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1.2 Políticas Preventivas de Danos ao Meio Ambiente no Ordenamento

1.2.1 Princípios de Direito Ambiental na construção da gestão ambiental

1.2.1.2 O Princípio da Precaução

O Princípio da Precaução se insere na perspectiva da proteção preventiva do meio ambiente, em função da emergência do direito ambiental internacional e, principalmente, por causa da degradação notória e grave da natureza a produzir catástrofes irreversíveis ou de improvável reparação. Essa proteção tem raízes na

54 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 92.

55 LEITE. José Rubens Morato e AYALA Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

preocupação do homem com as gerações futuras, devendo a preservação do meio ambiente deve estar necessariamente voltada para o futuro. No dizer de Kiss 56, “uma decisão consciente para evitar o esgotamento dos recursos naturais globais, em vez de nos beneficiarmos ao máximo das possibilidades que nos são dadas hoje, envolve necessariamente pensar sobre o futuro”. Logo, a preocupação com as gerações vindouras está intimamente ligada à ideia de desenvolvimento sustentável.

Não há como dissociar a abordagem ou o princípio da precaução da sustentabilidade do desenvolvimento, e não há consenso sobre o seu significado. Por muito tempo, a sua aplicação e o seu conteúdo diziam respeito a questões internas de cada nação e, como tais, fragmentadas, casuísticas e de curto alcance. Cuidava de situações específicas, sendo que os reflexos de sua dimensão e aplicabilidade não se faziam sentir além do universo físico e temporal onde era implementado.

Enquanto o princípio da prevenção podia ser identificado em tratados internacionais ambientais há pelo menos sete décadas, o Princípio da Precaução, muito ulterior, vem evoluindo rapidamente. Apesar disso, sua aceitação nas questões internacionais ainda é nova e tem diferentes concepções, quer como princípio – e nesse ponto converge a maioria dos estudiosos do direito- quer como um simples enfoque, abordagem defendida pelos doutrinadores dos Estados Unidos, especificamente.

O debate entre juristas acerca da precaução, dentre outras questões se ocupa em decidir se o princípio desfruta o status de direito costumeiro internacional. Independentemente da conclusão, não resta dúvida de que o Princípio da Precaução irradia suas premissas para os mais diversos instrumentos ambientais e a sua relevância reside justamente na possibilidade de regulamentação dos seus ditames. Para que haja efetividade na correta implementação de seus conceitos, não é suficiente a grandiosidade de sua proposta. Nenhum princípio em sua essência traz consigo o caráter de obrigação absoluta e sua implementação dependerá sempre de outros meios regulatórios. Nesse sentido, a relevância do princípio da precaução, pois, estaria no desenvolvimento de um conjunto de normas relacionadas às regras

56 KISS, Alexandre. Os direitos e os interesses das futuras gerações e o princípio da precaução. In VARELLA, M. D. e PLATIAU, A. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004 (segunda citação).

procedimentais, como medidas precatórias “indiretas”. Estas incluiriam normas como as que exigem a avaliação prévia de impacto ambiental, o dever de alertar ou notificar outros Estados, o papel de mitigar e socorrer em emergências, bem como o de facilitar o acesso à informação.57

O importante é que, antes de ser alçada à condição de princípio ambiental, a precaução tinha relevância e era discutida como medida proveniente do senso comum. Sob esse aspecto destaca-se uma vez mais o afirmado por Freestone e Hey, pois, quanto mais se interpreta o conceito de precaução, mais se percebe, a consistência do exemplo de Monsieur Jourdain, o mercador da peça Le Bourgeois

Gentilhomme, de Molière, que descobriu que, por mais de quarenta anos, utilizou a

prosa sem saber que o fazia. Também a precaução, da mesma forma, esteve presente por muitos anos, como parte da gestão ambiental informal e do comportamento humano, sem que se analisasse sua utilização ou se estudasse suas características.58

Dificuldades surgem quando se procura delimitar um marco inicial na regulamentação legal da precaução, quer como princípio, quer como abordagem casuística. Wolfrum59 identifica na Declaração Ministerial da Segunda Conferência Internacional sobre a Proteção do Mar do Norte, de novembro de 1987, a primeira referência internacional explícita ao princípio da precaução. Por sua vez, Aragão sustenta que “este princípio deriva do ordenamento jurídico alemão, que exige a atuação mesmo antes de impor qualquer ação preventiva”.

O princípio da precaução (que os alemães denominam Vorsorgeprinzip) está presente no direito alemão, desde os anos 1970, ao lado do princípio da cooperação e do princípio do poluidor-pagador. “Já naquela oportunidade o governo alemão, por intermédio do relatório ambiental de 1976, destacava a importância deste princípio na formação de políticas ambientais”.60

57 FREESTONE, David e HEY, Helen. Implementando o princípio da precaução: desafios e oportunidades, p. 211. In VARELLA, M. D. e PLATIAU, A. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

58 Ibidem, p. 215. (segunda citação).

59 WOLFRUM, Rudiger. O princípio da precaução, p.14. In VARELLA, M. D. e PLATIAU, A. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

Pode-se perceber, acompanhando os dispositivos constantes dos tratados e convenções internacionais, que a formulação da precaução não é idêntica e seu conteúdo é visto por diferentes ângulos. Enfoques mais ou menos tradicionais permeiam a evolução do referido princípio.

Contudo, pode-se afirmar que, a fim de obter o desenvolvimento sustentável61, as políticas devem ser baseadas no princípio da precaução. Medidas ambientais devem antecipar, impedir e atacar as causas de degradação ambiental. Onde existirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de total certeza científica não deve ser usada como razão para retardar a tomada de medidas que visam a impedir a degradação ambiental. 62

Outros dispositivos relevantes cuidaram de repetir e reafirmar essa ideia, e a tentativa conceitual prossegue. Em 1998 a Declaração de Wingspread, formulada em uma reunião realizada em janeiro de 1998 em Wingspread, sede da Joyhnson Foundation, em Racine, estado de Wisconsin, definiu-se a necessidade da aplicação do Princípio da Precaução. Nos termos dessa Declaração, aplicar o princípio da precaução poderia significar, inclusive a inação, tudo devidamente decidido de forma aberta e democrática, com a atuação conjunta dos seguimentos potencialmente prejudicados.63

A par das considerações feitas, o princípio da precaução, ao subsidiar a construção de uma gestão ambiental equilibrada, não se esgota na defesa contra os riscos ou na reparação dos danos porventura existentes. Reclama, isso sim, uma intervenção multifacetada que proteja as bases naturais e racionalize sua utilização, pois, para concretizar esse princípio, resta nítido que, devido ao seu elemento temporal que se relaciona com o futuro, bem como as complexas exigências de uma

61 Em 1987, a Comissão Brundtland divulgou relatório denominado “Nosso Futuro Comum” e conceituou a base do desenvolvimento sustentável como sendo “[...] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer os estoques ambientais para as futuras gerações”.

62 SANDS, Philippe. O princípio da precaução, p. 32. In VARELLA, M. D. e PLATIAU, A. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

63 DECLARAÇÃO DE WINGSPREAD. Racine, WI, 20 janeiro de 1998. Disponível em: http://www.who.int/entity/ifcs/documents/forums/forum5/wingspread.doc. Acesso em 12 jan. 2020.

proteção ambiental, não basta uma ingerência periférica, ou compartimentada em determinadas ordens do direito.64

Ao contrário, normas que denotam uma prática sustentável de apropriação de recursos naturais integram obrigatoriamente o planejamento da política econômica e, consequentemente, as normatizações da prática econômica. Portanto, “precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica”.65

Na verdade, deve-se pontuar que o princípio da precaução tem uma função pacificadora, ao contrário de seu congênere, o princípio do poluidor-pagador, objeto de estudo do próximo tópico desta tese. Esse último tem conteúdo secundário, cuja aplicação casuística irá depender sempre do legislador e do juiz. Ao contrário, o princípio da precaução pretende a consecução de fins de proteção ambiental básicos, valendo-se preponderantemente de controle prévio dos riscos, o que compete a todos e cada um individualmente.

Por sua natureza, sua performance se faz sentir mais especialmente na consecução de políticas públicas ambientais, impondo uma série de ações básicas pelo governo. Este princípio, aliado à solidariedade social e ao respeito pelos postulados ecológicos, seria o ponto de partida para a construção de políticas ambientais, inclusive as normativas.

Mais uma vez, há de se insistir que a efetividade deste princípio depende substancialmente da forma e da extensão da cautela econômica ao se consumá-lo66. Precaução é cuidado, é zelo e, assim sendo, seu conteúdo deve prever condutas acautelatórias, políticas públicas preventivas, mas também a preocupação com os riscos futuros, inalcançáveis em toda a sua densidade. Essa preocupação há de se traduzir em medidas de tratamento corretivo dos danos que não puderam ser evitados.

64 KLOEPFER, Michael. A caminho do Estado Ambiental? A transformação do sistema político e econômico da República Federal da Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência jurídica. In: KRELL, Andreas J.[et al.]; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

65 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 150.

Sobre esse aspecto, um seguro ambiental pode ser providência relevante tanto de prevenção quanto de correção dessas atividades.