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1. Eventos Físicos e Eventos Mentais

1.4. Fisicalismo e Estados Mentais

1.4.3. Significado e Ação

Começamos a abordagem ao problema do significado com Quine e os dois dogmas do empirismo, acabando na indeterminabilidade do significado. Consideramos ainda a possibilidade de afirmar que significados denotavam o referente através de termos singulares, contudo, esta tentativa conheceu barreiras: primeiro a dificuldade do slingshot, e depois, a inescrutabilidade da referência. Vimos também, ao introduzir o tema das descrições, que Russell evita estas duas dificuldades através da forma lógica da segunda ocorrência de proposições. Apesar de Davidson ter sido discípulo de Quine, quando aborda os problemas do significado e da referência traz algumas inovações, considerando a concepção semântica da verdade de Tarski, e evitando, um pouco à semelhança de Russell, o problema de sobrepor significado e referência. Depois disso, entrámos no problema da intencionalidade e da ação. Neste ponto, questionamo-nos: como se relacionam significado e ação?

Intuitivamente, poderíamos dizer que as nossas ações dependem do significado que atribuímos às coisas. Neste sentido, com “coisas” estaríamos falando indistintamente de todos os tipos de dados sensoriais que seriam interpretados como objetos, vocábulos, sensações e atos. Seria a partir deles que nos organizamos para procedermos à ação. Esta abordagem é notadamente vaga, mesmo que verosímil.

No âmbito das propostas de Davidson quanto à teoria do significado e ação podemos observar o papel central que têm as descrições: tanto ações como sentenças se apresentam sob descrições. Contudo, enquanto que no segundo caso as descrições servem como coordenadas gerais no holismo sentencial, no primeiro caso o que é discrito é uma ação. E embora uma ação seja diferente das suas razões, como vimos em 1.4.2, dar as razões ajudam na explicação da ação, revelando a intenção com a qual a ação foi feita (DAVIDSON, 1963, p. 7).

Podemos, todavia, ser levados a pensar que razões, como atitudes e/ou crenças, e ação têm naturezas diferentes, e que portanto, a primeira não pode causar a segunda. O sentido comum associado a esta afirmação pode ser dissipado se recorrermos à redescrição da descrição que justifica a ação. Não considerando apenas casos em que é dada uma justificação inadequada para a ação. Conforme argumenta Davidson, “a redescrição de uma ação devida a uma razão pode colocar a ação num contexto social, econômico,

linguístico, ou avaliativo, mais largo“51 (DAVIDSON, 1963, p. 10), ademais, “colocar a

ação num padrão mais abrangente explica-a (...), uma vez que o padrão relevante ou o contexto contêm tanto a razão como a ação”52 (DAVIDSON, 1963, p. 10).

Nada nos furta à conclusão de que o modo como racionalizamos a ação, e por conseguinte a nossa rede de capacidades inferenciais e o holismo associado à atribuição do significado (a palavras e sentenças), está intimamente conectado com o modo como procedemos à ação. Daí o papel central das descrições e a possibilidade de redescrição. Se pensarmos na ação do João em (27) podemos redescrevê-la:

João invadiu a propriedade do vizinho e correu em direção à laranjeira (30) Contudo, redescrever as razões que justificaram esta ação através do seguinte par de crença e desejo (28) e (29), por si só, não justificaria a ação. Um contexto mais largo, ou uma redescrição seriam requeridos:

João acredita que é cor de laranja (31)

João deseja invadir a propriedade do vizinho (32)

Reunimos todos os elementos para associar a abordagem de Davidson (1967a) à teoria do significado com a teoria da ação: verdade e significado como integrantes de um contexto linguístico sentencial amplo, a centralidade de descrições e a possibilidade de redescrição. Reiteramos, contudo, as condições apriorísticas do argumento. As descrições devem proceder de ações ocorridas, e não de teorias de previsão da ação53, e dado que o contexto sentencial também procede de ocorrências, seja a percepção, seja a crença de que a ação decorreu daquele modo, também a descrição deve ter em conta a singularidade dessa ação. Integrando, por fim, intenção, ação e significado, teríamos que a descrição da ação em (27) significaria que (30), e, apropriadamente, teríamos (31) e (32) como razões primárias.

Neste momento, quanto aos problemas relatados em 1.4 falta-nos dar o tratamento formal adequado às sentença que explicam a ação (sentenças de ação) para que sejam

51 Tradução do autor. No original, “the redescription of an action afforded by a reason may place the action in a wider social, economic, linguistic, or evaluative context”.

52 Tradução do autor. No original, “placing the action in a larger pattern explains it (…) explain actions, since the relevant pattern or context contains both reason and action”.

53 Veremos, no próximo capítulo, como Davidson rejeita a previsão da ação com base do silogismo prático baseado nas razões primárias. Uma teoria que preveja a ação terá de pesar as várias forças de crenças e atitudes, em competição, na matriz de decisão (DAVIDSON, 1963, p.15-16).

integrados numa teoria de escopo mais largo, integrando a ação numa teoria sobre a elação entre o físico e o mental. Isso será feito mais adiante no capítulo 2.

Será o tratamento dado por Davidson em Action Reasons and Causes (DAVIDSON, 1963) ao problema da intencionalidade e da ação que justificará a interação causal e a identidade entre eventos mentais e eventos físicos no argumento do monismo anômalo. O artigo é muito fecundo e lança insights acerca da causalidade mental, acerca da possibilidade de leis correlacionando o mental e o físico, sobre a conexão entre a forma lógica, racionalidade e a explicação da ação, ou ainda sobre a autoridade da primeira pessoa na explicação psicológica. Ademais, Davidson, ao falar de estados mentais como atitudes, parece não recusar esta noção ontológica.

Estes são todos aspetos que serão essenciais para desenvolver uma metafísica de eventos que justificará o fisicalismo de ocorrências de Davidson. Devemos antes de falar do argumento do monismo anômalo debruçar-nos sobre a metafísica de eventos que embasa esse argumento do fisicalismo de ocorrências.