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2.1 O Meio Ambiente: Noções Preliminares

2.1.1 O meio ambiente: conceito e proteção no ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil, percebe-se uma vasta incursão doutrinária no sentido de elaborar um conceito de meio ambiente e, a partir desse conceito, delimitar seus componentes a serem preservados.

Tal esforço é compreensível ao se pensar na densidade que o termo encerra, permeado que é por um ideal antropocêntrico alargado, cuja tutela jus-ambiental resguarda o patrimônio natural e suas funcionalidades, independentemente de sua utilização direta pelo homem.

Tecidas algumas considerações no tópico anterior acerca das diversas concepções filosóficas que pretendem contextualizar homem e natureza, faz-se necessário compreender de que forma o ordenamento jurídico brasileiro, forjado por tantas e tão distintas influências, conceituou meio ambiente. Procedendo os devidos recortes em nome do rigor científico, adianta-se que, para os fins desta investigação, firmar um conceito de meio ambiente tem por finalidade respaldar o estudo do dano ambiental e, consequentemente, suas formas de proteção, as quais, em última instância envolvem a viabilidade de um seguro ambiental obrigatório para fazer frente às mais diversas formas de reparação.

Importa, pois, a priori, estabelecer o que a doutrina e a legislação pátria entendem por meio ambiente e como se dá sua proteção jurídica, posto que, é com base nesse entendimento que se traçarão os contornos e o alcance da reparação em caso de danos ambientais.

Contudo, qualquer que seja o conceito que se adotar, o meio ambiente engloba, sem dúvida, o homem e a natureza, com todos os seus elementos, tornando-se missão espinhosa defini-lo. Talvez por isso, tanto a maioria dos doutrinadores quanto a legislação vigente optem por uma abordagem aberta148. Sob a luz dessa concepção,

148 MILARÉ, Édis. A ação civil pública em defesa do meio ambiente. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública- Lei 7.347/85- reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 202. Esclarece que no conceito jurídico de meio ambiente pode-se distinguir duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla. Numa concepção estrita é a expressão do patrimônio natural e suas relações com o ser vivo, desprezando assim o que não se

o meio ambiente não é formado apenas de seus elementos corpóreos, mas é também, um sistema de relações, sendo assim, essencialmente, incorpóreo e imaterial.

Para além da definição dogmática de meio ambiente, o que importa examinar é como se dá o relacionamento homem e natureza, e não se podendo esquecer que ao homem cabe a tarefa de conceituar não só o meio ambiente, como qualquer outra estrutura existente. Esse poder de ter a si como referência única lhe possibilitou desenvolver uma ética, a partir da qual, todo o seu meio pode e deve ser subjugado para a finalidade de desenvolvimento da sociedade.

De acordo com Derani149 a economia ambiental focaliza o papel da natureza como fornecedora de matéria-prima ou receptora de materiais danosos, e dentro dessa redução pode-se encontrar o sentido de meio ambiente. Assim, meio-ambiente deixa-se conceituar “como um espaço onde se encontram os recursos naturais, inclusive aqueles já reproduzidos (transformados) ou degenerados (poluídos), como no caso do meio-ambiente urbano”.

É possível perceber que há um certo consenso nessa vertente hermenêutica. A ordem jurídica vigente nos mais diversos países que compõem o mercado produtivo mundial, é subproduto de uma cultura globalizada que parte do princípio que a natureza é um recurso do qual o homem dispõe, e, embora estando dele apartado, subordina-se à sua ação e interesse.

Essa visão entrelaçada entre meio ambiente, produção e economia é inquestionável. O que resta delimitar (e nisso reside a adoção de modelos que privilegiam ou minimizam a proteção ambiental) é se a economia restará informada dos princípios que regem a preservação da natureza ou se, ao contrário, será ela a determinar os rumos da produção e do destino dos insumos naturais.

A priori resta claro a existência de uma série de divergências conceituais sobre o significado da natureza e qual modelo o homem deverá adotar na sua relação com ela. Poder-se-ia dizer, contudo, que essa é uma preocupação que nem sempre existiu.

tratar de recursos naturais. Por outro lado, numa visão ampla o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, bem como os bens culturais correlatos.

A ciência ecológica, incialmente, não suspeitava que a ação humana pudesse intervir de forma tão impactante na realidade dos ecossistemas do planeta.

Ainda antes que se pudesse denotar a interação entre homem e natureza, ou mesmo em tempos em que sua independência ecológica restava patente e seu papel restrito ao de um usuário comedido de recursos naturais, já se desenhavam os primeiros contornos da crise ambiental que ora se agrava. Não há outro responsável que não o ser humano para a crise ambiental. É fato que o inquestionável crescimento populacional responde por parte dos problemas, mas, ainda assim, não se imaginava o impacto que esse estado de coisas causaria ao equilíbrio ambiental. Por outro lado, a ecologia como foi concebida tinha por objetivo o estudo científico das interações entre os organismos e seu ambiente, e, o homem nesse cenário, não se assumia como responsável pela condução dos destinos do planeta, sendo tão somente o sujeito pensante a compreender como aconteciam as interrelações entre todos.

Contudo, a ciência se fundamente em hipóteses. O ato científico é subsequente, e consiste na definição de um método e na comprovação da hipótese. Portanto para se compreender o meio ambiente é mister antes identificar qual a hipótese fundamental da ciência que o estuda. Nesse caso, é a de que a natureza e seus elementos devem ser compreendidos de maneira sistêmica. O homem é um desses componentes, e segundo essa mesma hipótese, também ele, depende desse meio para sobreviver.

No entanto, essa capacidade de compreensão sistêmica é atributo eminentemente humano. O homem é ser que analisa, simboliza e, ao fazê-lo constrói conceitos e dita as regras. Suas necessidades vão muito além da sobrevivência natural das demais espécies, e além do natural para sua evolução puramente biológica, o homem introduziu outras necessidades.

Os fins humanos são múltiplos. A natureza sob sua compreensão há de lhe proporcionar bem mais que alimento e energia. Conceitos de conforto e de desenvolvimento fazem parte das aspirações humanas fundamentais, e, diga-se de passagem, essas não são exigências novas. O que mudou foi o crescimento exponencial e a diversificação de tais reivindicações em um intervalo temporal exíguo e insuficiente com a velocidade dos processos adaptativos normais. A complexidade

dessas demandas implica alterações da biosfera que não podem ser atendidas sem que se produzam fortes desbalanceamentos das relações materiais e energéticas dos ecossistemas. 150

Partindo dessas reflexões, é possível pressentir as irritações provenientes do fato de se tentar estabelecer um conceito para meio ambiente. Outra tarefa árdua é definir o que é um dano e como se delimitam os limites de tolerância frente à conduta humana, bem como a responsabilidade daquele, cuja conduta ofende a proteção da natureza.

Independentemente, porém, da linha conceitual que se adote, o homem e natureza com todos os seus elementos, farão parte, necessariamente, do meio ambiente, e logo, qualquer dano perpetrado contra esse meio, afetará e dirá respeito à coletividade. Ainda assim, mesmo quando todo um arcabouço normativo vigente opta por uma abordagem de proteção da natureza intrinsecamente considerada, trata-se de atitude que, em última análitrata-se, visa à proteção atual e futura do próprio homem e da humanidade como um todo.

É necessário, portanto, antes de se procurar estabelecer uma definição para meio ambiente151, que se tenha consciência que, qualquer que seja o viés (mais amplo ou mais restrito), a ser adotado, possivelmente resultará em um conceito impreciso e sensível às circunstâncias político sociais vigentes quando de sua construção.

Partindo-se da premissa de que o homem é um elemento perturbador do equilíbrio natural dos ecossistemas, destaca-se a necessidade de um conceito que cuide com rigor de um novo tipo de entrosamento entre o homem-parasita e a natureza-hospedeira. A relação de exploração deverá se transmutar em participação e troca e só assim será possível se restabelecer o equilíbrio perdido com o advento da era industrial. Dentro desse enfoque Branco destaca:

O homem pertence à natureza tanto quanto - numa imagem que me parece apropriada - o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e desenvolvimento, não lhe dando nada em troca. É seu dependente, mas não participa (pelo

150 BRANCO, Murgel. Conflitos conceituais nos estudos sobre meio ambiente. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 9, n. 23, p. 217, 223, 1995.

151 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 2. Conceitua meio ambiente nos seguintes termos: interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.

contrário, interfere) de sua estrutura e função normais. Será um simples embrião, se conseguir sugar a natureza, permanentemente, de forma compatível, isto é, sem produzir desgastes significativos e irreversíveis; caso contrário, será um câncer, o qual se extinguirá com a extinção do hospedeiro.152

Portanto, é inconteste que sempre haverá algum tipo de desgaste nessa relação homem-natureza. Em verdade, o que se pretende com um conceito alargado de meio ambiente e diversos diplomas normativos que se ocupam do dano ambiental e de sua responsabilização é garantir uma utilização benéfica dos recursos ambientais da maneira menos traumática possível, posto que eliminar por completo os efeitos de uma intervenção no equilíbrio dos ecossistemas é tarefa inexequível.

Feitas as devidas considerações, neste capítulo se pretende discutir o dano ambiental e os possíveis instrumentos econômicos que em conjunto com os mecanismos já existentes concorram para seu tratamento. Contudo, não se pode discuti-lo sem antes conhecer a tutela legislativa que se dá ao meio ambiente na sociedade brasileira, pois, a depender de tais interesses preferenciais, o dano ambiental poderá ser conceituado de forma mais ampla ou mais restritiva.