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A informalização do procedimento beneficia ou não os litigantes

CAPÍTULO 2 CRÍTICA AOS MEIOS CONSENSUAIS SOB A PERSPECTIVA DO

3.4. Como o processo adjudicatório lida com a disparidade de poder entre as partes?

3.4.2. A informalização do procedimento beneficia ou não os litigantes

Os mecanismos de superação das desigualdades vistos nos itens anteriores atuam em momentos específicos do processo judicial – recebimento da petição inicial, resposta, saneamento do feito e instrução probatória – e, em especial no procedimento comum, marcado pela publicidade e formalidade.

A informalização dos procedimentos é estratégia de promoção do acesso à justiça, diagnosticada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth na terceira onda do acesso à justiça424.

E, conforme os procedimentos perdem formalidade, poder-se-ia cogitar que a parte mais vulnerável seria beneficiada pois, dotada de menor sofisticação técnica, poderia defender seus direitos e interesses sem preocupações com termos jurídicos ou formas específicas. A dispensa de representação por advogado, ademais, pode, em tese, reduzir os custos de ingresso. Por outro lado, Rodolfo de Camargo Mancuso anota que a desigualdade substancial entre as partes não afeta apenas o procedimento comum, mais formal, lento, predominantemente documental e pautado pela legalidade. Afeta igualmente procedimentos que deveriam ser marcados pela celeridade, informalidade e oralidade, como no caso dos procedimentos dos Juizados Especiais425.

Boaventura de Sousa Santos é mais incisivo em afirmar que

“é bem possível que a informalização acarrete consigo a deterioração da posição jurídica da parte mais fraca, decorrente da perda das garantias processuais, e contribua assim para a consolidação das desigualdades sociais: a menos que os amplos poderes do juiz profissional ou leigo possam ser utilizados para compensar a perda das

424 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça, cit., p. 70-71. 425 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça, cit., p. 144.

garantias, o que será sempre difícil uma vez que os tribunais tendem a estar desprovidos de meios sancionatórios eficazes.”426

A correlação entre informalidade, perda de controle e prejuízo à parte mais fraca pode ser sintetizada em algumas observações:

a) A oralidade do processo exige maior preparo e também maior improviso, sendo que a parte sem representação técnica ou com representação técnica deficiente pode ter ainda mais dificuldade na filtragem e exposição de fatos relevantes, exposição de argumentos, apresentação de provas, impugnação de alegações da parte contrária, objeção a condutas judicias, entre outros.

b) Os processos informais são normalmente pautados pela “irrecorribilidade das decisões interlocutórias”, de forma que a atuação do juiz quanto a distribuições de ônus e aplicação de sanções antes da prolação da sentença não fica sujeita a controle imediato, consolidando eventuais desequilíbrios na técnica processual que acabam refletindo na decisão de mérito;

c) O registro dos atos processuais e a sua publicidade podem ser mitigados nos processos mais informais, o que dificulta o questionamento dos atos judiciais e sua submissão ao escrutínio de outra instância.

Carlos Alberto Alvaro de Oliveira ensina que as prescrições formais no processo civil devem sempre ser analisadas a partir de sua finalidade, sem se ater ao rigor formalista das regras processuais. Basta saber se a finalidade da prescrição foi atingida em sua essência, sem prejuízo a interesses de proteção da parte, pois a forma não possui um valor em si mesmo427.

Para o autor, o direito processual tem caráter essencialmente finalístico, que é o da realização da justiça material. Assim, as formas processuais devem ser mediadas por juízos de equidade, enquanto trabalho de adaptação das normas gerais aos casos concretos428.

Todavia, o autor também destaca que o informalismo do processo só pode ocorrer se atendida a finalidade de realização do direito material, em tempo adequado e com preservação das garantias e direitos fundamentais das partes, pois estas servem ao fim maior de assegurar a

426 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. FARIA, José Eduardo

(org.) Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989, p. 58-59.

427 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 26, p. 59-88, 2006, p. 78.

428 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo, cit., p. 77.

justiça material da decisão. Exemplifica a observação afirmando que o contraditório mais intenso pode demonstrar que a melhor solução não é aquela imaginada pelo órgão judicial429.

Há uma carência de estudos que comparem os resultados de processos formais com processos informais na presença de desequilíbrios e que pudessem corroborar essas assertivas. No entanto, há algumas indicações de que processos informais podem abrir espaço para redução de garantias processuais mediante prática de atos sequer registrados e, possivelmente, a precipitação de julgamentos.

Em pesquisa sobre os juizados especiais cíveis situados no Centro de Integração de Cidadania em São Paulo-SP, Jacqueline Sinhoretto analisa a resolução de conflitos sob a óptica da informalização.

Na atuação dos conciliadores e dos juízes, a pesquisadora observou uma tendência de reconhecer a desigualdade envolvida entre a maioria dos litigantes – indivíduos consumidores – e as empresas contra quem litigavam, mas de uma maneira que, em vez de reequilibrar e dar voz à parte, acaba por aproveitar-se do rito informal e dirigir as partes a um acordo.

Em suas palavras,

“quem dirige o ritual da conciliação tem consciência de agir deliberadamente por um desfecho, em nome da proteção do interesse da parte menos favorecida. Esse interesse, porém, não foi postulado durante a audiência ou discutido com o titular do interesse a estratégia de sua defesa. O conciliador vê-se no papel de tutelar a parte mais fraca, por deter informações que ela não tem, sendo capaz, portanto, de tomar decisões em seu lugar. O reconhecimento da desigualdade das partes no ritual informal leva ao aprofundamento da diferença pela limitação do direito de litigar, ao invés de propiciar a recuperação da igualdade formal contida no direito de acesso à justiça”430

Nesse sentido, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo afirma que, de um lado, as formalidades judiciais criam barreiras de acesso, mas, por outro, regulamentam procedimentos que permitem a proteção de setores socialmente desfavorecidos, enquanto os procedimentos informais são mais facilmente manipuláveis. Assim, entende que a efetivação de direitos por procedimentos informais só será bem sucedida se forem ultrapassadas as barreiras advindas do desconhecimento dos direitos431.

429 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo, cit., p. 77.

430 SINHORETTO, Jacqueline. Ir aonde o povo está: etnografia de uma reforma da justiça. Tese (doutorado). São

Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2006, p. 339-340.

431 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Juizados Especiais Criminais: uma abordagem sociológica sobre a

informalização da justiça no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 47, São Paulo, ANPOCS, p. 97-110, out./2001, p. 108.

Há consistência teórica nas conclusões, e, como veremos, elas ecoam também na crítica aos meios consensuais, em que a informalidade é vista muitas vezes não apenas como característica, mas também como verdadeira vantagem de sua utilização432.

Um problema aventado com o advento do informalismo processual no Brasil é que ele emergiu juntamente com outros elementos da “terceira onda” do acesso à justiça, mais ou menos ao mesmo tempo da emergência das duas primeiras ondas, e antes da consolidação de seus elementos básicos, como a ampliação a assistência jurídica gratuita – o que inclui a orientação jurídica - e a disseminação popular sobre conhecimento dos direitos433.

3.5. A crítica aos meios consensuais como incapazes de estabelecer um