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A Teoria do Significado de Davidson

1. Eventos Físicos e Eventos Mentais

1.3. Significado, Verdade e Estados Mentais

1.3.3. A Teoria do Significado de Davidson

Donald Davidson não partilha do mesmo pessimismo de Quine quanto à teoria do significado. Aliás, em Verdade e Significado (DAVIDSON, 1967a), Davidson parte do problema dos dois dogmas levantado por Quine (1953), e usa a “convenção T” de Tarski para desenvolver a sua própria visão sobre a relação entre verdade e significado.

Contudo, e conforme vimos com os dois dogmas de Quine (1953), seria, à partida, interessante identificar significado com referência no caso de termos singulares, estabelecendo uma teoria da referência “que implica cada sentença da forma ‘ se refere a ’, onde ‘ ’ é substituído por uma descrição estrutural39 de um termo singular, e ‘ ’ é

substituído por esse próprio termo” (DAVIDSON, 1967a, p. 25). Contudo, identificar o significado com a referência traz um problema semelhante ao que identificámos com (8), (9), (10) e (11), como o argumento do slingshot. O slingshot foi lançado por Davidson (1967a, p. 25) com a seguinte forma, sendo e duas sentenças com idêntico valor de verdade:

38 É curioso constatar que a escolha de uma ou de outra alternativa depende do sentido da proposição. Para Russell descrições definidas são símbolos incompletos que nada designam por si sós, requerendo portanto um contexto de aplicação: “uma frase que denota é essencialmente parte de uma sentença, e não tem, assim como muitas das palavras simples, nenhuma significância por si própria” (RUSSELL, 1905, p. 488).

39 “Uma “descrição estrutural” de uma expressão descreve a expressão como uma concatenação de elementos extraídos de uma lista finita fixada (por exemplo, de palavras ou letras)” (DAVIDSON, 1967a, p. 25).

(21)

̂ = = ̂ = 40 (22)

̂ = = ̂ = (23)

(24) Sucede-se que todas as expressões (21), (22), (23) e (24) correm o risco de ser simultaneamente co-referentes e logicamnete equivalentes. Note-se que (21) e (22) são logicamente equivalentes, assim como (23) e (24). Apesar de (22) e (23) diferirem apenas nos termos singulares ̂ = e ̂ = , se e de fato têm o mesmo valor de verdade, então (22) e (23) têm a mesma referência. Segundo Davidson, “se o significado de uma sentença é o que ela se refere, todas as sentenças iguais em termos de valor de verdade devem ser sinônimas – um resultado intolerável“ (DAVIDSON, 1967a, p. 26). A questão torna-se agora como visar uma teoria do significado.

Davidson propõe, em analogia à teoria da referência já explicitada, o seguinte critério para uma teoria do significado:

O que a analogia exige é uma teoria que tenha como consequências todas as sen- tenças na forma “ significa ”, onde “ ” é substituída por uma descrição estrutural de uma sentença e “ ” é substituída por um termo singular que se re- fere ao significado dessa sentença; uma teoria, além disso, que forneça um método efetivo para se chegar ao significado de uma sentença arbitrária estrutu- ralmente descritiva (DAVIDSON, 1967a, p. 27).

Deste modo, teríamos acesso ao significado de termos singulares através de suas descrições. Contudo, já vimos com Quine o problema de teorias do significado deste tipo, estabelecidas com base na noção de sinonímia. A alternativa de Davidson mostra uma estrada com dois caminhos. O primeiro caminho consagra as ambições da sintaxe em, a partir dos elementos sintáticos atômicos como palavras e um dicionário (com o significado de cada elemento), produzir uma semântica. Este caminho, por si só levaria a dificuldades já conhecidas, como aquelas que já vimos com Quine (1951 & 1960). Segundo Davidson a missão da sintaxe é “caracterizar a significatividade (sentencialidade)” (DAVIDSON, 1967a, p. 28). Neste sentido, ele argumenta também a favor de um holismo do significado:

40 Esta expressão lê-se: a classe

̂ tal que todos os elementos são iguais à conjunção de qualquer um de seus elementos com , é igual à classe ̂ tal que todos os elementos são iguais a si mesmos ( = ). A expressão (23) lê-se do mesmo modo, mas substituindo por .

Se as sentenças dependem, para seu significado, de sua estrutura, e compreen- demos o significado de cada item na estrutura somente enquanto uma abstração a partir da totalidade de sentenças em que ele se sobressai, então podemos fornecer o significado de qualquer sentença (ou palavra) somente ao se fornecer o signifi- cado de cada sentença (e palavra) na linguagem (DAVIDSON, 1967a, p. 29).

Deste modo, usando o holismo e a forma apresentada anteriormente para uma teoria do significado que faria uso da sinonímia, descobrindo o significado relacionado com sentenças mais do que com palavras, podemo-nos livrar dos termos singulares que substituiriam referindo-se a significados. Em vez de termos singulares passaremos a ter sentenças representadas por 41 (DAVIDSON, 1967a, p. ):

significa que (25)

Note-se que desta forma, Davidson esquiva-se ao problema da sinonímia, e suas implicações, como vimos anteriormente nos Dois Dogmas do Empirismo (QUINE, 1953) de Quine. A construção da crítica de Quine ao conceito fregeano de analiticidade dependia da própria divisão entre as noções de significado e de referência, atribuídos a termos singulares e a termos gerais, que, por sua vez, constituíam as unidades básicas (ou componentes) de sentenças (princípio da composicionalidade). Ao propor uma interpreta- ção radical com recurso ao princípio da caridade42, contrastantes com a tradução radical de Quine, auxilia no enfrentamento das indeterminações associadas ao significado e à referência (QUINE, 1960).

É curioso constatar que partir de sentenças como unidades significativas não implica o descompromisso com a sintaxe da linguagem e com os elementos sintáticos, e por isso com a composição43. A possibilidade de composição é também um aspeto a ter em

41 Onde permanece substituível por uma descrição estrutural da sentença. Note-se ainda que a preposição “que” nos permite pode preceder nomes ou sentenças.

42 O termo interpretação radical surge a partir de Davidson (1969), como resposta à tradução radical levada a cabo por Quine (1960). “Um intérprete radical é alguém que tenta atribuir um conteúdo semântico, digamos, a uma crença de outrem, tendo apenas como dado o conhecimento das correlações entre as circunstâncias extralinguísticas de dada elocução e a frase ocasionalmente proferida que o informante (o interpretado) tem por verdadeira (junto com os princípios de inferência conhecidos)” (BRANQUINHO, MURCHO & GOMES, 2006, p. 423). O princípio da caridade impõe a estratégia para identificar as condições de verdade das elocuções do falante.

43 Composição, neste sentido, se refere ao princípio da composicionalidade de Frege, segundo o qual “dada uma linguagem , o significado (numa acepção semântica e não-pragmática do termo) de uma expressão complexa é exaustivamente determinado pelo (ou “é função do”) significado das expressões que o compõem e pelo modo como estão concatenadas. A partir dessa formulação é óbvio que o princípio é aplicável recursivamente; e essa recursividade tem, por sua vez, a consequência de que, se a sintaxe de uma linguagem tiver capacidade de gerar um número infinito de frases (ver produtividade), então, se for composicional, a sua semântica será capaz de, por meio de um algoritmo finito, atribuir significados a todas elas” (BRANQUINHO, MURCHO & GOMES, 2006, p. 149).

conta na sentença como unidade significativa. Aliás, a não desvinculação de um termo do contexto de aplicação referencial, endossa ambas as abordagens, quer por meio de sentenças que caracterizariam a experiência, quer através da composição de termos singulares e gerais.

Segue-se que o encaixe da convenção T pode ser feito, acoplando à sua atribuição lógica e semântica uma teoria das descrições do tipo de . O papel que o conectivo semântico “significa que”, em paralelo com expressões como “designa”, “satisfaz” e “define” que derrapavam no problema do significado (assim como “analiticidade” ou “regras semânticas”), caracterizam uma dupla incursão semântica que almeja uma teoria extensional do significado. Vejamos a figura:

Figura 2 – Esquema da Teoria Semântica de Davidson

Deste modo, a teoria do significado de Davidson permite conhecer as condições de verdade de uma determinada linguagem-objeto (linguagem à qual se aplica a convenção), relacionando-as a sentenças numa metalinguagem, na qual se escora o significado, ou melhor, a própria descrição. No final do processo chegamos à expressão que relaciona sentença declarativa verdadeira e respectiva descrição na forma “ significa que �”.

Uma peça falta neste puzzle semântico. Davidson, neste ponto, não forneceu ainda uma teoria das descrições para sentenças declarativas. Podemos, contudo, dar-nos já conta, dada a abordagem de Quine em Dois Dogmas do Empirismo (QUINE, 1953), que o positivismo lógico admitia, em certa medida, a enunciação de sentenças com significado a partir da experiência imediata. E deste modo podemos também antever uma interconexão íntima entre a vivência dessas experiências, que estariam associadas aos estados mentais do receptor dos dados da experiência, que é também o emissor do enunciado. Devemos, portanto, acometer este espaço com perguntas sobre estas relações e conceitos, como estados mentais, proposições, sensações.

Convenção T M UNDO

s significa que p (sentenças p)Verdade

Linguagem-Objeto Interpretação Radical Princípio da Caridade Designa, satisfaz ou define Conjunção das instâncias da forma T Sentenças Determinado holiscamente

Será neste ponto, através do problema do significado, que Davidson fará a sua incursão nos problemas da filosofia da mente.