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2.4 Valoração e Reparabilidade dos Danos Ambientais

2.4.3 Os percalços de uma reparação ambiental: valorando o que é de incalculável

2.4.3.4 As dificuldades sentidas na avaliação do dano: “onde estiver o seu tesouro aí

Considerando que o direito do ambiente é por excelência terreno fértil para a interdisciplinaridade, são bem-vindas todas as contribuições científicas e metodológicas que concorram para enfrentar o delicado processo de traduzir em termos patrimoniais, um dano ambiental.

Dificuldades certamente existirão. Porém, é preciso esclarecer que não existem barreiras instransponíveis na avaliação de um dano ecológico, e a consciência da importância que um ambiente equilibrado tem para a subsistência da espécie humana traçou os contornos jurídicos necessários para a preservação da natureza como valor.

Será com base nessa mesma importância atribuída pelo homem, que os danos ambientais serão dimensionados, e, somente a determinação humana, calcada em seus interesses mais vitais, poderá referendar, não apenas os mecanismos de valoração, mas, também, os instrumentos necessários, a exemplo do seguro ambiental, para o cumprimento das decisões que envolvam qualquer das espécies de reparação do meio ambiente degradado.

Sob esse aspecto, pode se afirmar que o monetarismo vigente faz com que os bens que sejam considerados relevantes para determinada sociedade, sejam também suscetíveis de tradução monetária. Trata-se de velha premissa do interesse, a nortear as escolhas pessoais e públicas.

Com essa percepção, assim dispõe Martine Remónd-Goullioud: “[...] le jour où Société decide de défendre une valeur, ele se donne les moyens de réparer les atteintes qui lui sont portées”.325

Em outras palavras, os motivos pelos quais certos elementos da natureza são mais protegidos do que outros, independentemente dos empecilhos, ou da forma

325 REMÓND-GOULLIOUD, Martine. Du droit de détruire: essai sur le droit de l’environnement. Paris: Presses Universitaires France (PUF), 1989, p. 209. Em livre tradução pode-se entender: “no dia em que uma sociedade decide defender um valor, essa sociedade encontra mecanismos de proteger esse valor e reparar os danos que contra ele se cometam”.

como se dá a reparabilidade de um dano ambiental em determinadas sociedades, revela antes de tudo, a opção ideológica acerca do dilema estabelecido entre o ser humano e o mundo que o rodeia. Por ser assim, o dilema está diretamente ligado à sensibilidade humana em relação à natureza e a sua preservação tanto para as presentes, quanto para as futuras gerações. Significa, tão somente, uma análise do dano ambiental a partir do que o ordenamento jurídico entende por reparável, traduzindo a opção axiológica feita a partir da base em que o ser humano se relaciona com o seu habitat, em um dado momento histórico e de acordo com específicas determinantes culturais.326

Portanto, a dificuldade consiste, inicialmente, muito mais em estabelecer uma hierarquia entre os bens jurídicos e a disposição política de defendê-los, do que propriamente de encontrar mecanismos que viabilizem essa proteção. Dessa forma, a solução proposta não levará em consideração a atribuição de qualquer preço de mercado do bem ou do dano, mas restará sempre permeada pelo prestígio que, na gradação dos bens jurídicos, lhes seja sancionado. Assim dispõe Branca Martins da Cruz:

Por mais que se caminhe na direção de uma progressiva “economização” do dano ambiental, convém não esquecer que é essencialmente enquanto valor ético-jurídico que o ambiente se afirma perante o Direito. Qualquer avaliação económica deverá, pois, partir da valoração ético-social de que o bem afectado é passível, numa dada comunidade, que para as gerações contemporâneas do dano, quer para as gerações vindouras [...].327

Contudo, ainda que o aparato legislativo brasileiro e seus instrumentos regulamentares determinem que o dano ao meio ambiente seja avaliado e pago integralmente328, que existam os dados científicos e tecnológicos necessários para conferir legitimidade a uma decisão judicial que assim o determine, os obstáculos não se encerram por aí. Ao contrário, especialmente quando as situações por sua

326 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 13.

327 CRUZ, Branca Martins. Responsabilidade civil pelo dano ecológico: alguns problemas. In NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, vol. VII, p. 996.

328 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 327. Pelo princípio da reparação integral do dano ao meio ambiente ao se analisar um dano deve-se abranger sua totalidade, somando-se o custo das obras de recomposição do ambiente, a compensação (in natura ou pecuniária) pela perda de sua utilização plena entre o dia do dano e sua total restauração, e, dependendo do caso, o prejuízo irreversível causado ao meio ambiente impactado.

magnitude assumem a conotação de desastres ambientais329, as somas necessárias para uma completa reparação dos prejuízos, normalmente ultrapassam a capacidade financeira do responsável.

É nesse contexto de racionalidade científica limitada e incertezas e riscos ilimitados, que se assenta o equilíbrio dos ecossistemas, e, nesse cenário, nas últimas décadas, o que pode se ver é uma multiplicação tanto nos riscos quanto nos custos que envolvem os desastres ambientais330. No Brasil esse agravamento pode ser imputado a diversas causas, como por exemplo a deficiência na estratégia de segurança de barragens, à ocupação de áreas de risco, que intensificam os rompimentos, inundações e deslizamentos, dentre tantas outras ocorrências de alta complexidade, que demandam respostas mais enérgicas e mais custosa.

Em virtude desse cenário, constata-se a necessidade de pensar novos arranjos legislativos e políticos, a fim de garantir o pagamento pelos danos ambientais, visto que o gargalo que estagna a efetividade das indenizações não é outro senão a incapacidade dos instituto jurídicos tradicionais de promover uma reparação efetiva, seja por razões de ordem técnica ou por razões de ordem econômica.

Sendo assim e, de acordo com o que se postula nesta tese, o seguro ambiental obrigatório pode ser esse outro mecanismo jurídico, de caráter coletivo e preventivo, propício a assegurar, de modo mais célere e eficaz, a recuperação dos danos decorrentes de lesões ao ecossistema.

329 BRASIL. Decreto n. 7.257, de 4 de agosto de 2010. Regulamenta a Medida Provisória n. 494 de 2 de julho de 2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7257.htm. Esse diploma normativo define desastre ambiental nos seguintes termos:

“Art. 2 - Para os efeitos deste Decreto, considera-se: [...]

II- desastre: resultados de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”.

330 CARVALHO, Délton Winter de. Direito dos desastres. In: FARIAS, Talden, TRENNENPOHL, Terence (coord.). Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2010.

3 INSTRUMENTOS ECONÔMICOS PARA COMPOSIÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS: LIMITES E POSSIBILIDADES.

“Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu”. Drummond Na época contemporânea, os danos ambientais e a forma de enfrentá-los se alterou drasticamente, e, só recentemente, o percurso involutivo no trato com as coisas da natureza passou a exigir uma socialização dos riscos. Contudo, as origens do conceito de solidariedade se perderam no tempo e se, a princípio estavam dissociadas das dimensões sociais, hoje repousam sobre essa premissa. Faz-se necessário que seja assim, pois, atualmente, os riscos que permeiam a sociedade são notadamente mais difusos em suas causas, como também em suas consequências.

Nessas condições, individualizar o responsável por um dano tornou-se mais improvável, principalmente em virtude da multiplicidade de cadeias produtivas e decisórias. Portanto, nesse cenário, os riscos resultam em danos complexos, causados por fatores múltiplos, dificilmente identificados, quer por parte das vítimas, quer por parte dos responsáveis políticos ou econômicos331,e passaram a exigir novas formas de enfrentamento.

Sob a luz do princípio da solidariedade, esses novos arranjos têm por fim garantir às vítimas do dano ambiental, sejam individuais ou comunitárias, a devida reparação. Assim, ao lado da constante flexibilização dos pressupostos de responsabilização (dano e nexo causal), deve também ser buscada uma atenuação do dever pessoal de reparação, em ordem a transformar o problema dos danos em um problema de toda a sociedade.332

Além disso, a manutenção da qualidade ambiental requer o papel interventivo do Estado como um agente regulador do mercado, com o fim de mitigar os efeitos

331 VARELLA, Marcelo Dias. Responsabilidade e socialização do risco. Disponível em: file:///C:/Users/SAMSUNG/Desktop/DINTER%202018%20TESE/LIVRO%20Responsabilidade%20 Risco%20PROF%20MARCELO.pdf. Acesso em 18 fev. 2020, p. 33.

332 MILARÉ, Édis. Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um microssistema de responsabilidade. 380 f. Tese. (Doutorado em Direito). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016, p. 233.

externos e negativos das atividades econômicas, o que em regra é feito através de políticas públicas que buscam induzir os empreendedores a ter em conta os possíveis gastos com danos ambientais.

Tais medidas são implementadas através de dois grupos essenciais: as políticas de comando e controle, cuja eficiência necessitará, fundamentalmente das legislações e da efetividade das sanções previstas no caso de descumprimento, e de outros arranjos complementares que, embasados na racionalidade econômica, possibilitem a adoção de instrumentos de mercado que simulem um preço ou um custo para o dano ao meio ambiente, que deverá ser suportado pelos poluidores ou usuários dos recursos naturais incorporando-os aos seus custos privados.333

Não obstante as diferentes classificações da doutrina sobre a matéria, de acordo com Ricardo Carneiro334, as políticas de regulação direta (política de comando e controle) podem ser traduzidas nos seguintes instrumentos:

a) definição de padrões de emissão para a fonte de poluição sonora, atmosférica, hídrica ou do solo;

b) imposição de uso de determinada tecnologia ou equipamento de controle da poluição;

c) controle de processos através da exigência de substituição de determinado insumo industrial por outro;

d) controle de qualidade ambiental do produto, com o estabelecimento de limites à presença de determinados elementos químicos em combustíveis, baterias, alimentos, etc.;

e) imposições de restrições ou proibição total do exercício de atividades econômicas em determinados locais ou períodos.

f) controle da instalação ou funcionamento de atividades, através de um sistema de zoneamento ou por meio da concessão de licenças ambientais não negociáveis;

g) controle de uso dos recursos naturais, estabelecendo-se, por exemplo, autorizações para captação, derivação e utilização da água, ou, ainda, limitações quantitativas à extração de madeira ou à pesca;

h) estabelecimento de restrições administrativas ao direito de propriedade, através, por exemplo, da imposição de limites percentuais à exploração florestal e ao desmatamento em propriedades rurais; e

333 GUERRA, Sinclair Mallet Guy e SUAREZ, Miriam Liliana Hinostroza. Questões econômicas e implicações ambientais: visão introdutória. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 8, p.84-106, out/dez. 1997.

334 CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 74-75.

i) definição de áreas destinadas à conservação de espécies e à preservação dos recursos ambientais, com a imposição de graus variados de proibições ao exercício de atividades econômicas.

É oportuno dizer que o processo de regulamentação dessas políticas, submete-se a uma série de interferências, provenientes de corporações que advogam, antes de tudo, seus próprios interesses. Além disso, estabelecer padrões mínimos de sustentabilidade pode ocasionar uma acomodação dos agentes econômicos que, ao alcançarem o limite mínimo imposto, se desobrigariam por completo de buscarem novas tecnologias ou aprimoramentos de sua atividade, a não ser que, novas exigências fossem implementadas.

Contudo, o abandono dessas regulações em prol da adoção exclusiva de instrumentos econômicos, resultaria necessariamente em desvios de conduta e, muitos empreendedores prefeririam correr o risco de danos pagando pelas consequências de uma utilização indevida, a ter que adotar posturas mais adequadas à preservação do meio ambiente.

Sendo assim, possivelmente o melhor enfoque seja o da complementaridade, e, para isso deverão se somar aos instrumentos do tipo comando e controle, outros arranjos e instrumentos de mercado, de forma que, os agentes econômicos passem a internalizar em suas ações as variáveis ambientais de maneira socialmente desejável.335

Portanto, ao lado das políticas de comando e controle existem ferramentas econômicas que, a par de várias e diferentes classificações, podem ser assim elencadas336: “tributos ambientais, sistema de cobrança pelo uso de recursos ambientais, subsídios públicos, sistemas de devolução de depósitos, licenças ou

335 MARGULIS, Sérgio. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Rio de Janeiro: IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 1996, p. 5. Disponível em: file:///C:/Users/SAMSUNG/Desktop/DINTER%202018%20TESE/A%20REGULAMENTAÇÃO%20A MBIENTAL%20INSTRUMENTOS%20E%20IMPLEMENTAÇÃO.pdf. Acesso em 21 fev. 2020.

336 Autores como BETIOL, Luciana Stocco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. Coleção professor Agostinho Alvim/coordenação Renan Latufo. São Paulo: Saraiva, 2010, p.194. entendem que tanto o seguro ambiental quanto os fundos de reparação do dano ambiental consistem em mecanismos de socialização dos riscos. Apesar de não se tratarem de formas típicas de instrumentos econômicos essa socialização tem estreita correlação com a questão da solvência do agente degradador, momento em que a doutrina os elenca como soluções para a crise de adimplemento das empresas responsáveis.

créditos negociáveis e seguro ou caução ambiental”337. Esses novéis procedimentos, deverão consistir, principalmente, numa postura de solidariedade, sob a qual busca-se compatibilizar a ação individual com a coletiva, de forma que “daí possa resultar um benefício para todos, individualmente, e para a sociedade, como ente coletivo. Assim, se o dano é social sua recuperação também deverá sê-lo”338 além de que, os IEs são amplamente considerados como sendo uma alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz para complementar as estritas abordagens de comando e controle.

Nessa seara, e para os fins perseguidos por essa tese, faz-se indispensável analisar parte desses instrumentos econômicos (IEs), notadamente necessários à reparação do dano ambiental, a exemplo dos seguros ambientais. A priori porque tem por finalidade precípua, o rateio dos custos geralmente elevados e impraticáveis, necessários à reparação dos danos e administração dos riscos. Também porque, uma vez bem articulado, este mecanismo pode lograr êxito, a partir da racionalidade econômica.

Porém, apesar da convicção de que, para uma reparação integral do dano ambiental se faz necessário lançar mão dos mecanismos econômicos em geral, no caso específico do seguro ambiental, sua compulsoriedade é providência que se impõe, e essa tese advoga essa hipótese. Ainda assim, faz-se necessário defender a complementaridade, e jamais uma oposição entre os já citados sistemas de comando e controle e os instrumentos econômicos, pelo que se deve compreendê-los como “integrantes de um arsenal multifário de medidas destinadas à concretização da política ambiental”.339

É certo que os instrumentos econômicos diferem dos instrumentos de comando e controle e é outra a lógica subjacente à sua utilização. Por não serem obrigatórios nem estabelecerem contenções, sua eficácia dependerá do interesse dos agentes

337 CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 77.

338 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. ______. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. ______. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

339 CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 76.

privados que, ao transformarem suas práticas, poderão internalizar aqueles incentivos e prosseguirem maximizando seus lucros ou suas utilidades.

O que se pretende discutir é exatamente se, essa lógica de adesão facultativa poderá se converter em obrigatória. Antes porém, que se analise as reais possibilidades da utilização coercitiva desses instrumentos, bem como as limitações e os obstáculos que permeiam sua implementação, deve-se, preliminarmente conhecê-los em sua estrutura e funcionalidade, ou antes, entender por que os mercados que, em regra conseguem alocar com eficiência variados recursos econômicos, falham no que diz respeito às externalidades negativas de natureza ambiental.

3.1 A Economia do Meio Ambiente e os Mecanismos para Correção das