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As Teses do Anomalismo do Mental e a Reconstrução do Argumento

3. O Monismo Anômalo, Teses e Objeções

3.2. As Teses da Indeterminação, do Anomalismo do Mental e da Superveniência

3.2.3. As Teses do Anomalismo do Mental e a Reconstrução do Argumento

As teses do anomalismo do mental são duas: o anomalismo psicológico e o anomalismo psicofísico. Enquanto que o anomalismo psicológico, derivado de P1, afirma a impossibilidade de existir causalidade entre eventos mentais, o anomalismo psicofísico, determina a impossibilidade de leis psicofísicas estritas. Contudo, e como já vimos no aanteriormente, somos também confrontados com a irreducibilidade do mental, e portanto, o anomalismo do mental prevê a possibilidade de leis psicofísicas não estritas. E estas consistiriam em generalizações heteronômicas, que conciliam o mental e o físico em explicações causais. Isto conduz-nos a outras duas questões: primeiro, à reconstrução da racionalidade, isto é, de como argumentar a favor da racionalidade do mental; e segundo, o argumento da definição causal, ou seja, a adequação da noção de causalidade tanto em esquemas mentais como em esquemas físicos184. Ambos os argumentos tentam responder ao carácter da racionalidade como constitutiva do mental. Vejamo-los por ordem.

Já aqui vimos como a indeterminação e o holismo do mental estão associados ao princípio da caridade, e como o modo como atribuímos o significado está relacionado com a teoria da ação, ou do comportamento de uma pessoa. Assim, para formularmos uma teoria sobre o comportamento (corporal e verbal), usando o princípio da caridade

183 Tradução do autor. No original, “yield an empirical theory of great strength, for together they entail that there do not exist three objects , and such that , , , and , ”. Isto aconteceria porque o resultado usando a expressão (2) seria inconsistente com o resultado usando a expressão (1).

184 Não nos deteremos nos argumentos a favor de uma ou outra reconstrução, ou do argumento da definição causal. Existem várias interpretações ou argumentos para a reconstrução da racionalidade, contudo, não descreveremos esses argumentos em detalhe.

“tentaremos uma teoria que o veja como consistente, um crente em verdades, um amante do bom”185 (DAVIDSON, 1970b, p. 222). E neste sentido Davidson alinha com Quine

(1960), sendo possível que nunca obtenhamos, através da experiência, as condições para a atribuição das condições de verdade que nos permitem ver o comportamento de uma pessoa como consistente (ou descobrir que gavagai é coelho).

Para Davidson (1963) a explicação da ação alinha com a racionalidade (razões primárias), sendo esta constitutiva do mental. Segundo Yalowitz (2012) existem, para esta concessão, duas interpretações: uma fraca e outra forte. Enquanto que a versão forte (que consiste na interpretação literal da afirmação de Davidson) exige “consistência, crenças verdadeiras e desejos apropriados, aparentando requerer concordância maximizante entre intérprete e interpretado, e logo uma concepção máxima do que é constitutivo do mental”186(YALOWITZ, 2012, p. 18), a versão fraca “requer apenas minimizar o erro

inexplicável na parte da criatura sendo interpretada, e logo permitindo desvios significati- vos de atribuições psicológicas que poderiam ter sido requeridas pela interpretação mais forte”187 (YALOWITZ, 2012, p. 18). Para Yalowitz (2012) estas duas interpretações

servem de chave para compreender as três reconstruções. Sigamos com ele.

Em Psychophysical Laws (KIM, 1985) Kim sugere a distinção entre princípios normativos e princípios descritivos como chave para o problema. Neste sentido, princípios racionais e leis ponte suportariam relações lógicas básicas, do tipo e , que fariam a vez de leis psicofísicas. Ora isto consistiria em usar leis contingentes para caracterizar a racionalidade do mental, que seria necessária, e portanto estaríamos minando P2 e P3. Ora, este argumento a favor da racionalidade do mental, apresenta-se mais como uma crítica ao MA, sendo que não dá conta da indeterminação e holismo do mental, para além de assumir o papel central de predicados (como já vimos ser contrário à doutrina davidsoniana).

Em Functionalism and Anomaous Monism (McDowell, 1985) McDowell apresenta a incodificabilidade e racionalidade forte como ideal. Para ele assumir uma interpretação forte sobre a constitutividade da racionalidade compromete-nos com o anomalismo do

185 Tradução do autor. No original, “we will try for a theory that finds him consistent, a believer of truths, and a lover of the good (all by our own lights, it goes without saying)”.

186 Tradução do autor. No original, “consistency, true beliefs and appropriate desires, it appears to require maximizing agreement between interpreter and interpreted, and thus a maximal conception of what is constitutive of minds”.

187 Tradução do autor. No original, “requires merely minimizing inexplicable error on the part of the creature being interpreted, thus allowing for significant deviations from psychological assignments that might be required by the stronger interpretation”.

mental. Contudo, essa assumpção levanta problemas entre o caráter normativo da racionalidade e a explicação do comportamento, dado que podemos errar quanto à própria na construção racional, e logo, não poderíamos formular declarações sobre generalizações psicofísicas ou psicológicas que esgotassem essa concepção da racionalidade. Assim, a racionalidade seria incodificável e uma questão em aberto. E esta afirmação seria coerente com o anomalismo do mental.

Em Anomalism, Uncodifiability and Psychophysical Relations (CHILD, 1994) Child lança o argumento do contexto/complexidade. Este argumento consiste em defender que o argumento a favor do anomalismo do mental pode ser suportado por generalizações psicológicas nas quais contextos particulares influenciam as crenças e valores associados à explicação, o que contrastaria com a complexidade das condições que seriam necessárias para caracterizar uma lei estrita188. Mas como não existem valores nem crenças absolutamente determinados, leis estritas e generalizações psicológicas seriam incompatí- veis189.

O argumento da definição causal é apresentado por Davidson em Three Varieties of

Knowledge (DAVIDSON, 1991):

Conceitos mentais (...) apelam à causalidade porque são desenhados, como o próprio conceito de causalidade, para isolar, da totalidade das circunstâncias que conspiram para causar um dado evento, apenas aqueles fatores que satisfazem algum interesse explicativo particular190 (DAVIDSON, 1991, p.163).

Assim, como vimos com o exemplo das esmefiras, são condições a priori que determinam essa adequação, assim como os predicados e descrições que constam na explicação, o que é válido tanto para eventos físicos como para eventos mentais. Mas isso já vimos anteriormente. Para Davidson (1987) o esquema razão-explicação tem baixo valor explicativo, razão pela qual Davidson avança para um esquema explicativo baseado em leis estritas da física.

Contudo, para Yalowitz, Davidson confunde duas questões distintas: “porquê conceitos mentais não podem figurar em relações legiformes com conceitos físicos, e porquê conceitos mentais não podem ser eliminados em favor de conceitos físicos na

188 Que explicasse, por exemplo de que forma foi atirada a pedra para que o vidro se partisse.

189 Sobre a discussão em torno da racionalidade podemos ver em detalhe Davidson and Kim on Psychophysical Laws (LATHAM, 1999) de Noa Latham.

190 Tradução do autor. No original, “mental concepts (…) appeal to causality because they are designed, like the concept of causality itself, to single out from the totality of circumstances which conspire to cause a given event just those factors that satisfy some particular explanatory interest”.

explicação do comportamento humano” (YALOWITZ, 2012, p. 25). A primeira parte já foi satisfatoriamente discutida com a oposição entre a homonomia e heteronomia, a segunda consiste em que, com a explicação causal relevamos, seletivamente, a natureza normativa da razão (estando o princípio da caridade associado a um ideal de racionalidade). Paradoxalmente o ideal de racionalidade está presente tanto na perspectiva de leis estritas como na explicação do comportamento.