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2.4 Valoração e Reparabilidade dos Danos Ambientais

2.4.2 O nexo causal nos danos ambientais: por uma necessária flexibilização

De tudo quanto já se discutiu, pôde-se observar que os danos ambientais, especificamente quando se perpetram diretamente contra o meio ambiente, não se enquadram nas descrições dogmáticas tradicionais do dano certo e pessoal250. As diversas dificuldades que permeiam a prova de sua existência, normalmente decorrem de sua incerteza científica e se projetam de forma ainda mais complexa na delimitação do nexo entre suas causas e consequências.

Por outro lado, os danos ambientais que degradem o patrimônio, a saúde e o bem-estar das pessoas, não implicam, a princípio, problemas insuperáveis no que diz respeito à sua reparabilidade. No entanto, tratando-se de agressões que atingem os bens ambientais em sua categoria de danos ecológicos puros, surgem numerosas controvérsias, quanto à sua certeza e quanto à natureza pessoal do interesse lesionado.

249 Ibidem, p. 995.

250 Sobre os danos ambientais individuais, CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.110-112, pondera que, em seu conjunto, os requisitos exigidos para a configuração e reparação dos danos ambientais individuais, ao contrário dos danos coletivos, se compatibilizam com a teoria tradicional do direito/responsabilidade civil. Para o autor, possivelmente, as descrições do dano ambiental individual nas decisões jurisprudenciais estão vinculadas aos direitos de propriedade e de vizinhança, os quais são marcados pela existência de uma conflituosidade individual. Sinteticamente, o autor afirma que o dano ambiental individual é demarcado pela divisibilidade dos direitos subjetivos envolvidos, e, a pessoalidade que marca tais danos faz com que somente o seu titular possa postular sua defesa e reparação, que, quando procedente, beneficiará apenas a pessoa cuja saúde ou patrimônio foram atingidos.

A própria prova da configuração do dano ambiental, as fontes que o ocasionaram e seus efeitos presentes e futuros exigem das estruturas normativas o “deslocamento de juízos de certeza para juízos de probabilidade”251, e essa incerteza científica se traduz em um dos maiores obstáculos à prova do nexo causal para a imputação da responsabilidade. Portanto, é aspecto importante em sede de dano ambiental, a aceitação, em determinadas situações, da probabilidade como critério para reputarem-se provados certos fatos.252

Mesmo no Direito tradicional, não é fácil a determinação do nexo causal, e, em matéria de direito ambiental, notadamente quando ocorrem danos de alta complexidade, é particularmente difícil e diabólica essa prova, sendo necessário flexibilizar o critério da certeza, podendo se afirmar que “se não há algo de incerteza, não se está diante de uma verdadeira causa ambiental”.253

Contudo, as dificuldades para a descrição e diagnóstico do nexo jurídico não decorrem exclusivamente dessa incerteza, e essa múltipla causalidade impõe a necessidade de evolução contínua nos mecanismos de interpretação, especialmente, diante de uma sociedade pós-industrial forjada sobre riscos, cujos conflitos jurisdicionais, não encontram solução linear. Assim, além da incerteza são múltiplas as variáveis que contribuem para dificultar, nos casos concretos, a dimensão dos danos, bem como seus responsáveis.

Por outro lado, o incremento do direito ambiental em suas mais diversas formas de regulamentação não tem sido suficiente para evitar a aceleração dos efeitos dos danos característicos dessa era nuclear e química, e Ulrich Beck254 partindo dessa

251 CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental, 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 118.

252 MORELLO, Augusto Mário. El proceso civil moderno. La Plata: Libreria Editora Platense, 2001, p. 359, nesse sentido afirma que não se exige mais certeza absoluta para a configuração da degradação ambiental (efetiva ou potencial), mas uma certeza relativa, baseada no critério da probabilidade, capaz de criar a convicção quanto à ocorrência ou não do fato relacionado àquela lesão ambiental. É a denominada “certeza suficiente”. ver MORELLO, Augusto Mario. El proceso civil moderno. La Plata: Libreria Editora Platense, 2001, p. 359, 370, 372.

253 GOLDENBER, Isidoro H; CAFFERATTA, Nestor A. Daño ambiental – problemática de su determinación causal. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2001, p. 48. Nesses casos, os autores, defendem que a prova da degradação ambiental (efetiva ou potencial), da lesividade da atividade reputada degradadora ou do nexo causal entre a atividade e o dano, ficará sujeita ao critério da probabilidade, aliviando-se, um pouco, o encargo probatório do autor da demanda.

254 BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2002, p. 89. O autor destaca que o conceito de irresponsabilidade organizada auxilia a compreensão de como e porque as instituições da sociedade moderna ao mesmo tempo que devem reconhecer a realidade

realidade estabelece uma nova proposição acerca das contradições vivenciadas por essa sociedade: “a irresponsabilidade organizada”, configurada pela coexistência de uma degradação ambiental crescente, cercada de um arcabouço legislativo amplo e protetivo também em expansão, mas incapaz de identificar e responsabilizar qualquer indivíduo ou instituição pelas consequências negativas dessa degradação.

Outra peculiaridade desses novos riscos, potencialmente desastrosos e típicos do cenário global vigente é sua pouca ou nenhuma visibilidade. O homem, profundamente afetado pelas intempéries, na maioria dos casos sequer se apercebe dos perigos que lhe rondam a porta, como também não compreende a forma lenta e imperceptível de como um dano em potencial se concretiza255. Como já se afirmou anteriormente, essa cegueira dificulta ou mesmo inviabiliza qualquer tentativa de se estabelecer suas causas, seus responsáveis e sua dimensão temporal e territorial.

Portanto, estabelecer um liame causal entre determinado acontecimento e um dano ao meio ambiente resulta difícil, mas não é impossível, tarefa essa que demanda a mais absoluta determinação, até porque, a obrigação de reparar ou indenizar a lesão exige que se estabeleça o nexo de causalidade entre a ação ou omissão de determinado sujeito.

A par dessas várias considerações em torno do tema, o que se deve perceber é que no campo do dano ambiental, a prova do nexo causal é, geralmente

da catástrofe, negam a sua existência, escondendo as suas origens e afastando a possibilidade de compensação e controle. Essa contradição em parte devida à inadequação da estrutura dogmática do direito tradicional para o trato de questões complexas é afirmada ainda por ROCHA, Leonel Severo. Uma nova forma para a observação do ambiente globalizado: policontextualidade jurídica e Estado Ambiental. In CARLIN, Volney Ivo(org.). Grandes temas de direito administrativo: homenagem ao professor Paulo Henrique Blasi. Florianópolis: Conceito; Millenium, 2009, p. 522 dispondo que as questões ecológicas e a própria comunicação ecológica produzida na sociedade apresentam, no entanto, grandes contradições com o Direito tradicional, fundado numa dogmática antropocentrista, eminentemente individualista. Pelo contrário, a ecologia é o topo do global e do complexo. Para lidar com suas questões, a teoria do Direito há que se tornar reflexiva, importando na necessidade de se alargar a vertente do antropocentrismo, de se pautar na transdisciplinaridade, inafastável nas questões ambientais, e sobretudo em uma epistemologia de complexidade.

255 Os danos ambientais não se enquadram nas molduras tradicionais. GOLDENBER, Isidoro H; CAFFERATTA, Nestor A. Daño ambiental – problemática de su determinación causal. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2001, p. 76 propõem uma necessária disciplina peculiar mais adequada às suas características incomuns. De acordo com esses autores, os danos ambientais não são danos comuns, facilmente comprováveis, pois: a) são, frequentemente, despersonalizados ou anônimos, com enormes dificuldades para a determinação do agente; b) podem alcançar e provocar um número elevado de vítimas, um bairro, uma região, um país; c) podem ser o resultado de atividades especializadas que utilizam técnicas específicas, desconhecidas para as vítimas; d) podem também ser um dano certo e grave para o meio ambiente, a água subterrânea ou um lago, mas a respeito das pessoas que o invocam, sem relevância, ou não tê-la na atualidade.

extremamente complexa e por vezes impossível, constituindo-se em intransponível óbice ao direito de reparação das vítimas256 e à realização da justiça, o que implicaria a impunidade dos poluidores.257

Por outro lado, as ofensas ao meio ambiente se apresentam de forma distinta da danosidade comum, aspecto esse que repercute no tratamento jurídico do nexo de causalidade. Também é sabido que a responsabilidade civil convencional não tem, em muitos casos, o condão de desestimular degradadores potenciais porque não é facilmente implementável. Sob essa luz, mais uma vez aqui se insiste na tese de que um seguro ambiental obrigatório pode e deve com ela conviver. Porém, até que se implemente essa possibilidade, faz-se necessário corrigir as inadequações que existem na vertente tradicional da responsabilização civil, que até o momento se traduz em instrumento de inquestionável valia.258

No ordenamento jurídico brasileiro, nos termos específicos da Lei n. 6.938/81, bem como em inúmeros dispositivos da Constituição Federal de 1988, a responsabilização civil pela reparação dos danos ecológicos vem se adaptando às novas exigências decorrentes das questões ambientais, e uma delas é a adoção da responsabilidade objetiva259. Contudo, a transformação da responsabilidade subjetiva

256 PRIEUR, Michel. Droit de l'Environnemmt. 2. ed. Paris, Dalloz, 1991, p. 72.

257 LEITE, José Rubens Morato e BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Dano ambiental na sociedade de risco: uma visão introdutória. In LEITE, José Rubens Morato (coord.); FERREIRA, Heline Sivini, FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti (orgs.). Dano ambiental na sociedade de risco. São Paulo: Saraiva, 2012.

258 Dentre as várias formas de adequação dos pressupostos de eficácia da responsabilidade civil, BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado, p. 24-25. Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/79061950.pdf. Acesso em 12 ago. 2019. Propõe o estabelecimento de pressupostos de eficácia da responsabilidade civil, utilizando, através de mecanismos tais como ampliação do rol dos sujeitos responsáveis, adotando-se a solidariedade entre eles e abrindo-se a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica; flexibilização do universo de eventuais vítimas, reconhecendo-se o interesse de sujeitos intermediários; permissivo para o afastamento integral da exigência de culpa; facilitação da prova da causalidade (inclusive com inversão do ônus probandi); redefinição do conceito de dano e instituição de formas inovadoras para a sua liquidação; enxugamento das hipóteses de exclusão; modelagem peculiar para os remédios reparatórios, enfatizando-se a reconstituição do bem lesado; um regime próprio para a prescrição e decadência; seguro obrigatório ou mecanismo similar com algumas atividades perigosas; facilitação do acesso à justiça para os prejudicados por danos ambientais; instituição de fundos compensatórios de futuras vítimas; e multa civil, para nomear apenas alguns.

259 Em se tratando da matéria no âmbito Europeu, MARTIN, Giles. Direito do ambiente e danos ecológicos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 31. Março 1991, p.118, destaca diplomas normativos que ratificam essa tendência a exemplo da Lei de responsabilidade nuclear, de 30 de outubro de 1968; Lei de 26 de maio de 1977, da reponsabilidade civil por poluição causada por lançamento no mar de efluentes de hidrocarbonetos e o artigo L. 141-2 do Código de aviação civil, sobre a responsabilidade civil por danos causados por ruídos de aviões a terceiros na superfície terrestre.

em objetiva não diminui as dificuldades relativas ao próprio dano e à sua causalidade, que remanesce como o principal entrave às demandas ambientais reparatórias.

A definição do nexo causal se faz com simplicidade, como um vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo que um represente a consequência do outro260. Contudo, em sede de responsabilidade civil, especialmente em matéria ambiental, é o elemento mais difícil de ser comprovado, e, com a crescente adoção da responsabilidade objetiva, passou-se a exigir redobrada atenção na sua determinação, nos casos concretos. Afastada a rigorosa demonstração do requisito subjetivo do ilícito, presente em um contexto assentado na ideia de comprovação da culpa, a discussão nas ações de responsabilidade civil passou a se circunscrever em torno do nexo causal.

Este requisito enfrenta no domínio do direito ambiental, consideráveis dificuldades e, frente a tantos desafios, a reação do direito positivo foi tímida, cabendo à liberdade de apreciação do judiciário, a consecução de alguns progressos. Por outro lado, a doutrina com acerto tem entendido que há necessidade de facilitar a carga probatória do nexo de causalidade daqueles. que demandam a reparação do dano ambiental individual ou coletivo.

Exemplos desses novos rumos podem ser vistos em algumas legislações estrangeiras. Assim, por exemplo, o artigo 10º da Lei Francesa de 30 de outubro de 1968, sobre a responsabilidade em matéria nuclear instituiu uma espécie de presunção, quando ocorressem acidentes nucleares. Por seus termos, quando isso acontecesse, o governo estabeleceria por decreto, uma lista das doenças que presumivelmente teriam ocorrido em virtude do acidente261. Neste mesmo sentido, a Convenção de Lugano, exorta ao juiz, no exame do nexo de causalidade, levar em conta “o risco acrescido de causar danos inerentes às atividades perigosas”262.

Trata-260 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 55.

261 MARTIN, Giles. Direito do ambiente e danos ecológicos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 31. Março, 1991, p. 120, ressalta ainda a Lei Japonesa de outubro de 1973, que trata das alterações de saúde supervenientes às poluições. De acordo com essa norma, “se surgir uma doença -constante de uma lista- num raio de um determinado número de quilômetros à volta de qualquer instalação poluente, suscetível de afetar a saúde, presume-se que ela foi causada por essa instalação. Contudo, essa mesma lei foi revogada em 1988, sob a justificativa de contribuir para uma imagem negativa de um Japão poluído e perigoso”.

262 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 179.

se, de fato, da aplicação da verossimilhança, ao invés da certeza absoluta.’

Em diversos outros diplomas normativos repete-se orientação semelhante. Leme Machado263 cita como exemplo os casos do direito italiano e alemão que vêm flexibilizando o nexo causal em matéria ambiental. Na Itália, os tribunais estão propensos a ligar o dano, do ponto de vista causal ao somatório de duas variáveis: o descumprimento de uma norma de emissão ou standard e a ocorrência do dano. Na Alemanha, uma lei de 10 de dezembro de 1990, sobre responsabilidade civil, traz em seu artigo 6º, § 1º a presunção do liame de causalidade entre uma instalação apta a causar um dano e sua responsabilidade quando esse dano se concretiza em um caso concreto.264

Ao revés, na legislação brasileira não existem dispositivos expressos com o fim de viabilizar a prova do nexo causal no dano ao meio ambiente, apesar da lei processual já dispor acerca da verossimilhança, que pode ser usada em hipóteses de tutela liminar de urgência. Contudo, parece evidente que o nexo de causalidade do dano ambiental busca um aperfeiçoamento, e esse incremento pode advir não somente da admissão de um juízo de probabilidade satisfatória, como também através da inversão do ônus da prova.

Essa possibilidade de inversão afigura-se como mecanismo importante para garantir a eficácia protetiva não apenas dos interesses difusos e coletivos, como, especificamente em relação à proteção dos ecossistemas, posto que é notório nesta sede, a necessidade de um olhar diferenciado visto que as questões envolvem juízos probatórios complexos. Portanto, parece bastante apropriado, ao dano ambiental, assegurar maior conforto processual ao demandante.265

Trata-se de superar os obstáculos presentes quando o que se pretende é a reparabilidade dos danos ambientais. Herman Benjamin propõe facilitar a prova do nexo causal partindo de três providências:

Primeiro, com as presunções de causalidade, principalmente levando em

263 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p.344.

264 Sobre a Lei Alemã, ver MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op.cit., p. 344-346.

265 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, vol. VII.

conta que, como regra, estamos "na presença de uma atividade perigosa", onde, com maior razão, presume-se iuris tantum o nexo. Segundo, com a inversão do ônus da prova, mais ainda quando há uma multiplicidade de potenciais fontes degradadoras. Terceiro, com a previsão de sistemas inovadores de causalidade, como o da a responsabilidade civil alternativa ou baseada em "parcela de mercado" (market share liability). 266

Acerca da presunção de causalidade, se pode citar a legislação alemã, em vigor desde 1991. Em seu artigo 6º, dividido em quatro parágrafos, essa lei estabelece a presunção do liame de causalidade, dispondo que se determinada instalação está apta a produzir determinado dano e esse dano acontece, presume-se que foi causado pela dita instalação267. Essa presunção, contudo, não é de todo gratuita, posto que o lesado deve comprovar a ocorrência das circunstâncias previstas na norma, apontando os elementos de aptidão para causar o dano. No artigo seguinte, exoneram -se dessa presunção algumas hipóteses268. Nem por isso a legislação perde seu brilho. Nos casos em que a presunção não for aplicável, e que a instalação opere, aparentemente, de acordo com o regramento legal, sempre restará à vítima pleitear seu ressarcimento estabelecendo o nexo de causalidade.

A segunda hipótese que pode ser aventada no intuito de se flexibilizar um nexo causal é a inversão do ônus da prova, possivelmente a grande temática que viabiliza a discussão do liame causal. Em última instância, a ideia é que toda a coletividade seja beneficiada com essa medida, em virtude do bem ambiental pertencer a todos. Os que advogam essa tese, geralmente, encontram justificativa na aplicação do princípio da precaução de onde se poderia inferir a inversão do ônus probatório, bem

266 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/79061950.pdf. Acesso em 12 nov. 2019, p. 55-56.

267 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, em livre tradução feita pela jurista Christine Vodt elenca os quatro parágrafos da Lei Alemã dos quais importante mencionar:

“§ 1º. Se uma instalação é apta a causar o dano surgido nas circunstâncias de um caso concreto, há presunção de que o dano é causado pela instalação. A aptidão -no caso concreto- será julgada de acordo com a regulamentação da instalação; através das instalações utilizadas a qualidade e a quantidade das substâncias químicas utilizadas e emitidas, segundo a hora e o lugar da emergência do dano e segundo a impressão de conjunto causada pelo dano e todas as outras circunstâncias, que indicam ou refutam o liame de causalidade.

§ 2º. O § 1º não se aplica se a instalação está em serviço de uma forma regular. Uma instalação é explorada de forma regular se as obrigações particulares são respeitadas, e isto no caso de ausência de incômodos”.

268 Essa mesma lei em seu artigo 7º arrola algumas hipóteses de exceção dessa presunção: “Art. 7º Exoneração da presunção:

1) No caso onde diversas instalações estão aptas a causar o dano e uma outra circunstância esteja apta a ser causa do dano no caso concreto, a presunção não se aplica.

2) No caso onde uma só instalação estivesse apta a ter causado o dano e uma outra circunstância, no caso concreto, esteja apta a ter causado o dano, a presunção não se aplica”.

como na premissa do in dubio pro ambiente.269

269 Em julgado paradigmático de relatoria do Ministro Herman Benjamin, em sede de REsp 883656/RS (Recurso Especial n. 2006/0145139-9) assim se dispôs:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo. 2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo