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2.4 Valoração e Reparabilidade dos Danos Ambientais

2.4.3 Os percalços de uma reparação ambiental: valorando o que é de incalculável

2.4.3.3 A indenização financeira do dano ambiental: compensação econômica

como visto anteriormente, objetiva a compensação ecológica, quando de outra forma é impossível. Trata-se de mera compensação simbólica, pois, qualquer que seja o valor econômico, não poderá restabelecer a existência e fruição do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sobre o tema, Aguiar Dias316 entende que:

não obstante seu caráter subsidiário, a indenização em dinheiro é a mais frequente, dadas às dificuldades postas, na prática, à reparação naturalpelas circunstâncias e, notadamente, em face do dano, pela impossibilidade de restabelecer, a rigor, a situação anterior ao evento danoso.

Apesar de sua maior habitualidade e aceitação como forma indireta de sanar a lesão, não resta dúvida de que essa forma de compensação tem se tornado cada vez mais complexa. Isso se explica em parte porque, apesar de “o dano ambiental ter-se

“Art. 11 na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”.

“Art. 13 Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”.

315 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 255.

dado inicialmente a conhecer através do homem vítima, na sua saúde e nos seus bens, evidenciam-se cada vez mais , danos no próprio ambiente”.317

Ainda mesmo quando o dano se perpetra sobre propriedades privadas, seus efeitos podem se irradiar para muito além de uma zona específica, atingindo pessoas indeterminadas, em múltiplos espaços, e, em períodos de tempos diferentes. Nesse viés pode-se concluir com a análise de Cabanillas Sanchez:

Hoje em dia a proteção jurisdicional é invocada não somente quando se produzem transgressões de caráter individual, mas, também, cada vez com maior frequência, quando têm caráter coletivo, no sentido de afetar grupos, classes ou coletividades. Assim, por exemplo, os vestígios de resíduos tóxicos prejudicam os proprietários ribeirinhos, mas, também, aos que tenham interesse em poder se usufruir das águas não contaminadas de um rio. (livre tradução do autor). 318

Por outro lado, as dificuldades referentes à implementação de uma compensação financeira, vão além da difusão dos afetados. Na ocorrência de um dano, faz-se necessário a priori, distinguir-se se, no plano científico, se esse dano é reversível ou irreversível. Certamente que, no primeiro caso, deve-se optar por uma restauração ou uma compensação biológica. Além disso, a avaliação do quantum a ser dispendido será menos complexa, pois em regra, o valor do dano equivalerá ao valor suficiente para essa reparação. Ao contrário, quando se pensa em danos irreversíveis, uma compensação econômica será a providência mais provável e, possivelmente, a mais difícil de se determinar, mas, a despeito dessa realidade, traz, como um dos fatos positivos, a certeza da sanção civil.

Contudo faz-se indispensável sua previsão legal como forma de reparação, quando considerada a possibilidade de danos irreversíveis, e, da mesma maneira que acontece com as outras formas de reparação, a indenização financeira poderá também ser cumulada com as reparações naturais, a depender de cada situação,

317 FLORES, Manuela. Responsabilidade civil ambiental em Portugal: legislação e jurisprudência. In: NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, vol. VII, p. 931.

318 SANCHEZ, Antonio Cabanillas. La reparacion de los daños al medio ambiente. Pamplona: Aranzadi, 1996, p. 53: “Hoy en día la protección jurisdiccional es invocada no solo cuando se producen transgresiones de caracter individual, sino tambien, cada vez con mayor frecuencia, cuando tienen caracter colectivo, en el sentido de que afecten a grupos, clases o colectividades. Así, par ejemplo, las vertidos de residuos toxicos perjudican a las propietarios ribere fios, pero tambien a las que tienen interes en poder gozar de las aguas no contaminadas del rio”.

guardada a proporcionalidade, e, tendo-se por fim alcançar, de forma mais plena, a concretização da reparação integral.

É necessário acrescentar ainda, que a compensação pecuniária se justifica e se apresenta como única medida plausível, quando o dano ao meio ambiente acarreta a cessação e a perda dos lucros em alguns setores, precipuamente os que giram em torno da utilização dos bens ambientais lesados. Se, além disso, as atividades laborais de determinadas pessoas dependem da fruição desses bens ambientais, a compensação pecuniária será a única solução possível.319

Apesar dessa constatação, no que diz respeito ao dano contra o meio ambiente, é difícil, e em alguns casos, diga-se impossível, estabelecer um cálculo indenizatório preciso para fins de conversão monetária de um bem destruído ou sem função.

São várias as razões para tanto. Primeiramente, não se tem notícias de uma metodologia padronizada e hábil a quantificar os danos ambientais e, assim, quando os casos de dano despontam para a análise judicial, costumam provocar todo tipo de perplexidade. A pouca ou nenhuma intimidade do julgador com as questões técnicas relacionadas ao cálculo dos prejuízos dificulta uma análise apropriada. Normalmente, o juiz se socorre do perito designado para elaboração do laudo pericial, que indicará os danos irreversíveis e fixará um valor correspondente a tais danos. Nestes casos, o perito costuma valer-se das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas –

319 É típico o exemplo do recente vazamento de óleo que atingiu diversas praias, notadamente as do nordeste brasileiro. Além dos problemas ambientais, o acidente que contaminou até agora 130 praias deverá ter impacto nas atividades ligadas ao turismo, como hotelaria, transporte e alimentação. Ao atingir todos os estados do Nordeste, o vazamento comprometeu, em maior ou menor proporção, 2.100 quilômetros de praia, de um total de 7.367 quilômetros de litoral – ou seja, aproximadamente 29%. Quando um problema ambiental dessa ordem acontece, há um impacto na imagem desses destinos turísticos, com a perda de atratividade, e esse impacto pode resultar no cancelamento das reservas para esses destinos e na redução da geração de receita nesses destinos. O faturamento que os empreendimentos turísticos têm a expectativa de receber será reduzido. Com uma demanda menor, outros setores da economia serão afetados. Um hotel com menos hóspedes vai comprar menos insumos para preparar o café da manhã, ou seja, o impacto é generalizado. Para minimizar esses impactos é preciso pensar em soluções que mostrem a recuperação da qualidade das praias e areias, o que terá efeito na recuperação da imagem desses destinos e na retomada do turismo. PACHECO, Paula. Manchas de óleo em praias do Nordeste ameaçam economia. 10 out. 2019. Estado de Minas. Economia. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2019/10/10/internas_economia,1091539/manchas-de-oleo-em-praias-do-nordeste-ameacam-economia.shtml. Acesso em 12 fev. 2020.

ABNT ou da literatura especializada especializadas em economia do ambiente.320 partilha da mesma impressão:

Duas inferências podem ser feitas a partir dessa afirmação. A primeira delas diz respeito ao papel do perito no que envolve o dimensionamento desses valores. Por vezes a decisão de um magistrado ao julgar um caso de dano ao meio ambiente circunscreve-se ipsis litteris a um laudo pericial. Isso pode se dever ao fato do desconhecimento científico do juiz, pois, se por um lado a lei lhe assegura o livre convencimento nas decisões, por outro lhe exige uma fundamentação específica, capaz de subsidiar uma decisão que vá de encontro a uma análise construída por técnico da área.

É sabido também que os juristas são a todo o tempo demandados a discutir e decidir sobre problemas que surgem nas diferentes esferas públicas, respondendo a consultas e dirimindo questionamentos sobre os mais diversos expedientes e providências que as envolvem, notadamente em questões ambientais. Portanto, é necessário admitir que é imprescindível desenvolver as habilidades que lhes permitam conhecer a matéria em suas singularidades.

Contudo, pensando-se especificamente nas questões ambientais como questões eminentemente públicas, as políticas e decisões, inclusive as judiciais, que as circundam são demandas de políticas públicas e, de certa maneira, o jurista brasileiro, enfronhado que vive nessa seara, mantém uma certa desconfiança dela e de seu conteúdo. No entanto, era de se supor que, em sendo viável analisar e discutir as funções do direito nas políticas públicas que envolvem a questão ambiental no Brasil, seria também viável aprimorar essas mesmas políticas, a partir de uma concepção jurídica.

Não é simples calcular um dano ambiental. Tarefa assim tão complexa requer intenso aprendizado dos julgadores, especialmente no que concerne às informações que lhes possibilitem, de forma prática ou acadêmica, decidir e propor medidas que contribuam tanto para recuperar um ecossistema lesado, quanto para mitigar suas disfunções, ou ainda que seja, exclusivamente para determinar alguma forma de

320 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 235.

indenização ou sanção pecuniária. Aparentemente, essa dificuldade com a metodologia nas decisões que envolvem a gestão do dano ao meio ambiente, se irradia para as políticas públicas em geral. De acordo com Diogo Coutinho:

Desde o ponto de vista acadêmico, contudo, os juristas brasileiros estudam pouco as políticas públicas e o fazem com recursos metodológicos escassos e frágeis. Pode-se dizer, em outras palavras, que a disciplina do direito tem uma relação um tanto ambígua com o campo transversal das políticas públicas. Se, de um lado, quando desempenham papéis de gestores, administradores ou procuradores, os juristas interagem com elas intensamente (moldando-as e operando-as), de outro, delas mantêm, como cientistas sociais, uma reveladora distância.

Essa relação simultânea de proximidade (prática) e distância (acadêmica) entre o direito e o campo das políticas públicas brasileiras seguramente tem muitas causas. Algumas delas estão, acredito, relacionadas a certos traços do ensino jurídico que temos, que embora venha se dedicando a formar magistrados, advogados, promotores, procuradores, defensores públicos, autoridades públicas e políticos há quase dois séculos, não se propôs, especificamente, a formar profissionais do direito preparados para estruturar, operar e aprimorar políticas públicas e programas de ação governamental. 321

Essa relação de ambiguidade, claramente perceptível no campo do direito ambiental, possivelmente se deva à maneira como os juristas e a ciência jurídica se relacionem com o mundo. Pode-se dizer que o direito, de todas as ciências seja a que mais se autojustifica. Alimenta-se de seus próprios dogmas herméticos e formalistas, sobrepujando-os à discussão do estado da arte da pesquisa. Contudo, as especificidades do seu universo não são o bastante para lidar com discussões complexas, e esse é o caso do dano ambiental e seus consectários. Para enfrentá-lo faz-se indispensável o diálogo com as outras ciências, pois, diante de problemas relevantes, o tratamento deve ser complexo e multidimensional.

O fato é que ainda persiste um profundo desconhecimento das complexas relações da biodiversidade, da capacidade de regeneração do ambiente, e seu limite de suporte das atividades humanas. Nesses casos, estabelecer um padrão de valor monetário unificado dos bens ambientais é simplificar em demasia um processo naturalmente multifacetado, mas, que, de qualquer forma, são métodos que se propõem a quantificar as agressões perpetradas contra a natureza.

Cada método apresenta uma eficiência específica para determinado caso, mas os que existem não possibilitam uma análise criteriosa, pois levam em conta uma

321 MARQUES, Eduardo e FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Orgs.). A política pública como campo multidisciplinar. São Paulo: Unesp Digital. Edição do Kindle, 2013, p. 183.

pluralidade de elementos que encerram opções pessoais, atuais e futuras, perscrutadas em regra, a partir de mercados hipotéticos, e, dessa forma, sujeitam-se a uma infinidade de interferências, que alteram a lisura dos resultados aferidos e, por conseguinte, os valores alcançados não serão precisos.322

Contudo, independentemente da maior ou menor dificuldade em contabilizar os danos ambientais, essa avaliação passa, necessariamente pela mensuração dos valores econômicos dos bens e serviços gerados pela natureza e, consequentemente constitui uma das principais preocupações da atualidade.

Sendo assim, determinar o valor pecuniário de um dano ambiental depende, em primeiro plano, de uma valoração do próprio bem ambiental, e para tanto, existem métodos e técnicas que têm por fim estimar o custo dos ativos ambientais, dos serviços prestados pela natureza, bem como dos impactos ambientais decorrentes das ações antrópicas323. Além disso, para além dos obstáculos e críticas que permeiam a temática da análise financeira do patrimônio natural, não se pode ignorar que a valoração econômica de ativos ambientais estabelece um padrão de referência para as decisões judiciais, o que por si só, constitui apenas um primeiro passo na responsabilização do poluidor: saber a quem deve e quanto deve pagar.

É interessante pontuar que, por mais que a tarefa de trazer o meio ambiente para o domínio mercantil se anuncie hercúlea, e que isso seja, na verdadeira acepção do termo, “desnaturar” e “dessacralizar” a natureza, é de se perguntar de onde surgem tais objeções. Principalmente, interessa saber se os argumentos são provenientes dos poluidores ou dos seus fiadores, a exemplo das seguradoras, se devendo, portanto, questionar sua legitimidade324. Dessa maneira, por mais difícil que seja a tarefa, não se pode aceitar que os responsáveis pelos danos ambientais escapem incólumes de

322 SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos – da reparação do dano através de restauração natural. Coimbra: Coimbra, 1998, p. 52.

323 MALDONADO, Ana Denise Ribeiro Mendonça; EDUARDO, Antônio Sérgio; RIBEIRO, José Soares. Valoração econômica ambiental como instrumento do planejamento ambiental. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/EIGEDIN/article/view/4289. Acesso em 12 fev. 2020, p. 5. Vide os autores sobre diversos métodos de análise de valor que podem ser utilizados para calcular indenizações pecuniárias em caso de danos ambientais.

324 MARTIN, Giles. Direito do ambiente e danos ecológicos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 31.

Março 1991, p. 129. Disponível em:

file:///C:/Users/SAMSUNG/Downloads/Gilles_Martin_Direito_do_Ambiente_e_Danos_Ecologicos.p df. Acesso em 22 dez. 2019.

suas ações em virtude das incertezas e dos vieses que permeiam a precificação dos bens ambientais e dos danos contra eles cometidos.

2.4.3.4 As dificuldades sentidas na avaliação do dano: “onde estiver o seu tesouro