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O Problema da Individuação de Eventos

3. O Monismo Anômalo, Teses e Objeções

3.4. O Monismo Anômalo: identidade e causalidade de eventos

3.4.2. O Problema da Individuação de Eventos

Como podemos depreender da sua objeção ao MA, Kim entende que é em função de suas propriedades que eventos são individuados. Contudo, sabemos que Davidson (1969, p. 179) defende um critério de individuação causal:

∀ ( = , sse possuir as mesmas causas e efeitos de ) (11) A distinção entre as duas teses (Kim e Davidson) evidencia-se na forma como são enunciadas: em (11) Davidson utiliza eventos (físicos e mentais) como primitivos217, focando o papel linguístico das descrições, porém, Kim utiliza como primitivas as propriedades inerentes a predicados, focando as propriedades linguísticas dos predicados. Qual dos dois consegue captar melhor a teoria da identidade? Será que existe algo no que toca a predicados para além de suas propriedades? Poderão existir propriedades que desconhecemos?

217 A palavra "primitiva" é aqui utilizada no sentido em que Pietrowski (2003, p. 158), que se refere a “metafisicamente primitivos”. Significa aqui o quão elementar é a natureza de uma entidade relativamente ao todo da teoria (MA).

Pode ser encontrada uma subtileza desta formulação se entendermos que Kim se concentra em propriedades de predicados218 que, por sua vez, descrevem eventos. Contudo, a abordagem de Davidson, (11), é útil ao MA, pois coloca eventos como "metafisicamente primitivos" (PIETROSKI, 2003, p. 158), uma vez que não é necessário recorrer a nada mais que não sejam causas e efeitos (e suas descrições), que são eventos, para individuar um evento219. Necessitaríamos apenas de P1 para conectar a causalidade mental à identidade de eventos físicos com eventos mentais. Poderemos colocar aqui outra questão, alargando o espectro de discussão, se pensarmos que a atividade de descrição pretende captar as propriedades de eventos, através de seus predicados: será possível pensar eventos para além de suas descrições?220

Talvez esta questão nos conduza a esmefiras, mas também pode ser que haja propriedades por descobrir, como aliás sugere a preferência pela homonomia, que permitam a simplicidade ontológica numa física madura. Porém, há objeções à identidade de Davidson: em Word and Object (QUINE, 1960), Quine já tinha apresentado o seu critério de individuação:

∀ ( = , sse possuir as mesmas propriedades espaciotemporais de ) (12) Todavia, existem algumas dificuldades lógicas, em (11), e epistemológicas, em (12): para além da crítica de circularidade, feita por Quine (1985, p. 166) a (11), poderíamos pensar, como contrafatual, em dois eventos com as mesmas causas e os mesmos efeitos, logo, não seriam individuados. Quanto a (12) poderíamos objetar referindo, por exemplo, uma bola que salta e gira simultaneamente, durante um certo período de tempo, contudo, o girar e o saltar podem ter efeitos diferentes. O critério de Davidson, (11), não resiste à crítica de Quine (1985), e com isso, Davidson (1987) reformula o problema da identidade: ”Eventos ocorrem no tempo num local, enquanto

218 Tratando-se, portanto, de propriedades linguísticas. A defesa desta posição consiste em reduzir o espectro das propriedades de eventos físicos e mentais às propriedades de seus predicados, cristalizando a possibilidade do progresso de leis científicas sobre eventos. Isto é, tudo o que poderemos daqui em diante dizer sobre eventos está no domínio da linguística, eliminando assim alguma da metafísica que poderá trazer frutos à discussão.

219 O que viabiliza saldo ontológico à tese fisicalista de Davidson, segundo a qual eventos físicos são idênticos a eventos mentais (fisicalismo de identidade de ocorrências), e, assumindo o critério de individuação (2), como razões também são causas, razões também seriam individuadores válidos, abrindo espaço para uma ampla tese sobre a racionalidade.

220 Parece-nos acertado assumir que propriedades, em geral, como um conjunto no qual estão contidas as propriedades linguísticas e, portanto, mais extenso. Poderemos assumir então que as propriedades linguísticas não conseguirão dar conta da totalidade explicação de uma metafísica de eventos. Esta consideração abre espaço para formas de anti-individualismo e de contextualismo, mas estas questões ficarão para adiante.

objetos ocupam locais no tempo” (DAVIDSON, 1985, p. 310) e, portanto, dois eventos são iguais se:

∀ ( = , sse possuir a mesma localização espaciotemporal de ) (13) Já foram apresentadas algumas objeções, mas algumas questões podem ser coloca- das: serão as duas teses, (12) e (13), incompatíveis? Não será que “localizações espaciotemporais” são “propriedades espaciotemporais”? O que podemos concluir acerca desta movimentação em torno de critérios de individuação?

Como já referimos, a individuação de eventos é necessária para o MA, porém, com o abandono de (11), que fechava o argumento do ponto de vista metafísico (tendo eventos como primitivos), o papel individuante passa a ser jogado ou por propriedades ou por localizações. Porém, se o critério de individuação se baseia em descrições passamos a enfrentar as críticas de Lurie (1980), Antony (1989), Child (1994), Hornsby (1980) e Horgan & Tye (1985), como já vimos anteriormente: para além de eventos mentais não poderem ser individuados em ocorrências discretas, devido a relações holísticas entre si, também não permitem uma identificações com eventos físicos discretos, num dado tempo, havendo vários candidatos para esse efeito221. Não é claro como se poderão evitar estas objeções, senão afirmando que os argumentos do monismo e da causalidade são a priori, o que tiraria força aos argumentos. Inviabilizar a tese de Davidson parece constituir uma forte objeção ao modo como apresenta o monismo anômalo, fundado na identidade de ocorrências. Como se poderá salvaguardar a identidade entre eventos mentais e físicos, pondo em questão o critério de identificação de eventos? Será que devemos alinhar com Kim ou com Quine, usando propriedades físicas?

Uma versão do problema, mas aplicada a objetos foi concebida por Leibniz222, porém, deveremos deixar a suspeita, por ora, de que as teses do MA não explicitam nenhuma teoria da identidade. Mas antes que esta identidade, tida como pressuposto, é necessária para que o argumento do MA, sendo não reducionista, possa afirmar a causalidade mental. Contudo, a não existir um critério de individuação que suporte a teoria da identidade associada ao MA, seria lícito questionarmo-nos sobre a razão pela qual uma teoria da identidade não foi enunciada conjuntamente com os três princípios do MA!?

221 Estas dificuldades confirmáveis pelo estado da neurociência, que ainda não permite a precisa delimitação da regiões do cérebro de modo a explicar a relação cérebro-mente.

222 O problema dos indiscerníveis. Este problema será desenvolvido no capítulo 2, com a discussão do papel dos predicados em teorias da identidade e individuação de objetos e eventos.

Sabemos, por ora, que Davidson favorece uma teoria da superveniência consistente com MA+P, e que, por enquanto, a sua “teoria” da identidade se resume a uma identidade de descrições, nas quais figuram predicados, e que faz movimentar o argumento do MA, não permitindo a contradição. Poderíamos defender que o MA pressupõe uma teoria da identidade, porém, para este, e dadas as limitações do argumento, será suficiente dizer que essa identidade assume apenas a correspondência entre descrições de eventos mentais e físicos, e para uma limitada gama de descrições, que incluem verbos de atitudes proposicionais. E nesse caso, o número possibilidades de descrições é grande, assim como o número das possiblidades de identidade.