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2. Metafísica de Eventos

2.4. Identidade e Causalidade de Eventos

2.4.3. A individuação de Eventos

A discussão anterior sobre causas e o modo como nos referimos a elas, a partir das posições sobre a causalidade de Hume e de Mill levou-nos a uma conclusão: eventos são as entidades nomeadas em declarações causais singulares. Contudo, para prosseguir na discussão sobre causalidade de eventos e forma lógica de sentenças deveríamos investigar as condições que nos permite identificar e distinguir eventos: como podemos individuar eventos?

Davidson propõe-se a responder a essa pergunta em Individuation of Events (DAVIDSON, 1969). Desde já se interpõe uma distinção já feita, se eventos são tipos, então alguns podem ser distintos e outros idênticos; contudo, se são espécimes dificilmente haveria um evento idêntico a outro. Neste sentido podemos perguntar “quando é que sentenças da forma ‘ = ’ são verdadeiras, onde supomos ‘ ’ e ‘ ’ suplantadas por termos singulares referindo eventos”123 (DAVIDSON, 1969, p. 163).

Falar de individuação é falar de condições epistemológicas e, portanto, termos singulares, que assumimos aparecerem como referências a eventos, só podem ser econtrados em descrições de vários tipos, relacionadas causalmente, ou figurando em expressões que buscam uma forma lógica adequada para integrar eventos em teorias. Davidson “não acredita que possamos dar conta da ação, da explicação, da causalidade, ou da relação entre o mental ou o físico, a menos que aceitemos eventos como indivíduos”124

(DAVIDSON, 1969, p. 165). Acontece que, quando nos viramos para sentenças (que deveriam conter termos singulares, e referir-se a eventos) “geralmente não encontramos nada que possa contar como termos singulares que se possa ter como referindo-se a eventos”125 (DAVIDSON, 1969, p. 164). Que condições de verdade flanqueiam a

identidade de eventos?

Vejamos o seguinte exemplo:

123 Tradução do autor. No original, “when sentences of the form 'a = b' are true, where we suppose 'a' and 'b' supplanted by singular terms referring to events”.

124 Tradução do autor. No original, “do not believe we can give a cogent account of action, of explanation, of causality, or of the relation between the mental and the physical, unless we accept events as individuals”. 125 Tradução do autor. No original, “we generally find nothing commonly counted as singular terms that could be taken to refer to events”.

Dilma Rousseff deu a conferência de imprensa ontem.126 (36)

A sentença (36) deveria referir-se a um evento, a saber “a conferência de imprensa de Dilma Rousseff, de ontem”. E como já vimos, poderíamos redescrevê-lo como sentença de ação: “existe um evento tal que foi uma conferência de imprensa por Dilma Rousseff e aconteceu ontem”. Deste modo, a sua descrição, segundo o ponto anterior 2.4.2 seria a seguinte: ∃ Dilma Rousseff, conferência de imprensa, & = .127 Contudo, o modo como a sentença (36) foi apresentada é ambíguo, dado que Dilma pode ter dado várias conferências de imprensa durante o dia de ontem. Logo, estaríamos falando de tipos de eventos, ou ações neste caso. E já vimos que eventos têm que possuir singularidade, têm que ser particulares. De que modo, ou sob que condições, sentenças como “Dilma Rousseff deu a conferência de imprensa ontem” e “a conferência de imprensa de Dilma Rousseff, de ontem” se referem ao mesmo evento?

Já vimos, de modo geral, a proposta de Kim (1966) que consistia em assumir o papel ontológico determinante de propriedades, que se reflete numa identidade de propriedades. Vejamos agora a definição: “o evento ser e o evento ser são o mesmo evento se, e somente se ambas as declarações “ é ” e “ é ” são logicamente equivalentes, ou então, o particular é idêntico ao particular e a propriedade de ser ( - idade) é idêntica à propriedade de ser ( -idade)”128 (KIM, 1966, p. 232). Mas

propriedades diferem se as suas extensões também forem diferentes.

Numa consideração sobre a definição, podemos entender os problemas de sobrepor eventos com as sentenças (que mencionam propriedades) que usamos para os designar e descrever: “a explicação, como dar razões, é engrenada a sentenças ou proposições em vez de, diretamente, a sobre o que são as sentenças: assim, uma explicação de porque Scott morreu não é, necessariamente, uma explicação de porque o autor de Waverly morreu”129

126 A ideia, aqui, foi encontrar uma descrição que se pudesse referir tanto a um evento tipo como a um evento espécime. Nesse sentido, usar termos gerais ou descrições indefinidas não nos seria favorável, pois não se refeririam, claramente, a um evento espécime, por não imputarem singularidade.

127 Onde ‘ ’ é um evento, e ‘ ’ é uma função que atribui um número a um evento para marcar o tempo em que esse evento ocorre (o número 1 significaria, por exemplo, 1 dias atrás).

128 Tradução do autor. No original, “The event ’s being and the event ’s being are the same event if and only if either statements “ is ” e “ is ” are logically equivalent, or else the particular is identical with the particular and the property of being ( -ness) is identical with the property of being ( -ness)”. O modo como Kim apresenta o seu critério de individuação é em muito semelhante ao princípio dos indiscerníveis de Leibniz. Seria, desse modo, interessante explorar esse veio teórico, contudo não serviria os objetivos do presente trabalho.

129 Tradução do autor. No original, “explanation, like giving reasons, is geared to sentences or propositions rather than directly to what sentences are about: thus an explanation of why Scott died is not necessarily an

(DAVIDSON, 1969, p. 171). Mas sobre que propriedades (e relações) devem constar na descrição para que determinado evento tenha uma explicação adequada já aqui falámos anteriormente, e o problema aqui é saber quando sentenças da forma “ = ” são verdadeiras, isto é, sentenças cujos termos se referem a eventos.

Sobre a identidade de eventos, Davidson explora várias teses; que comparam eventos com objetos e propriedades, que propõem eventos como mudanças em substâncias, etc. Critica a posição de Peter Strawson em Individuals (STRAWSON, 1959), segundo a qual eventos dependeriam de objetos. Propõe critérios de individuação como a localização espacial, ou a ocupação dos mesmos segmentos de tempo, ou a junção destes dois critérios, como em Comments on D. Davidson's ‘The Logical Form of Action Sentences’

(LEMMON, 1967) de John Lemmon.

Contudo, a posição de Davidson envolve o papel explicativo de descrições e a possibilidade de redescrição na causalidade de eventos: “eventos são idênticos se, e somente se tiverem exatamente as mesmas causas e efeitos”130 (DAVIDSON, 1969, p. 179). Segue-se a apresentação do critério formal: “onde e são eventos, = se, e somente se (( ) ( causou → causou ) e ( ) ( causou → causou ))”131 (DAVIDSON, 1969, p. 179). Podemos concluir, deste modo, que um evento só pode ser idêntico a si mesmo, mas este critério de individuação (de agora em diante “critério de individuação causal”) é um critério que lida com sentenças.

É, contudo, necessária uma concepção de eventos que seja coerente com esta abordagem. Até agora sabemos que eventos não podem ser tipos, e portanto, suas descrições ou termo que a eles se referem têm de indicar singularidade. Essa singularidade poderia ser problemática ao tentarmos contar, no mundo, eventos, delimitando e interpretando alterações em regiões do espaço-tempo. Contudo, quanto às condições epistemológicas segundo as quais identificaríamos eventos, estas não são, à partida, piores (no sentido de nos trazerem mais problemas) que aquelas que usamos para objetos, classes, pontos, intervalos de tempo. É, porém, a compreensão que podemos ter de um influxo da

explanation of why the author of Waverley died”. No nosso caso teríamos que Dilma Rousseff é a presidenta do Brasil, e a explicação do porquê Dilma Rousseff deu uma conferência de imprensa ontem não é a mesma do porquê a presidenta do Brasil seu uma conferência de imprensa ontem.

130 Tradução do autor. No original, “events are identical if and only if they have exactly the same causes and effects”. Este é o critério apresentado em Individuation of Events (DAVIDSON, 1969); contudo, este critério será objeto da crítica de Quine (1985), o que fez Davidson (1985) recuar para a posição de Lemmon (1967), de que eventos são individuados segundo a sua localização no espaço e no tempo. Não exploraremos para já este tópico.

131 Tradução do autor. No original, “where and are events, ( = if and only if (( ) ( caused → caused ) and ( ) ( caused → caused ))”.

experiência, já de si limitado pelos nossos sentidos, e/ou pelo acervo linguístico de descrições e explicações que todos os dias produzimos em função deles.