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Estados Mentais e Estados de Coisas: Proposições, Atitudes e Sensações

1. Eventos Físicos e Eventos Mentais

1.4. Fisicalismo e Estados Mentais

1.4.1. Estados Mentais e Estados de Coisas: Proposições, Atitudes e Sensações

Segundo Quine (1952), foi a introspeção analítica nos primórdios da psicologia que deu aso a uma fenomenologia para a compreensão de como o modo como nos sentimos determina, as nossas ações. Sentimentos ou sensações, também chamados de paixões, como estados transitórios da mente contrastam com outro tipo de estados ligados à racionalidade, aos quais chamamos de pensamentos. Paradigmaticamente, estados mentais dividem-se em sensações e atitudes proposicionais: “de um estado mental dizemos que ele tem dupla face, uma objetiva e outra subjetiva, ou, em outros termos, um conteúdo e uma fenomenologia, ou ainda um lado semântico e outro subjetivo” (BRANQUINHO, MURCHO & GOMES, 2006, p. 290).

O correlato no mundo à noção de estados mentais é a noção de estados de coisas. De estados de coisas “pode-se dizer que qualquer combinação de qualquer propriedade, ou relação, com um particular (adequado), ou com uma sequência de particulares (adequados), dá origem a um estado de coisas” (BRANQUINHO, MURCHO & GOMES, 2006, p. 285- 286). Segundo Wittgenstein (2008), estados de coisas seriam denotados por proposições.

Existem discordâncias quanto à noção de estados mentais, nomeadamente se esta noção é adequada para explicar, a parte subjetiva, o fluxo (padrões na sucessão) e a variação de intensidade dos fenómenos mentais. Relembrando o triângulo semântico do Da

Interpretação de Aristóteles (figura 1), podemos observar a relação de semelhança entre

pensamento e mundo, porém, o mundo e o pensamento têm relações diferentes com a linguagem. Enquanto que a linguagem tem uma relação semântica com o mundo, tem com o pensamento uma relação simbólica. Portanto, não seria arriscado afirmar que a linguagem é símbolo do pensamento e significado do mundo. Já abordamos esta relação semântica, vejamos então como é a linguagem como símbolo do pensamento.

Uma descrição diferente poderia iluminar esta triangulação: existe um importe de dados sensitivos do mundo, aos quais damos o nome de experiências ou sensações (táteis, olfativas, visuais), e existem vários tipos de reações corporais a esse importe os quais identificamos com o nome de sensações (dor, ânsia, agonia, alívio, compaixão ou felicidade). Todavia, existem vários tipos de sensações, e de entre elas existe uma classe, à qual chamamos de atitudes e que possuem características linguísticas distintas de outros tipos de sensações. Atitudes permitem relacionar um sujeito com uma proposição sobre o mundo, e quando estes dois elementos, atitude e proposição se relacionam, podem ser

expressos através de sentenças declarativas. Foi Bertrand Russell que fundou a noção de atitudes proposicionais em Principles of Mathematics (RUSSELL, 1903):

Que tipo de nome deveremos dar a verbos como “acreditar” e “desejar“, e por aí fora? Eu estaria inclinado para chama-los de “verbos proposicionais”. É um no- me sugerido apenas por conveniência, porque são verbos cuja forma relaciona um objeto com uma proposição. Como tenho explicado não é bem isso que eles fazem de fato, mas é conveniente chama-los de verbos proposicionais. Claro que poderíamos chamá-los de “atitudes”, mas não vedo gostar disso porque é um termo psicológico, e apesar de todas as instâncias em nossa experiência serem psicológicas, não existe razão para supor que todos os verbos de que falo são psicológicos. Não existe, nunca, nenhuma razão para supor esse tipo de coisa46 (RUSSELL, 1903, p. 60).

Deste modo, teríamos uma atitude proposicional, usando para tal a parte verbal atitudinal (por exemplo, “acreditar”, “desejar”, “intender”), e a parte proposicional, que, segundo o próprio Russell (1905), pode ser denotada através de uma sentença declarativa do tipo “ é verde”:

O João acredita que é verde (26)

Apesar desta classificação, não é claro como identificamos sensações e atitudes, e se estas diferem ou não de pensamentos. Ademais, também não é claro se proposições, ao denotarem estados de coisas (como defende Wittgenstein), são parte do mundo (como defende Russell). Se proposições fazem parte do mundo, parece-nos correto defender que estados de coisas seriam algo como representações mentais do mundo. Se ao invés disso, estados de coisas manifestam de fato propriedades ou relações com particulares, então, proposições não seriam mais que objetos do pensamento, detendo portanto uma forte relação de semelhança com o mundo. Estas duas hipóteses difeririam no estatuto dado e quanto pode ser aasumido na relação pensamento-mundo.

Podemos montar o seguinte esquema conceptualmente associado à triangulação semântica de Aristóteles (na figura 1) para mostrar a montagem de atitudes proposicionais:

46 Tradução do autor. No original, “What sort of name shall we give to verbs like “believe” and “wish” and so forth? I should be inclined to call them “propositional verbs”. This is merely a suggested name for convenience, because they are verbs which have the form of relating an object to a proposition. As I have been explaining, that is not what they really do, but it is convenient to call them propositional verbs. Of course you might call them “attitudes”, but I should not like that because it is a psychological term, and although all the instances in our experience are psychological, there is no reason to suppose that all the verbs I am talking of are psychological. There is never any reason to suppose that sort of thing”.

Figura 3 – Estados de coisas, estados mentais e a construção de atitudes proposicionais.

Deste modo, podemos observar a clivagem os elementos da triangulação semântica. Na figura 3 vemos como atitudes proposicionais são montadas a partir de sentenças declarativas e verbos de atitudes, usando uma sintaxe apropriada, e também, como os estados mentais (atitudes e sensações) se relacionam simbolicamente com a linguagem. Também podemos observar a relação semântica originada entre proposições, que pertencem ao mundo, e sentenças, que pertencem à linguagem. A partir da figura, torna-se clara a relação de causalidade entre estados mentais e estados de coisas: estados de coisas causam estados mentais através do contato sensorial com o mundo, e estados mentais causam estados de coisas através da movimentação do corpo. Contudo, o fisicalismo também admite entre estados mentais e estados de coisas uma relação de identidade, no caso de estados neurais (estados de coisas associadas ao cérebro). Mas isso conduzir-nos-ia a um esquema diferente desta da figura 1. Ademais, esta figura pressupõe que, quando obtemos atitudes proposicionais já estamos no domínio da linguagem, o que é contrário ao que foi anunciado anteriormente. Porém, torna-se coerente com a dificuldade acima apresentada: proposições fazem, ou não, parte do mundo?

Se o pensamento, em vez da sua relação de semelhança com o mundo, fosse a ele idêntico, seguindo-se o mesmo com relação a estados de coisas e estados mentais, aconteceria que tanto atitudes como sensações e proposições, poderiam fazer parte do mundo. Nesse caso, também atitudes proposicionais poderiam existir no mundo. Contudo, e como já avançamos em 1.1, Davidson rejeita a identidade entre tipos de estados mentais e tipos de estados neurais. Assim, embora se torne difícil entender como Davidson (1970b) recorre a atitudes proposicionais, que estão associadas a proposições, uma questão diferente de saber se existem tais coisas como proposições é recorrer aos verbos de atitudes proposicionais, enquanto que se pode especular sobre a existência de proposições, e sua

Estados de Coisas Estados M entais

Sensações

Atitudes

Proposicões Sentenças Declarativas Atitudes Proposicionais

Verbos de Atitudes Importe sensorial Denotam Simbolizam Relação semântica Relação simbólica Relação sintática Movimentos

relação com estados de coisas, ou com o mundo, verbos são linguísticos. E mesmo que nos questionemos sobre as noções de sensação e atitude, ou sobre as vantagens de recorrer as estas noções, o uso de atitudes proposicionais traz vantagens linguísticas consideráveis.

Veremos como Davidson faz uso de verbos de atitudes proposicionais para montar uma teoria sobre a intencionalidade e sobre a causalidade e explicação da ação.