• Nenhum resultado encontrado

Assumir uma perspectiva de proteção da integridade do meio ambiente, demanda muito mais que a concepção de um estado-nação moderno, e essa discussão passa necessariamente pelos valores de um estado de direito socioambiental. Pode-se antevê-lo como uma continuidade do estado de direito social, e, apesar de sua estrutura não ser recente, não se cuida de uma obra acabada e, nem mesmo com relação à sua terminologia existe um único caminho a trilhar.

Dentre os vários autores9 que se lançaram à tarefa de nominar e definir esse modelo de estado, credita-se a Kloepfer10 a consolidação e ampliação de um conceito, sustentado pela interação entre humano, meio ambiente e técnica. O autor adota a denominação de “estado ambiental”, e afirma que se trata daquele modelo que faz da integridade do meio ambiente, um critério e objetivo de suas decisões. A identificação desse estado com essa abordagem protecionista acarreta mudanças na sua conformação democrática e econômica, bem como nos mecanismos estatais de proteção do ambiente.

Para além desse enquadramento teórico, deve-se aqui registrar algumas terminologias adotadas por diferentes doutrinas que enfrentaram a temática em análise. Devidamente colacionadas por Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer11 registrem-se outras expressões a saber: Estado Pós-social, da lavra de Vasco Pereira da Silva; Estado de Direito Ambiental utilizada por José Rubens Morato Leite, Estado Ambiental de Direito, assim denominado por Amandino Teixeira Nunes Júnior; Estado de Bem-Estar Ambiental de Rogério Portanova, e, por fim o Estado Constitucional Ecológico,

analisado por Canotilho12.

9 Já são vários os doutrinadores que estabelecem conceitos para estado socioambiental ou designações semelhantes. Pode-se elencar: PUREZA, José Manuel; FRADE, Catarina. Direito do ambiente. Coimbra: Faculdade de economia da Universidade de Coimbra, 1998, p. 8-9. Para esses autores o estado ambiental pode ser entendido como um quadro de sociedade mais abrangente, mais direitos e deveres individuais e coletivos e uma menor presença Estado e da mercantilização; CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama, 1994, p. 248 o define como um tipo de Estado que decide por implementar o princípio da solidariedade social e econômica tendo por objetivo um desenvolvimento pautado na sustentabilidade voltado a construir igualdade entre os cidadãos, através do controle jurídico da utilização racional da natureza. No mesmo viés, destaque-se a concepção de FENTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental de direito e o princípio da solidariedade como seu marco jurídico-constitucional. Revista direitos fundamentais e justiça. Porto Alegre: PUCRS, n. 2, jan./mar. 2008, para quem o estado socioambiental é um tipo de estado regulador da atividade empresária, dirigindo-a e ajustando aos primados constitucionais e tendo por objetivo o desenvolvimento social e humano de forma ambientalmente sustentável.

10 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In: KRELL, Andreas J. [et al.]; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 56.

11 SARLET, Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Estado Ambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: KRELL, Andreas J. [et al.]; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.16. Os autores registram a preferência pela expressão estado socioambiental.

12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional e democracia sustentada. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente. VER CEDOUA. Ano

IV-2.01. Disponível em:

file:///C:/Users/SAMSUNG/Desktop/DINTER%202018%20TESE/Estado%20constitucional%20ecol ógico%20e%20democracia%20sustentada.pdf. Acesso em 3 fev. 2019.

A despeito das diferentes terminologias adotadas, trata-se, na verdade de uma teoria crítica nascida como resposta ao estado moderno e seus valores tradicionais, que não mais respondiam às necessidades e aos novos desafios enfrentados, ou como assinala Morato Leite e Paula Silveira13 “é uma mudança de racionalidade , buscando a conscientização por meio do empoderamento e da institucionalização de políticas de respeito à natureza”.

Essas políticas não devem mais se limitar ao ideal antropocêntrico do estado de direito, pois pensar um estado socioambiental exige uma nova dimensão ecológica que importa em aspectos diferentes. Bugge14 arrola alguns especialmente relevantes. Inicialmente considera como pré-requisito a existência de um estado de direito para que se possa manejar recursos tão vulneráveis como os naturais. Além desse aspecto, acrescenta que a evolução desse estado pressupõe expandir seus elementos para a natureza e os valores naturais, transcendendo a ótica do meramente humano.

Outro sentido que pode ser dado à teoria do estado socioambiental ou estado constitucional ecológico como denominado por Canotilho, pode se fundamentar em uma ética baseada em profundas alterações nas formas de viver e produzir. Esses novos entendimentos devem se impregnar tanto na lógica individual quanto na coletiva, e devem se fazer positivos na norma fundamental de cada sociedade.

Nessa lógica deve-se ir além e, na esteira desse modelo de estado, revelar-se-ia a diferencrevelar-se-iação entre o direito ambiental e o ecológico. Não serrevelar-se-ia mais o caso de questionar se a natureza deve ser protegida por seu valor intrínseco. Para Bosselman15 disso já não se pode duvidar, e o que se questiona é como se pode

13 LEITE, José Rubens Morato e SILVEIRA, Paula Gabiatti. Ecologização do estado de direito: uma ruptura ao direito ambiental e ao antropocentrimo vigentes. In: LEITE, José Rubens Morato. A ecologização do direito ambiental vigente: rupturas necessárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p.127.

14 BUGGE, H.C. Twelve fundamentalchallenges in environmental law: an introduction to the concept of rule for nature. In: VOIGT, C. (Ed). Rule of Law for Nature: New dimensions and ideas in Environmental law. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 7.

15 BOSSELMAN, Klaus; TAYLOR Prue. The significance of the earth charter in international law. A thematic essay on the significance of the earth charter for global law. Disponível em: http://www.earthcharterinaction.org/invent/images/uploads/ENG-Bosselman.pdf. Acesso em 12 abr. 2019, p. 15. Na mesma esteira, GARVER, Geoffrey. The rule of ecological law: the legal complement to degrowth economics. Sustainabilty, n. 5, p. 316-337. Disponível em: file:///C:/Users/SAMSUNG/Downloads/The_Rule_of_Ecological_Law_The_Legal_Complement_to.p df. Acesso em 16 abr. 2020. O autor elenca alguns dos atributos de um estado de direito ecológico que podem viabilizar a superação do modelo do estado meramente ambiental: (i)o reconhecimento

integrar essa relação holística do humano-sociedade-natureza, nos processos de tomada de decisão. Não resta dúvida de que esse giro pressupõe, necessariamente profundas reformas nas constituições vigentes, várias delas construídas sob formas tradicionais de entender o mundo, a demandar vigorosa adequação.

Essas referidas modificações podem ser identificadas no constitucionalismo latino-americano, especificamente no Equador e na Bolívia. As duas constituições apresentam uma historicidade diferente e distante das fortes marcas do capitalismo que fundamentou a maioria delas. Sem adentrar no aspecto da efetividade de suas normas, trata-se, seguramente de passos largos em direção à edificação de um estado socioambiental. Isso fica posto, por exemplo, ao se internalizar nessas cartas o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos, ao se emprestar voz aos indígenas e reconhecimento de valores transversais dos povos ancestrais andinos.

Esse novel constitucionalismo pode contribuir para a construção de uma cultura jurídica que incorpore valores plurais e que fortaleça a ideia de integridade, que se traduz na preservação da vida para todos os seres, das mais diversas formas16. O que se verifica no constitucionalismo latino-americano é uma transformação que vai desde o reconhecimento do multiculturalismo e da noção de pluriculturalidade e interculturalidade, até uma recente afirmação da plurinacionalidade em sede constitucional.

de que os humanos são parte do sistema vital terrestre e não separado dele; (ii) a limitação dos regimes jurídicos por considerações ecológicas necessárias para promover a vida e a inclusão de limites ecológicos na esfera socioeconômica; (iii) a integração a regimes jurídicos e outras disciplinas como a economia, de forma sistêmica e integrada, para resolver os problemas em conjunto e não isoladamente; (iv) a mudança de foco radical na economia e a redução do uso material e energético, em razão da transposição de alguns limites ecológicos; (v)a distribuição justa e utilização de princípios de proporcionalidade e subsidiariedade, ao mesmo tempo em que global; (vi) a distribuição equitativa entre gerações presentes e futuras e entre humanos e outras formas de vida; (vii) a consideração do estado de direito ecológico vinculante (obrigatória, de direito ou de fato); (viii) a expansão das pesquisas e monitoramento para melhor entendimento e respeito aos limites ecológicos; (ix) a consideração da precaução sobre os limites planetários; e por fim, (x) a adaptabilidade como característica do direito ecológico, em razão da própria natureza dos limites ecológicos e do equilíbrio da natureza.

16 RODRIGUES, Eveline de Magalhães Werner. Constitucionalismo latino-americano e direito ao meio ambiente: diálogos em busca de uma proteção jurídica de integridade. 157 f. Dissertação (Mestrado em Direito Agro Ambiental). Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2015.

A Constituição do Equador17, vigente desde outubro de 2008, chama atenção por seus valores que, desde o preâmbulo celebram tanto a Pacha Mama18, vital para a sobrevivência do homem, quanto a inclusão do sumak kawsay19, uma nova forma de convivência plural e cidadã, em harmonia com a natureza, para alcançar uma vida plena ( bem viver). Esse modus vivendi evidencia a noção andina da vida pelo próprio sentido da expressão: sumak quer dizer “o ideal, o belo, o bom, a realização”; kawsay significa “a vida, em referência a uma vida digna, em harmonia e equilíbrio com o universo e o ser humano”. Desse modo, o sumak kawsay representa a plenitude da vida.20

Além dessa ruptura, outro dado a merecer destaque e que tanto se coaduna com a lógica do estado socioambiental pode ser identificado no Capítulo sete. Nesse ponto, o Equador inova, ao constitucionalizar a natureza como sujeito de direitos, outorgando-lhe prerrogativas várias, inclusive “o direito de ser restaurada quando for destruída”.21

17 ECUADOR. Constitucion 2008 La República Del Ecuador. Disponível em: http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.Pdf. Acesso em: 25 mar. 2020:

“Constitución de la República del Ecuador. Preámbulo. Nosotras y nosotros, el Puebla soberano del Ecuador reconociendo nuestras raíces milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, celebrando a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, invocando el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, apelando a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, como herederos de las luchas sociales de liberación frente a todas las formas de dominación y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía com la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay;Una sociedad que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad de las personas y las colectividades;Un país democrático, comprometido con la integración latino americana –sueño de Bolívar y Alfaro-, la paz y la solidaridad con todos los pueblos de la tierra; y,[...]” (ECUADOR, p. 15).

18 Trata-se de expressão originária da língua indígena quéchua, que, pode ser traduzida por mãe terra (natureza). A adoção do termo Pacha Mama como sinônimo de Natureza no preâmbulo da Constituição Equatoriana, incorporou o reconhecimento da plurinacionalidade e interculturalidade na carta magna daquele país.

19 Sumak kawsay: bem viver, na concepção dos povos indígenas andinos.

20 KOWII, Ariuma. Sumak kawsay. p. 6. Disponível em:

http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/El%20Sumak%20Kawsay-ArirumaKowii.pdf. Acesso em 18 abr. 2020. Para o autor, El sumak kawsay Es una concepción andina ancestral de la vida que se ha mantenido vigente en muchas comunidades indígenas hasta la actualidad. Sumak significa lo ideal, lo hermoso, lo bueno, la realización; y kawsay, es la vida, en referencia a una vida digna, en armonía y equilibrio con el universo y el ser humano, en síntesis el sumak kawsay significa la plenitud de la vida.

21 ECUADOR. Constitucion 2008 La República Del Ecuador. Disponível em: http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.Pdf. Acesso em: 25 mar. 2020.

Na mesma toada a Constituição Boliviana22, promulgada em 2009, na base de seus regramentos apresenta a mesma busca da Carta Equatoriana pelo bem viver. Na verdade, o objetivo de ambas decorre em parte do fato de a cultura desses povos se respaldar na integração e no equilíbrio com a natureza, possuidora de um sentido espiritual de fundamento da vida, muito mais amplo e profundo que aquele experimentado pelas sociedades ocidentais.23

Com efeito, em particular, por meio da concretização dos deveres de proteção dos direitos fundamentais, o Estado contemporâneo deve se adequar e, se preciso for, reinventar-se a cada nova agitação da história, com o objetivo de enfrentar de forma primordial, as novas circunstâncias, riscos e ameaças que comprometam a existência digna da humanidade, e sob essa perspectiva assumir contornos de socioambientalidade. Sobre esse aspecto, Haberle defende a necessidade de um desenvolvimento centrado em mais deveres e obrigações para com a dignidade humana, em vista do futuro humano, deveres esses que se justificam especialmente nas dimensões comunitárias e ecológicas da dignidade humana, em “um processo

Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza La vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y El mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos.

Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad poderá exigir a La autoridad pública El cumplimiento de los derechos de La naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los princípios establecidos em La Constitución, en lo que proceda.

El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan La naturaleza, y promoverá El respeto a todos los elementos que Forman un ecosistema.

Art. 72.- La naturaleza tiene derecho a La restauración. Esta restauración será independiente de La obligación que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de Indemnizar a los individuos y colectivos que dependan de los sistemas naturales afectados. En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasionados por La explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más eficaces para alcanzar La restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar lãs consecuencias ambientales nocivas. Art. 73.- EI Estado aplicará medidas de precaución y restricción para lãs actividades que puedan conducir a La extinción de especies, La destrucción de ecosistemas o La alteración permanente de los ciclos naturales.

Se prohíbe La introducción de organismos y material orgánico e inorgânico que puedan alterar de manera definitiva El patrimonio genético nacional.

Art. 74.- Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiar se del ambiente y de las riquezas naturales que lês permitan el buenvivir.

Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; suproducción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado.”

22 BOLIVIA. Constitución Política del Estado (CPE) - Bolivia - InfoLeyes - Legislación online. Disponível em: https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf. Acesso em 18 abr. 2020.

23 LEITE, José Rubens Morato e SILVEIRA, Paula Gabiatti. Ecologização do estado de direito: uma ruptura ao direito ambiental e ao antropocentrimo vigentes. In: LEITE, José Rubens Morato. A ecologização do direito ambiental vigente: rupturas necessárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 136.

dialético posto em marcha, que se renova constantemente no horizonte do projeto político-jurídico da comunidade estatal”.24

Nesse cenário de novos arranjos é importante consignar que o Brasil não se encontra no marco zero dessa caminhada que, embora marcada por tensões, avanços e também retrocessos como o que se denota nesses últimos anos, pode encontrar guarida à luz do conteúdo normativo expresso na Constituição Federal de 1988, art. 225, analisado em diversos tópicos desta tese. Não se discute que o sistema jurídico, notadamente a Constituição vigente, aproximou-se dos pressupostos fundamentais à construção desse tipo de Estado, pois, adotou uma linha que demanda um rigoroso e funcional sistema de responsabilização por danos ao ambiente. Contudo, convém afirmar que as experiências com coisas reais demonstram que esse objetivo não foi plenamente alcançado.

O que se exige, portanto, é a efetividade do discurso. O Estado deve levar em conta a crise ambiental e posicionar-se diante de sua tarefa, cumprindo um papel intervencionista, comprometido com a implantação de novas políticas públicas para dar conta de tal tarefa.25

Por outro lado, a legislação constitucional brasileira, ao tornar expressos em seu art. 170, tanto o princípio do desenvolvimento sustentável, quanto o direito de propriedade privada e a livre iniciativa, se presta a desmistificar um capitalismo liberal-individualista em favor de sua leitura à luz dos valores socioambientais. Dessa forma, pode-se antever os contornos de um estado socioambiental, mesmo se tratando de uma constituição econômica.

De acordo com Pureza26, não é a intensidade da intervenção econômica do Estado que caracteriza um estado socioambiental, mas sim uma atenção especial ao destino universal dos bens ambientais, o que demanda um controle racional da utilização do patrimônio natural. Ao se assumir esse patrimônio e seu equilíbrio como

24 HABERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: SARLET, Ingo Wolfgang(Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia de direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.128.

25 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.104.

26 PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Lisboa: Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, 1996, p. 27.

bens públicos, “deve-se impor balizas jurídicas que orientem toda a atividade econômica para um horizonte de solidariedade substancial”27. Essa compreensão parece ter sido internalizada na Constituição Brasileira vigente quando, em seu artigo 225, dispõe que o ambiente é “bem de uso comum do povo”.

A despeito das variadas concepções, o Estado de Direito socioambiental28 é um modelo de Estado fictício, um devir que só encontrará concretude, se receber um tratamento legislativo adequado. No Brasil, essa lógica pode ser detectada e contrariada no sistema de responsabilização civil proposto no ordenamento pátrio, que, apesar de bem estruturado, não tem cumprido por completo sua função de balizar condutas preventivas, passando a ser utilizado como forma de reparar o que não pôde ser evitado. Sob esse aspecto, o cerne da questão que permeia um Estado, dito socioambiental ou ecológico, reside na difícil tarefa de tornar operativo esse sistema de atribuição de responsabilidade.

Algumas propostas vêm sendo feitas, mas, inicialmente, o poder público deve viabilizar a reparação dos danos ambientais, e para isso poderá canalizar as verbas pagas pelos degradadores. Por outro lado, e como corolário do já decantado artigo 225 da Constituição Federal de 1988, defende-se uma participação popular mais incisiva através da ampliação da legitimação ativa nas ações de responsabilidade, tornando-se concreta a participação da coletividade, ao se atribuir às associações não governamentais o poder de ação a título subsidiário, quando o Estado fracassar em seu mister.

É importante fixar que nada disso tem sentido ou será viável, se esse novo modelo esbarrar na impossibilidade financeira dos responsáveis pela degradação ambiental. Sob esse aspecto, não basta a construção de uma consciência coletiva

27 PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Lisboa: Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, 1996, p. 27.

28 Em linhas gerais, o Estado de Direito sociombiental pode ser compreendido como produto de novas reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que confere à proteção do meio ambiente. (LEITE, José Rubens Moratto e FERREIRA, Heline Sivini. Tendências e perspectivas do estado de direito ambiental no Brasil. In LEITE, José Rubens Moratto, FERREIRA, Heline Sivini, BORATTI, Larissa Verri (orgs.). Estado de direito ambiental: tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 13.); (2) A construção do Estado de Direito Ambiental pressupõe a aplicação do princípio da solidariedade econômica e social com o propósito de se alcançar um modelo de desenvolvimento duradouro, orientado para a busca da igualdade substancial entre os cidadãos mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural. (CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama, 1994).