• Nenhum resultado encontrado

DO PROCESSO SAÚDE/DOENÇA À PREVENÇÃO

3. A INFLUÊNCIA DA CULTURA NA DÍADE SAÚDE/DOENÇA

A abordagem desta temática levou-nos a aludir a alguns aspectos culturais, uma vez que estes ao influenciar o comportamento humano repercutem-se no processo saúde/doença. A Antropologia da Saúde, disciplina da área das Ciências Sociais e da Saúde, segundo Iriart (2003, p. 2) “tem como objecto de estudo a forma como, em diferentes contextos

socioculturais, as pessoas interpretam, atribuem significados e lidam com o processo saúde-doença”, pelo que os diferentes conceitos e representações de saúde e doença

nos diversos grupos socioculturais deveriam ser considerados.

Na perspectiva Antropológica, a cultura, de acordo com Geertz, citado por Iriart (2003, p.2) pode ser definida “como um sistema simbólico; formas de pensar que confirmam a

visão do mundo; valores e motivações conscientes e inconscientes; uma espécie de lente através da qual as pessoas interpretam e dão sentido ao seu mundo” existindo, quase

sempre, grupos sociais dominantes na produção cultural.

Os indivíduos transmitem de geração em geração princípios, conceitos, regras e significados que se reproduzem e manifestam na sua forma de vida.

A sociedade elabora códigos culturais diversos, nomeadamente sobre saúde e doença, originando uma matriz cultural ou um sistema simbólico.

A cultura não deve ser encarada de uma forma homogénea e coerente de significados, pois tal como “a sociedade ela é complexa e multifacetada, comportando contradições e

a coexistência no mesmo contexto social, de diferentes visões do mundo e quadros de referência” Iriart (2003, p. 2).

Inúmeros estudos sócio-antropológicos têm sido realizados no âmbito do processo saúde/doença e da prestação de cuidados. Estes tiveram como finalidade compreender a concepção dos Profissionais de Saúde sobre saúde/doença/prestação de cuidados que considere a cultura, o meio social, a importância dos usuários acerca dos procedimentos que lhe dizem respeito e, até de práticas alternativas (Rangel, 2005).

As condições de vida e o tipo de ocupação/trabalho das pessoas na sua relação com o processo saúde/doença, bem como a forma como elas reagem em diferentes contextos de trabalho é muito importante para a reflexão e intervenção dos Profissionais de Saúde

no que concerne ao planeamento de actividades de promoção e prevenção nos sistemas locais de saúde.

A cultura, de uma forma geral, é constituída por conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos. Estes transmitiam-se de geração em geração e possuíam uma grande quantidade de conhecimentos práticos (Marconi; Presotto, 2001). Tem uma dimensão criadora e dinâmica, fazendo parte de uma realidade onde a mudança é um aspecto crucial.

Na opinião de Minayo (1993, p. 15), a cultura

“não é um lugar subjetivo, ela abrange uma objetividade com a espessura que tem a vida, por onde passa o econômico, o político, o religioso, o simbólico e o imaginário. Ela é o locus onde se articulam os conflitos e as concessões, as tradições e as mudanças e onde tudo ganha sentido ou sentidos, uma vez que nunca há apenas um significado”.

O conceito de cultura, na perspectiva de Marconi e Presotto (2001) varia no tempo, no espaço e na essência. Esta pode centrar-se, entre outras, em ideias, crenças, valores, normas, atitudes, padrões de comportamento, instituições familiares e sistemas económicos.

A Antropologia Médica Anglo-Saxónica desenvolveu os conceitos de disease, illness e

sickness, apresentados por Kleinman e Young em, respectivamente, 1980 e 1982, que

permitem compreender os aspectos objectivos e subjectivos da doença (Iriart, 2003). O termo disease refere-se à doença, tal como é entendida pela Medicina, e está associado a patologia, independentemente de ser ou não culturalmente reconhecido.

Ilness ou enfermidade corresponde à percepção e vivência do paciente da doença ou de

outras situações, por vezes “desvalorizadas socialmente”. Esta nem sempre é reconhecida pela Medicina como doença. Assim, illness (enfermidade) refere-se ao significado que o indivíduo atribui aos seus sinais e sintomas, enquanto que disease (patologia) pode ocorrer sem illness.

Segundo Kleinmnan (1980) citado por Iriart (2003, p. 6) “o conceito de illness remete

para o paciente, pois para que a pessoa se reconheça doente, é necessário que ela interprete os sintomas experienciados como sinais de uma doença”. Como se pode

verificar, o contexto cultural onde o indivíduo está inserido está bem patente nesta definição.

Ainda na opinião de Kleinman e mencionado por Iriart, por vezes, os Médicos encontram algumas dificuldades na sua intervenção, principalmente, quando, esquecem o aspecto subjectivo – illness - e se centram, apenas, na cura da patologia – disease. Surgem, assim, outros conceitos designados de curing (cura da patologia), como oposto ao de

healing (cura da enfermidade). Este último conceito está integrado nos modelos

terapêuticos culturais, bastante diferentes dos antigos modelos médicos.

De acordo com Iriart, Young, em 1982, apresentou o conceito de sickness – doença – focalizando a dimensão social da enfermidade e acrescentou a compreensão dos aspectos sociais, políticos e económicos, determinantes sociais das doenças e já, anteriormente, mencionados por Kleinman.

Na realidade, Kleinman foi um antropólogo que, com a construção do seu Modelo Explicativo, reconheceu a necessidade de se incorporar os processos culturais na saúde, nas vertentes cognitivas e sociais, sem esquecer as representações individuais do sujeito.

No entanto, o seu modelo foi criticado por diversos autores, como, por exemplo, Coelho e Almeida Filho (2002) por considerarem que se limitou às práticas curativas, encarou a saúde como ausência de doença, pouco mencionou a prevenção e não se referiu à Promoção da Saúde.

O aconselhamento médico, numa perspectiva de Promoção da Saúde e como vertente da Educação Para a Saúde (EPS), cujo objectivo era motivar a adopção por parte das pessoas de mudanças de comportamento voluntárias com impacto positivo na saúde, tinha já sido referido por Green, de acordo com Adell (2001) ao abordar “O Aconselhamento e a Promoção da Saúde”.

Foram vários os modelos teóricos explicativos de mudança de comportamento, como processo de adopção de hábitos saudáveis que foram propostos nas últimas décadas. Destes, enumeramos os seguintes: Teoria da Aprendizagem Social; Teoria do Processamento da Informação do Consumidor; Autoterapia Comportamental; Modelo das

Crenças de Saúde; Modelo PRECEDE; Teoria da Acção Reflectida; Modelo ASE; Teoria dos Estádios de Mudança de Prochaska (Adell, 2001).

Os diferentes modelos, com as suas características próprias, têm vantagens e desvantagens, pelo que não existem receitas. O importante é conhecer o sujeito, na sua globalidade e inserido no seu contexto de vida. Na prática retirar e adequar os contributos de cada um às características particulares do indivíduo pode favorecer a mudança voluntária de comportamentos.

A dimensão cultural e a intersubjectividade dos conceitos saúde/doença são, na realidade, de extrema importância nas relações terapêuticas dos Profissionais de Saúde com os Utentes e, ou, Pacientes, uma vez que as suas representações irão influenciar os seus comportamentos.

CAPÍTULO II