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DO PROCESSO SAÚDE/DOENÇA À PREVENÇÃO

1. A SAÚDE E A DOENÇA AO LONGO DOS TEMPOS

Ao longo da história da humanidade, a saúde como uma qualidade ou estado pessoal de bem-estar, tem sido procurada e valorizada por todos os seres humanos. No entanto, durante muitos anos, as tentativas feitas para definir saúde tiveram como referência a “falta de saúde”, ou seja, a doença.

A primeira vez que apareceu o termo saúde foi na língua inglesa, por volta do ano 1000 A.C. com um significado amplo de qualidade de saúde e integridade, incluindo aspectos físicos, intelectuais e espirituais. (Greene et al., 1984).

As descobertas científicas, que se deram a partir do século XIX, como as de Robert Koch e de Louis Pasteur, trouxeram contributos importantes para a identificação das doenças e suas causas, bem como para o controle e irradicação de diversas patologias infecciosas, mas não foram suficientes para construir um conceito de saúde.

Muitos estudiosos têm tentado encontrar conceitos de saúde e de doença que satisfaçam, o que não tem sido fácil, uma vez que estes são muito relativos e estão, normalmente, relacionados com uma diversidade de factores.

Na opinião de Nogueira (2001, p. 43), a saúde “entendida durante muito tempo como

«ausência de doença», desenvolveu-se no contexto da medicina e relaciona-se a uma visão negativa e redutora do problema”, pelo que se centrava mais na doença e na sua

cura do que na Promoção da Saúde (PS) ou na prevenção da doença.

A visão de saúde descrita, focalizada, sobretudo, na Biologia e na Medicina, cujo interesse principal era a procura constante da descoberta da origem das doenças e onde as formas mais comuns de luta eram as intervenções médicas, constituía o discurso típico do modelo biomédico. Estava aqui bem presente a unicausalidade do processo saúde/doença assente no Positivismo dominante e seguido naquela época. Esta teoria científica e metodológica não aceitava, por exemplo, que a cultura pudesse moldar os comportamentos humanos e que estes, muitas vezes, são determinantes no aparecimento, agravamento e mesmo propagação de doenças (Berlinguer, 1988).

No entanto, esta visão reducionista do processo saúde-doença foi, passado algum tempo, colocada de parte.

A definição de saúde proferida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, como ”…completo bem-estar físico, mental e social e nãosomente a ausência de doença ou enfermidade…” tentou fazer uma ruptura com o modelo biomédico tradicional e a

saúde surgiu como “algo” positivo” que deve ser promovido (Meade et al., 1988).

Inicialmente, este conceito foi inovador e mesmo elogiado pela sua positividade, abrangência e multidimensionalidade mas, posteriormente, foi criticado pela sua subjectividade, amplitude e difícil operacionalização, sofrendo alterações ao longo dos tempos.

Assim, para além da supressão do termo “completo” foi objectivo da OMS que todos os indivíduos ou grupos participassem na sua comunidade, satisfizessem as suas necessidades e aspirações e, se possível, conseguissem alterar o meio que os rodeia (OMS, 1985, 1986).

Na realidade, a saúde e a doença constituem, sempre, estados relativos e subjectivos da vida humana, pelo que necessitam de conceitos mais operacionais. A saúde absoluta ou perfeita é inatingível tendo em conta a natureza aberta e dinâmica dos sistemas biológicos (Dubos, 1959; San Martin, 1984; citados por Simões, 1989).

Na tentativa de apresentar conceitos mais realistas de saúde e, ou, doença vários autores manifestaram-se, acrescentando-lhes outras dimensões ou aspectos o que fez com que os mesmos sofressem variações.

Dubos (1965, p. XVII) entendeu que a doença seria uma inadaptabilidade entre o organismo e o ambiente natural, social, económico e cultural e a saúde “algo” dinâmico pelo que, para o autor, “saúde e doença são a expressão do sucesso ou falhanço

experimentado pelo organismo nos seus esforços de responder adaptativamente aos desafios do ambiente”.

Audy (1971, p. 142) referiu que “ a saúde é uma propriedade continuada que pode ser

avaliada pela capacidade individual de restabelecimento de uma grande diversidade de “ataques”, sejam eles químicos, físicos, infecciosos, psicológicos, sociais”, enquanto que

Nogueira (2001, p. 44), tendo por base o conceito de doença de May (1961), definiu-a

“como uma alteração das células ou tecidos vivos que ponha em perigo a sobrevivência no seu ambiente”.

Nesta perspectiva, na opinião de vários autores (Mayer, 1982; Meade et al. ,1988; Santana, 1995), a saúde e a doença são influenciadas por inúmeros factores, tais como, biológicos, sociais, económicos, culturais, étnicos, psicológicos e tecnológicos e, ainda, podem variar conforme o nível de desenvolvimento da população.

Fornecendo uma interpretação mais abrangente do estado saúde-doença e abarcando questões anteriormente negligenciadas, as várias revisões do conceito da OMS continuaram a ser, no entanto, criticadas por alguns autores, devido à necessidade de recorrer a técnicas que permitissem fazer a avaliação de saúde, baseada na auto- percepção e no conceito de qualidade de vida.

O conceito de qualidade de vida (muito mais abrangente que o de saúde) descrito “como

um juízo subjectivo do grau em que se alcançou a satisfação ou um sentimento de bem- estar pessoal, mas associada a determinados indicadores objectivos biomédicos, psicológicos, comportamentais e sociais” permite operacionalizar o de saúde (Amorim,

1999, p. 28).

Importava mencionar que os progressos da Medicina foram de extrema importância na evolução do conceito saúde-doença. No entanto, este capítulo não ficaria completo se não fizéssemos referência ao modelo ou paradigma biopsicossocial de doença, que sofreu influência da teoria de Engel (Bolander, 1998). O modelo, ao considerar o indivíduo como um ser biopsicossocial (visão holística do ser humano), adverte para a interferência de factores biológicos, psicológicos e sociais no processo saúde e doença. A situação de saúde e doença são processos dinâmicos, multicausais, pelo que não se pode focalizar unicamente nos aspectos objectivamente observáveis e explicados ao nível de processos celulares e moleculares, mas é necessário valorizar a narrativa da pessoa, as suas emoções, o que ela diz ou refere sentir.

Vários autores têm mencionado, analisado e reflectido sobre o modelo anteriormente abordado, tais como: Engel (1977); Bolander (1998); Puustienen et al. (2003); Borrell- Carrió et al. (2004).

O conceito de saúde pode, ainda, sofrer ligeiras alterações segundo a sociedade dentro da qual é produzido. Isto parece significar que não existe um conceito universal de saúde, mas conceitos histórica e socialmente determinados.