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Generalizações Homonômicas e Heteronômicas

3. O Monismo Anômalo, Teses e Objeções

3.2. As Teses da Indeterminação, do Anomalismo do Mental e da Superveniência

3.2.2. Generalizações Homonômicas e Heteronômicas

A dificuldade em relacionar nomológicamente termos mentais com termos físicos começou a ser abordada por Davidson opondo generalizações homonômicas a generaliza- ções heteronômicas na explicação de eventos. Podemos ler a distinção em Mental Events (DAVIDSON, 1970b):

Por um lado há generalizações cujas instâncias positivas nos dão razões para acreditar que a própria generalização poderia ser melhorada pela adição de cláu- sulas e condições declaradas no mesmo vocabulário geral que a generalização original. Tal generalização aponta para a forma e vocabulário de uma lei acaba- da: podemos dizer que é uma generalização homonômica. Por outro lado, existem generalizações que quando instanciadas podem dar-nos razões para acreditar que existe uma lei precisa trabalhando, mas uma que pode ser declarada mudando apenas para um vocabulário diferente. Podemos chamar a estas genera- lizações heteronômicas178 (DAVIDSON, 1970b, p. 219).

178 Tradução do autor. No original, “On the one hand, there are generalizations whose positive instances give us reason to believe the generalization itself could be improved by adding further provisos and conditions stated in the same general vocabulary as the original generalization. Such a generalization points to the form and vocabulary of the finished law: we may say that it is a homonomic generalization. On the other hand there are generalizations which when instantiated may give us reason to believe there is a precise law at work, but one that can be stated only by shifting to a different vocabulary. We may call such generaliza- tions heteronomic”.

Daqui podemos entender ao que quando Davidson fala de generalizações homonômicas refere-se a leis estritas, e, do mesmo modo, também podemos entender porque não podem existir leis estritas psicofísicas, e como Davidson chega a P2 e P3. E que predicados mentais entram em generalizações heteronômicas. Deste modo, podemos criar o paralelo com a explicação de lei estrita, dada anteriormente em 3.2.1, identificando como heteronômicas grande parte das generalizações, ou leis não-estritas, que compõem o

corpus teórico das ciências práticas, algumas das quais contêm frases abertas, cláusulas ceteris paribus, como “outras coisas sendo iguais” ou “em condições normais”. Segundo

Davidson isto acontece porque “uma lei pode ser precisa, explícita, e tão excepcional quanto possível apenas se extrai os seus conceitos de um sistema compreensivo fechado”179 (DAVIDSON, 1970b, p. 219), podendo, ademais, ser determinística ou

probabilística.

Quatro aspetos relevantes se destacam, o primeiro é a noção de fecho causal, o segundo a natureza aberta do mental, o terceiro a noção de lei causal estrita, e em quarto a possibilidade de generalizações heteronômicas expressarem relações psicofísicas180. Comecemos por ordem.

O fecho causal ressalta na afirmação de que todos os eventos físicos podem ser explicados ou discritos com recurso a vocabulário fisicalista: “é uma característica da realidade física que a mudança física possa ser explicada por leis que a conectem com outras mudanças e condições fisicamente descritas” (DAVIDSON, 1970b, p. 222). Contudo, e apesar da simplicidade da afirmação existem dificuldades. Uma, por exemplo, é o dualismo conceptual assumido por Davidson com P1, ao afirmar a possibilidade de explicações causais nas quais entram eventos discritos como mentais. O argumento sobre o fecho causal é-nos dado da seguinte forma:

Pense no vocabulário físico como todo o vocabulário de alguma linguagem L com recursos adequados para expressar uma certa quantidade de matemática, e sua própria sintaxe. L' é aumentada com o predicado de verdade 'verdadeiro-em- L ", que é 'mental'. Em L (e portanto em L') é possível escolher, com uma descri- ção definida ou sentença aberta, cada sentença na extensão do predicado de verdade, mas se L é um predicado consistente não existe nenhum predicado de sintaxe (do vocabulário 'físico'), não importa quão complexo, que se aplique si- multaneamente a todos e apenas à sentença verdadeira de L. Não pode haver 'lei psicofísica' na forma de uma bicondicional, '(x) (x é verdade-em-L final, se e so- mente sse x é φ)' onde 'φ' é substituído por um" predicado 'físico' (um predicado

de L). Da mesma forma, podemos escolher cada evento mental usando apenas o

179 Tradução do autor. No original, “a law can hope to be precise, explicit, and as exceptionless as possible only if it draws its concepts from a comprehensive closed theory”.

vocabulário físico, mas nenhum predicado puramente físico tem, não importa quão complexo, no sentido de uma lei, a mesma extensão de um predicado men- tal181 (DAVIDSON, 1970b, p. 214-215).

Temos então o fecho causal pretendido, mas, ao acoplar a uma linguagem unicamente composta por termos e predicados físicos, , outra, com termos e predicados mentais, ’, passamos a ter sentenças abertas com predicados mentais. Aparecem, contudo algumas questões relacionadas com as indeterminações faladas anteriormente: pode acontecer, como tudo parece indicar até aqui, que existam várias linguagem cujos termos e predicados se intersectam, compostas por termos físicos e/ou termos mentais. Nesse caso, parece ser possível que poderíamos estabelecer leis psicofísicas ligando alguns dos predicados físicos a predicados mentais.

Uma consequência do fecho causal é que podemos montar leis causais estritas, que, como já vimos, consistem em generalizações homonômicas que não recorram a cláusulas

ceteris paribus. Nesse sentido, e para montar o seu argumento, Davidson propõe uma

abordagem a grandezas físicas como o comprimento, o peso, a temperatura ou o tempo. Segundo ele estas requereriam apenas uma relação binária que seja transitiva e assimétrica. E para isso ele sugere uma lei ou postulado da transitividade:

, , → , 182 (1)

Contudo, e apenas com base em (1), qualquer outro predicado, e não somente ‘é maior que’, poderiam fazer a vez de , . Deste modo Davidson sugere um postulado do significado:

, → , (2)

Para Davidson (1) e (2), suportam uma “teoria empírica de grande força, pois juntas elas implicam que não existem três objetos , e tais que , , , e , ”183

181 Tradução do autor. No original, "Think of the physical vocabulary as the entire vocabulary of some language L with resources adequate to express a certain amount of mathematics, and its own syntax. L' is L augmented with the truth predicate 'true-in-L', which is 'mental'. In L (and hence L') it is possible to pick out, with a definite description or open sentence, each sentence in the extension of the truth predicate, but if L is consistent there exists no predicate of syntax (of the 'physical' vocabulary), no matter how complex, that applies to all and only the true sentence of L. There can be no 'psychophysical law' in the form of a biconditional, '(x) (x is true-in-L if and only if x is φ)' where 'φ' is replaced by a 'physical' predicate (a predicate of L). Similarly, we can pick out each mental event using the physical vocabulary alone, but no purely physical predicate, no matter how complex, has, as a matter of law, the same extension as a mental predicate". Este argumento será formalizado explorado em maior detalhe adiante.

182 Onde é um predicado binário do tipo , , que se lê ‘ é maior que ’. Assim, a partir de (1) temos que se é maior que , , , e é maior que , , , logo é maior que , , .

(DAVIDSON, 1970b, p. 220), dado que isso iria contra as próprias condições segundo as quais aplicamos a noção de comprimento.

Devemos ressalvar, contudo, que conceitos como comprimento, peso, temperatura e tempo, dependem de uma estrutura linguística específica que, no caso, está associada a um “sistema de objetos físicos, rígidos, macroscópicos” (DAVIDSON, 1970b, p. 221). E, conforme sugere o exemplo anterior, que concerne a esmefiras, os elementos que nos permitem decidir a adequação dos predicados ou estrutura conceptual são dados a priori. Mais uma vez, a adequação está associada às condições de verdade da própria estrutura linguística. A esperança é, a partir da homonomia, conseguirmos leis cujo domínio conceptual nos permite estabelecer verdades sintéticas a priori. E esse seria o papel de uma lei estrita.