica

3.2 A visão geopolítica de Trump face ao A-

3.2.1 Supremacia e isolamento

O espelho das intenções relativamente à geopolítica ártica que o Presidente Donald Trump vai realizar em breve será a avaliação do seu comportamento em relação à ratificação – ou à falta de ratificação, em continuação com quanto já realizado nos planos políticos dos Presidentes precedentes – do tratado da UNCLOS, que vê ainda os Estados Unidos como uma entidade separada em relação às outras, não sendo aceites todas as condições enumeradas no texto do acordo.

A opinião do professor James Kraska relativamente a esta questão aparece bem clara. Ele considera que irá ser muito difícil que o Presidente, vista a sua veleidade à supremacia em outros âmbitos geopolíticos mais conhecidos, se esforçe para a

84 obtenção desta ratificação.276 Isto significa que é altamente provável que o Presidente norte-americano mostre uma certa continuidade – pelo menos em termos de esnobismo face aos preceitos da UNCLOS – com as outras realizações executivas dos Presidentes do passado. E com isso, revelar-se-á muito provavelmente a intensão do Presidente Trump de continuar a considerar este tratado como um reflexo de um certo clientelismo de área, vista a fraqueza do texto que facilmente pode ser usada pelas companhias mundiais – também de outras nações, até diretas rivais – para reivindicações de liberdade de trânsito em áreas de forte interesse estratégico.277 Mas o sentido mais importante desta decisão muito previsível irá afetar a história geopolítica do Ártico. De facto, voltando às considerações efetuadas na primeira parte desta investigação sobre a construção ideal de um mapa das reivindicações territoriais e das ações promovidas pelos vários governos finalizadas à obtenção da soberania sobre a maioria dos territórios indicados, uma continuidade em considerar o da UNCLOS um tratado que não tem que ser ratificado irá-se traduzir no cancelamento de todos os pedidos de reivindicação realizados pelos Estados Unidos, os quais não podem ser registrados e sujeitos à procedura de avaliação.278

Isto expõe sensivelmente os Estados Unidos a uma nova condição de fraqueza em termos de controle sobre o território – além da porção de calota já reivindicada e obtida pelo governo norte-americano segundo as disposições da UNCLOS. A falta de possibilidade em relação a uma potencial ampliação da área de influência e soberania limita o poder de ação dos Estados Unidos no âmbito dos equilíbrios internacionais criados na zona polar, cujas consequências, de forma indireta, irão ser verificáveis numa re-militarização da área, finalizada à defensa dos interesses norte-americanos na calota e na limitação das potenciais tentativas de ampliação das áreas de influência das outras entidades nacionais envolvidas na questão.279

276 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

277 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

278 Ibidem

85 E de facto existe já uma – ainda germinal – indicação que dá clareza a este discurso, vistas as iniciais iniciativas de reorganização do exército promovidas pelo governo central de Washington. Os analistas do poder bélico dos Estados Unidos concordam em afirmar que a ideia de Trump em relação à disposição do próprio exercito no território mundial seja a de criar uma nova filosofia nos generais que se aproxime mais a um pragmatismo inteligente e à obtenção de resultados concretos com a otimização dos esforços, deixando por lado todos os idealismos e o retrato estereotípico de interventismo absoluto e sem juíço que os Estados Unidos têm ganho ao longo dos anos.280

São muitos os pesquisadores que dão por certa uma viragem para uma política de espera e avaliação, e um abandono do interventismo, baseando-se não ainda na disposição do exército no Ártico, que, como iremos tratar, irá ser ampliado significativamente, mas na atitude mostrada na reorganização dos exércitos em zonas de operatividade considerada mais urgente, como por exemplo o Médio Oriente e a Ásia central.281

Naquelas zonas, após a intervenção inicial oficialmente finalizada à deconstrução de regimes ditatoriais e à proteção contra eventuais armas de destruição maciça, os Estados Unidos estão a operar ações movidas por um sentido de supremacia idealística, juxtaposta aos interesses económicos sempre presentes nas ações de política militar norte-americana dos últimos anos.

De qualquer forma, não seja entendido que esta nova projeção ao pragmatismo signifique com certeza uma atitude assertiva. Pragmatismo é traduzível com espera e avaliação, e não com passividade e fraqueza de intenções. Os Estados Unidos mantêm-se intensos substenidores da própria grandeza, especialmente agora que esta pulsão foi explicitada pela política do recém-eleito Presidente.

A análise operada pelos expertos da questão baseia-se na – inicial e ainda não particularmente significativa – intervenção do governo face ao número de unidades operativas no Ártico da marinha militar, em fase de crescimento e de reorganização logística. É sempre James Kraska que ilustra a situação considerando como a

280 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

86 estratégia norte-americana em relação à questão ártica estaria-se a revelar projetada para um potenciamento dos recursos humanos e militares na área. 282

Ele explica como:

“...the U.S. Navy is likely to grow, so there may be a greater subsurface (Submarine) presence in the region, but not markedly”283

e portanto a proteção do Ártico em termos de presença de militares na zona é uma possível realização das intenções do novo Presidente, ajudando os pesquisadores na leitura dos futuros horizontes no equilíbrio entre as entidades envolvidas na questão. Aqui intervém também Ron Huebert, que tenta ampliar a problemática aos outros acordos militares que, como visto, estão em processo no Ártico. Uma política de re- enforço bélico pode potencialmente levar a uma nova condição de isolamento, exatamente como aconteceu pelos Russos por causa da mesma intensão de fortificar a presença do exército na zona, com consequências significativas para a manutenção de acordos precedentes com as outras entidades nacionais envolvidas.284

Lembramos como os Estados Unidos tenham criado um frente único de proteção de área com a colaboração do governo do Canadá, igualmente exposto ao risco de ataques e de incursões por parte da contropartida eurasiática, levado à sua realização graças à ação do NORAD. O sistema em consideração aqui é de natureza binária, e portanto um desequilíbrio levado por novas políticas bélicas de uma das duas entidades irá com certeza afetar também a atitude do outro estado parceiro, o qual já está a dar mostra de um certo cuidado e de uma atenta avaliação em relação às disposições que irão partir por Trump e pelos generais do exército estadounidense. Relativamente a isto, Huebert afirma que:

282 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.4

283 Kraska, James, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, pp. 4-5

87 “More U.S. isolationism in this context might mean building up the borders in the region. It is something Canada is watching closely and it will have direct repercussions for the U.S.-Canadian relationship in NORAD.”285

introduzindo também a problemática da criação de novas fronteiras no Ártico, com maior dificuldade de comunicação entre os dois pólos operativos do exército conjunto que pode com muita probabilidade levar os Estados Unidos a permanecer isolados pelo estado parceiro – e, consequentemente, pelos outros estados do A-5 – com uma possível, se bem ainda não provável, disjunção do NORAD e reorganização do inteiro frente norte-americano.

Analisando a presença do exército norte-americano, de facto, o Alasca tomado separadamente já mostra uma certa auto-suficiência em termos de potencial defensivo e de perlustração de área. Quanto aos submarinos, os Estados Unidos mostram com orgulho a maior flota do mundo quanto a unidades e potência bélica.286 Portanto, como conclui a sua análise o professor Huebert:

“Depending on how you measure it, the U.S. already has a hefty military presence in the Arctic. […] The Americans maintain a very substantial air base in Southern Alaska – mostly oriented towards Asian issues, but it is still an Arctic base.”287

e, sobre a natureza destes recursos militares:

“They also have their key anti-ballistic missile intercepts sites in Alaska, at Fort Greely. Finally, they have the world’s largest submarine attack fleet – something that is very difficult to get a hand because it is so secret”.288

285 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

286 Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

287 Huebert, Ron, excerto de: Fert-Malka, Morgane, Trump, Russia and the Arctic, Russia Direct, Analysis, 13-01-17, p.5

88 por esta razão então os Estados Unidos não têm motivos para temer esta condição de isolamento sob um ponto de vista bélico, deixando de lado as consequências potencialmente mais incidentes sob um ponto de vista diplomático.

A situação fica na mão do Congresso. Esta istituição, de momento, encontra-se na condição ideal de ser constituida por uma maioria Republicana, permitindo assim uma maior rapidez em termos de tempos de resolução e ação. É estimado porém que Congresso não tenha a intenção de revisionar e alterar o budget destinado ao exército em missão na calota ártica, pelo menos de momento, apesar de ter este poder. Trump considera a sua flota já bastante poderosa e auto-suficiente sem intervenções imediatas, e pretende virar a sua atenção para potenciar seções do seu exército em zonas em que se encontra em condição de maior operatividade, na espera de uma resolução da situação de tensão de novíssima fatura com o governo da Coréia do Norte, a qual poderia revolucionar as disposições governativas em termos de reorganização do exército e aumento dos recursos financeiros destinado a uma ou a outra secção.289

O que, em todo caso, iremos considerar sobre a posição de Trump na complexa interface de reivindicações e tomadas de posição que é o Arctic Council, é que o Presidente norte-americano seja maiormente orientado para uma política introvertida, professando uma atitude pragmática e atenta face às questões de divergência e às de colaboração, promovendo uma revisão básica da organização do exército forte de uma flota autosuficiente e do suficiente poder político.

O Canadá, com cuidado para a sobrevivência do NORAD, está em fase de observação. A fechadura das linhas de comunicação coloca-lo-á, paradoxalmente, numa posição mais próxima às dos outros estados do A-5, com a excepção da Federação Russa, a qual no outro lado promove um outro tipo de isolamento, com raizes históricas e ideologias diferentes.

O que resta verificar, para concluir a análise do futuro imediáto da questão ártica, portanto, é como o A-5 e o Arctic Council se proporão relativamente às intervenções de Donald Trump no âmbito da militarização, sem esquecer as variações de

89 polaridade levadas pela questão ecológica e pelos interesses económicos, em que a Federação Russa permanece ator principal.

Será o sistema binário russo-americano, com o desenvolvimento da propria nova política de contato, a alterar os equilibrios do A-5, ou pelo contrário revelar-se-á um evento de polaridade oposta, em que os estados do A-5 tomarão um partido ou o outro, desenhando assim a nova tendência diplomática da questão ártica?